Habitação Digna e Acessível

O direito à habitação é um direito humano, consagrado desde logo na nossa Constituição e também na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que não se esgota na ideia de sobrevivência nem na mera posse de um tecto, sendo igualmente um requisito para a vida com dignidade.

Portugal regista um conjunto de problemas multicausais em matéria de habitação, não apenas a falta de oferta, mas também as fracas condições de salubridade e segurança, as dificuldades de acesso ao nível da mobilidade ou a gentrificação, problemas esses que requerem respostas diferenciadas, distintas escalas de intervenção e um adequado acompanhamento, com implementação de estratégias de desenvolvimento adaptadas a cada território.

Já em 2015 o PAN defendia a necessidade de mudar o paradigma de “habitação social” para “habitação condigna para todas e todos”, bem como a necessidade de se criar um Pacto Nacional para a Habitação. A Agenda 2030 dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, que prevê, na Meta 11.1, “até 2030, garantir o acesso de todos à habitação segura, adequada e a preço acessível, e aos serviços básicos, e melhorar as condições nos bairros de lata”, vem reforçar aquela nossa reivindicação, sendo que o compromisso do Governo no que à meta diz respeito está, à luz dos indicadores disponíveis, longe de ser satisfatória. O Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional, datado de Fevereiro de 2018, identifica situações de grave carência habitacional, tendo-se sinalizado 25 762 famílias como estando em situação habitacional claramente insatisfatória, 14 748 edifícios e 31 526 fogos sem as condições mínimas de habitabilidade sinalizadas, em 187 municípios. O mesmo estudo refere que o total de fogos de habitação social que permanecem por ocupar daria para realojar 27% das famílias sinalizadas e, ainda, que há disponibilidade de fogos de habitação social em municípios sem carências e carências em municípios sem ou com disponibilidades mínimas deste tipo de oferta pública. De resto, ao nível da oferta pública de habitação, a oferta, por si só insuficiente em quantidade e qualidade, esqueceu a essencial articulação da habitação com as restantes necessidades e direitos das pessoas, conduzindo a graves e complexos problemas de exclusão e de discriminação.

Portugal tem igualmente um problema para resolver ao nível do arrendamento, agravado mais recentemente pela procura turística com que o país se passou a deparar de forma mais sentida e que resultou numa contracção do mercado, em especial nos centros das cidades predominantemente turísticas, com a crescente possibilidade de rentabilização dos imóveis, por parte dos proprietários, que acarretou um impacto na vida das pessoas, em particular na dificuldade de acesso à habitação a manutenção dos contratos existentes. De resto, as sucessivas alterações ao regime do arrendamento, não apenas não resolveram os problemas estruturais, como não anteviram nem se adaptaram aos desafios trazidos pelo turismo.

Habitação para Todos

  • Garantir o acesso à habitação a todas as pessoas, pugnando pelo fim da discriminação que ainda existe neste âmbito
  • Promover a implementação de estratégias integradas de planeamento urbano e territorial, que visem o planeamento da habitação a nível nacional, regional e local, garantindo a articulação com outras políticas sectoriais inseparáveis, como a saúde, mobilidade, fornecimento de serviços públicos, gestão e preservação de recursos naturais, segurança e autonomia alimentar, entre outras, bem como a devida articulação nos territórios entre investimento público e privado
  • Adoptar medidas de mitigação do grave problema de situações habitacionais sem dignidade
  • Erradicar os alojamentos precários através do adequado realojamento da população residente e da sua posterior demolição, garantindo a sua integração na nova morada através de procedimentos específicos criados para o efeito a nível local, e que salvaguardem, sempre que possível, a manutenção das pessoas no local ou o mais próximo possível, reconhecendo que a persistência de pessoas em habitações em situação de grave carência habitacional é uma forma de perpetuar o ciclo de pobreza e a desigualdade, dificultando a inclusão social
  • Reforçar os mecanismos de protecção das pessoas mais vulneráveis em matéria de procura e resposta habitacional, nomeadamente mulheres, crianças e jovens, pessoas idosas, pessoas com deficiência, migrantes, pessoas em situação de sem-abrigo, pessoas em situação de pobreza extrema e vítimas de violência, entre outras vulnerabilidades, garantindo soluções seguras, acessíveis e adequadas às distintas necessidades de apoio e aos diferentes níveis de rendimento, prevendo a sua futura integração socioeconómica e cultural
  • Desenhar uma rede de respostas de alojamento e de habitação no território nacional, incluindo o adequado acompanhamento individualizado, apoiadas por equipa especializada de suporte, visando responder às necessidades e fases das pessoas em situação de maior vulnerabilidade e exclusão, designadamente em situação de sem-abrigo
  • Garantir a mobilidade dos agregados dentro do parque habitacional mediante a sua alteração de configuração
  • Proceder à elaboração, no prazo de 2 anos, de Estratégias Municipais de Habitação, apresentando objectivos, metas mensuráveis, indicadores, recursos financeiros e humanos a alocar à sua concretização e forma de monitorização pública
  • Apostar na habitação básica, colaborativa e participada, que se traduz num modo de habitação que, compreendendo uma ampla variedade de formas de habitação colectiva e que compromete os residentes na concepção e recuperação do projecto da habitação e na futura gestão e manutenção – já usada com sucesso em vários países europeus – tendo em vista resolver problemas, tanto de populações sénior, como dos mais jovens, entre outras
  • Criar programas piloto de apoio à autoconstrução de habitações através de candidatura por grupos comunitários ou associações locais
  • Alargar a oferta de habitação pública, a preços acessíveis (renda condicionada), em territórios do interior do país onde existe maior despovoamento e apoiar os agregados familiares em matéria de acesso à habitação, como resposta às assimetrias territoriais que existem em Portugal
  • Reforçar as verbas do Orçamento alocadas aos programas habitacionais dirigidos aos grupos mais vulneráveis, como agregados com rendimentos baixos ou determinadas faixas etárias (jovens e pessoas idosas)
  • Promover a criação de sites municipais e metropolitanos que agreguem as diversas ofertas ao nível da oferta habitacional pública, por território, bem como os diversos programas disponíveis
  • Criar balcões municipais, ou metropolitanos, consoante a densidade populacional e a procura no território determinem, de atendimento presencial no âmbito do Portal da Habitação, neste momento só disponível em Lisboa e no Porto
  • Reforçar a fiscalização dos alojamentos locais, nomeadamente focando-se a mesma no exercício ilegal da actividade
  • Promover a criação de abordagens participativas e de consultas públicas abertas a todos nas diversas fases do planeamento das políticas e estratégias urbanas, designadamente, as relacionadas com a habitação, através do estabelecimento de projectos locais com associações, colectivos e a sociedade civil e/ou utilizando as novas tecnologias, procurando minorar as discriminações existentes como as  questões etárias e de género
  • Assegurar o levantamento do parque habitacional público, do Estado ou municipal, identificando o seu estado de conservação e ocupação, a par do levantamento e análise da procura de habitação nas diferentes áreas urbanas, ou do interior, e do tipo de agregados e rendimentos dos mesmos
  • Evitar a criação de bairros específicos de habitação pública, ocupando preferencialmente a área da cidade consolidada, de forma dispersa
  • Apoiar a criação de organizações públicas ou privadas que tenham como prioridade alojamentos para pessoas com baixos rendimentos, obrigando-se a gerir os alojamentos, o restante parque edificado e, paralelamente tendo de apresentar e garantir um programa de responsabilidade social e de integração: vida escolar, profissional, acesso a cuidados de saúde, cidadania, entre outros

Arrendamento

  • Rever os critérios de atribuição de habitação nos arrendamentos públicos garantindo os princípios da igualdade e da não discriminação, em razão da ascendência, orientação sexual, identidade e/ou expressão de género e características sexuais, étnico-racial, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social, ou qualquer outro factor 
  • Reforçar o investimento na construção de habitação pública para arrendamento acessível
  • Reformar o regime jurídico do arrendamento urbano, após ampla consulta pública
  • Criar um Fundo de Compensação aos Proprietários cujos imóveis ou fracções habitacionais permaneçam com contratos de arrendamento claramente prejudiciais em termos financeiros, mas que paralelamente cumpram uma função social, a qual deve ser exercida pelo Estado, procurando minimizar o fosso entre o valor real de renda e o recebido, por  forma a incrementar o arrendamento de longa duração
  • Criar novos incentivos à colocação no mercado de arrendamento de imóveis devolutos, nomeadamente através do apoio financeiro na execução de obras de conservação e actualização dos padrões de habitabilidade e conforto, bem como incentivos fiscais
  • Aumentar a verba do Orçamento do Estado alocada ao Arrendamento Jovem
  • Avaliar a adesão, por parte dos senhorios, ao Programa de Arrendamento Acessível, decorridos 6 meses da entrada em vigor e, caso esta seja insuficiente, rever os requisitos aplicáveis e a necessidade de promover a ampliação dos incentivos
  • Incentivar a utilização do exercício do direito de preferência por parte das autarquias na aquisição de imóveis para colocação no mercado de arrendamento, quando necessário, garantindo, contudo, que o processo decorre com a mesma velocidade que entre privados, não criando desta forma receios no mercado

Arrendamento

  • Promover a reabilitação dos bairros municipais e de habitação públicos, intervindo no edificado e com programas que procurem inverter, quando existam, processos de exclusão social e de segregação territorial
  • Assegurar a articulação e o acompanhamento dos programas de reabilitação e regeneração com programas integrados de inclusão social, nomeadamente programas de empregabilidade, escolas, redes de transportes públicos e comércio local
  • Estabelecer no âmbito do actual programa Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas (IFRRU 2020) uma linha direccionada para privados que pretendem adquirir habitação própria permanente, diminuindo o grau de dificuldade de acesso ao Fundo
  • Acompanhar e fiscalizar, de modo adequado e ágil, a situação das habitações públicas: estado de conservação, ocupações ilegais, falta de cumprimento das obrigações, entre outras, o que irá permitir agilizar a pretendida mobilidade dos agregados dentro do parque habitacional
  • Proceder ao alargamento do Plano de Reabilitação de Património Público para Arrendamento Acessível através da disponibilização de mais imóveis de propriedade pública (do Estado e municípios), para além dos 50 já disponibilizados, facilitando a consulta das características dos imóveis através de plataforma digital para que os municípios e outras entidades sem fins lucrativos, como colectivos e associações, se possam candidatar à sua reabilitação e gestão, isoladamente ou em parceria com o sector público, aumentando a oferta pública de habitação para pessoas com baixos e médios rendimentos
  • Garantir a existência de apoio financeiro e técnico, com possibilidade de mentoria técnica e de gestão de conflitos, para execução de obras de conservação em imóveis em propriedade horizontal, procurando minimizar a actual situação dos imóveis que carecem de obras
  • Implementar programa de obras de conservação e de melhoria de imóveis de habitação pertencentes a entidades públicas, envolvendo a população residente, desde a definição das necessidades e definição do projecto até à execução da obra, proporcionando, mediante a análise de caso, materiais, tutoria, dinamização de equipas, entre outros
  • Criar um novo programa de reconversão de áreas urbanas degradadas ou de intervenção considerada prioritária que permita, sob supervisão das autarquias locais, a pessoas colectivas privadas promoverem a reabilitação e reconversão de edificado existente, com possibilidade, mediante o território, de novas construções, que facilitem a interacção social e intergeracional e a valorização da diversidade, criando opções de habitação economicamente acessíveis, com acesso a serviços básicos de qualidade, espaços públicos para todos e aumento da segurança

Habitação para fins turísticos e desenvolvimento do interior

  • Avaliar o impacto causado nas áreas urbanas pelas unidades hoteleiras na diminuição da oferta de habitação e, caso se verifique um impacto negativo, promover a criação de regulamentação que preveja, entre outros aspectos, a eventual limitação e suspensão de autorização de novos estabelecimentos hoteleiros, sobretudo quando se verifique estar no limiar do uso habitacional do território estudado
  • Criar programas de regeneração urbana que incentivem a oferta de habitação em territórios com especificidades particulares – especialmente em áreas despovoadas e regiões montanhosas, tendo em consideração os desafios relevantes e as oportunidades específicas do binómio população – e especificidades como isolamento, vulnerabilidade, periferização, entre outras
  • Criar programas de incentivo à recuperação de construções com valor arquitectónico e histórico para habitação própria ou turística – casas de xisto, abrigos de guardas florestais, escolas primárias, estações de correio – nomeadamente em áreas desertificadas, mas não só, com programas paralelos e apoio à agricultura biológica e a outros programas de criação de emprego nos territórios onde existe o património construído a reabilitar e habitar
  • Criar programas de regeneração urbana que incentivem a oferta de habitação em territórios com especificidades particulares – nomeadamente em áreas despovoadas e regiões montanhosas, tendo em consideração os desafios relevantes e as oportunidades específicas do binómio população – e especificidades como isolamento, vulnerabilidade, periferização, entre outras
  • Desenho de uma rede de respostas de alojamento e de habitação, acompanhada por equipa especializada de suporte, visando responder às distintas necessidades e fases das pessoas em situação de maior vulnerabilidade e exclusão, designadamente em situação de sem abrigo. Esta rede pode incluir: atribuição de complemento financeiro para alojamento, “housing first”, unidades residenciais pequenas de acolhimento com vagas de emergência com funcionamento 24h/dia, apartamentos partilhados com alojamento permanente, apartamentos de autonomização, habitação municipal individual ou partilhada, entre outras soluções