Orçamento do Estado 2024Pessoas

Atendimento e acompanhamento de vítimas de violência sexual no SNS

De acordo com o mais recente Relatório Anual de Segurança Interna, referente ao ano de 2022, em Portugal o número total de participações de violações foi de 519, o que se traduz em cerca de 43 violações por mês, num aumento de 26% face a 2021 e naquele que é o maior número nos últimos 10 anos.

Estes números demonstram que violência sexual é um flagelo preocupante para o nosso país e que deverá ser objecto de especial atenção pelas diferentes áreas das políticas públicas.

A área da saúde é uma das áreas onde essa atenção dada pelos sucessivos orçamentos do estado tem sido reduzida, o que tem levado a que hoje se verifiquem um conjunto de insuficiências no atendimento e acompanhamento de vítimas de violência sexual no SNS, dos quais se destaca a inexistência de kits de recolha de evidências de abuso sexual ou de violação em diversos hospitais, esperas de várias horas (por vezes dezenas) para a realização de perícias forenses ou a existência a nível nacional de apenas dois centros de crise para vítimas de violência sexual (em Lisboa e no Porto).

Ciente da necessidade de assegurar melhorias no atendimento e acompanhamento das vítimas de violência sexual no SNS, com a presente proposta de alteração o PAN pretende criar um programa de melhoria do atendimento e acompanhamento das vítimas violência sexual no Serviço Nacional de Saúde, com uma dotação de 1 milhão de euros no âmbito do qual se assegure:

  • A realização de um inquérito de qualidade ao atendimento e acompanhamento das vítimas de abuso sexual e de violação no SNS, no qual intervenham as entidades integradas no Serviço Nacional de Saúde, os respectivos administradores e profissionais de saúde e as associações de apoio às vítimas de violência sexual, que permita identificar e mapear as falhas existentes e assim corrigi-las;
  • A distribuição extraordinária de 250 kits de recolha de evidências de abuso sexual ou de violação no próximo ano, por forma a garantir que todas as entidades integradas no Serviço Nacional de Saúde dispõem destes materiais e estão aptas a assegurar o atendimento adequado das vítimas de abuso sexual e de violação. A inexistência destes kits é, hoje, a realidade em diversos hospitais do nosso país, obrigando a que os médicos tenham de improvisar soluções ad hoc ou que as vítimas se tenham de deslocar dezenas ou até centenas de quilómetros para realizarem os exames forenses. A ausência de tais kits e a demora na realização dos exames pode levar, muitas vezes, à destruição de vestígios ou a recolhas sem valor em termos de prova.
  • A criação de um projecto-piloto no Serviço Nacional de Saúde que, após a realização de exames forenses, garanta a disponibilização às vítimas de abuso sexual ou de violação de kits de higiene pessoal (que inclua, por exemplo, shampoo, gel de banho, creme hidratante e pente), de roupa e de outros recursos emergenciais (nomeadamente, mudas de roupa e comida).
  • Sublinhe-se que o projeto-piloto que queremos implementar em Portugal com esta proposta foi implementado com sucesso nos últimos anos na Califórnia (por via da ação do Grateful Garment Project), no Canadá e nos Sexual Assault Referral Centre de Londres. A disponibilização destes kits às vítimas não resolvendo os problemas associados ao impacto da violência sexual, contribuem para que se lhes assegure alguma dignidade e conforto após um momento traumatizante e um procedimento clínico e forense frio e pesado do ponto de vista emocional.
  • A definição de um cronograma para a criação de salas de espera específicas destinadas às vítimas de abuso sexual e de violação em todas as entidades integradas no Serviço Nacional de Saúde aptas a receber estes utentes, visto que atualmente as vítimas de violência sexual são colocadas em salas de espera gerais junto dos demais utentes.
  • O alargamento, seja por iniciativa própria, seja por via da celebração de protocolos com associações de apoio às vítimas de violência sexual, do número de centros de crise para vítimas de violência sexual, assegurando a existência de, pelo menos, um centro em cada capital de distrito do país até 2026. Apesar desta ser a resposta mais especializada colocada ao dispor das vítimas, constata-se que atualmente existem apenas dois centros destes, um em Lisboa e outro no Porto, o que se revela manifestamente insuficiente.
  • A realização de uma campanha institucional nacional de divulgação dos centros de crise para vítimas de violência sexual, destinada designadamente aos profissionais de saúde. Tal campanha afigura-se como necessária não só porque muitas vítimas desconhecem a existência destes centros, mas também os dados de um estudo do Centro de Atendimento Emancipação, Igualdade e Recuperação, coordenado pela UMAR, que revela que 73% profissionais de saúde responderam não conhecer a existência de serviços de apoio especializados para vítimas de violência sexual.
  • A realização, em articulação com as associações de apoio às vítimas de violência sexual e as ordens profissionais da área da saúde, de ações de formação sobre a violência sexual e os procedimentos e protocolos a adoptar, destinadas aos profissionais de saúde. O aprofundamento da formação e sensibilização dos profissionais de saúde no domínio da violência sexual é especialmente importante tendo em conta que o desconhecimento neste domínio continua a ser significativo.
  • Demonstrativos desta realidade são os dados de um estudo do Centro de Atendimento Emancipação, Igualdade e Recuperação, coordenado pela UMAR, que revela que apenas 38,9% dos profissionais de saúde inquiridos afirmam sentir-se seguros para responder a um pedido de ajuda de uma vítima de violência sexual e que 46,4% referem não ter conhecimento de qualquer protocolo ou consideram que o mesmo não foi útil para a sua intervenção. Esta situação é preocupante e deverá levar-nos a melhorias, tendo em conta que podem levar a colheitas feitas sem respeito pelo protocolo aplicável, à existência de erros na preservação da colheita ou a falhas no envio da colheita, que podem levar a que as mesmas não tenham valor em termos de prova – o que prejudica gravemente a vítima.