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Carta aberta ao Primeiro Ministro solicitando a intervenção de Portugal na defesa da floresta Amazónia

Imagem Logótipo PAN Convocatória

É neste contexto de extrema urgência que não podemos, como cidadãos e como nação, ficar indiferentes à destruição acelerada da floresta Amazónica

Excelência,                                                               

Os dados mais recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no seu último relatório de Agosto de 2019, alertam para a urgência de garantirmos o cumprimento das metas climáticas definidas pelo Acordo de Paris. Porém, nem mesmo os cenários mais optimistas nos garantem que consigamos evitar o ponto de não-retorno em 2030, esperando-se um aumento de 1,5 graus da temperatura global face à referência pré-industrial. É neste contexto de extrema urgência que não podemos, como cidadãos e como nação, ficar indiferentes à destruição acelerada da floresta Amazónica, à perseguição das comunidades indígenas, à usurpação de terras ancestrais e à morte de milhares de espécies vegetais e animais nesta região equatorial.

Os dados reportados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPA) brasileiro nos estados da Rondónia, Mato Grosso, Pará e Amazonas são alarmantes. Este ano, em termos gerais, houve cerca de 72.843 incêndios, mais de metade na região da Amazónia o que significa um aumento de 80% em relação ao mesmo período do ano passado. A comunidade científica internacional atesta esta destruição maciça com imagens de satélite, nomeadamente provenientes da NASA e do programa europeu Copernicus – do qual Portugal faz parte enquanto Estado-membro da EU e da Agência Espacial Europeia. Em paralelo, não deixa também de ser preocupante que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renováveis (IBAMA), afecto ao Ministério do Ambiente, tenha tido um corte no seu orçamento de cerca de 24% e que, por iniciativa presidencial, se tenha tentado retirar a demarcação das terras indígenas da Fundação Nacional do Índio para a gestão do Ministério da Agricultura. Esta medida foi travada apenas por acção do Supremo Tribunal Federal. As próprias declarações do Presidente Jair Bolsonaro sobre a mercantilização e exploração da região Amazónica decorrentes da indústria mineira, da celulose, da construção civil, da actividade pecuária e agrícola demonstram uma total desconexão com a urgência de preservarmos um dos mais importantes pulmões terrestres.

As evidências demonstram que o desmatamento pode estar mais perto de um ponto de inflexão do que era assumido. Se o desmatamento total exceder 20% a 25% da área florestal total da bacia (actualmente é de 16%), haverá uma transformação irreversível de mais de 60% da floresta amazónica para uma savana degradada, libertando mais de 50 biliões de toneladas de carbono na atmosfera, passando assim esta área a ser um emissor de carbono ao invés do pulmão que é agora. Importa acrescentar que o IPCC alerta que a protecção e a restauração das florestas poderia mitigar em 25% as emissões de carbono, ou seja, esta é uma redução necessária para limitar o aquecimento global a 1,5 graus até 2030.

É factual que esta calamidade não se resume ao Brasil, muito menos à governação do actual presidente Jair Bolsonaro, mas a nossa ligação histórica e cultural a este país impele-nos a tomar uma acção determinada.

Em suma, a gravidade desta calamidade afecta não só o Brasil e a América Latina como todos os cidadãos e ecossistemas do Planeta. E é neste contexto de urgência que deve surgir a intervenção do Governo português, utilizando todas as ferramentas e mecanismos disponíveis a nível diplomático, económico, financeiro e mesmo legais. Tal como no passado os cidadãos, as instituições e as nações se uniram para travar as causas da expansão de buracos no ozono, é tempo de intervirmos na protecção e regeneração da floresta Amazónica.

É neste sentido, e considerando a relação histórica entre a República Portuguesa e a República Federal do Brasil, tal como a importância da diplomacia com os restantes países na prossecução da garantia do reforço dos Direitos Humanos, da protecção das comunidades indígenas e territórios ancestrais, tal como na urgência de protegermos um dos mais importantes pulmões da Terra, que instamos o Primeiro Ministro, em nome do Estado Português, a:

  1. Convocar, com carácter de urgência, os embaixadores do Brasil, do Paraguai e da Bolívia em Portugal para tomar conhecimento e discutir as acções que estão a ser tomadas pelos seus governos em relação aos actuais incêndios, ao desmatamento decorrente e à destruição generalizada da floresta Amazónica;
  2. Garantir que na próxima reunião do Conselho Europeu, a 17 e 18 de Outubro, se inclua na ordem de trabalhos o congelamento, por tempo indeterminado, da implementação do Acordo Transnacional da União Europeia com o Mercosul;
  3. Reforçar os esforços diplomáticos bilaterais entre o Brasil, o Peru, a Colômbia, a Venezuela, o Equador, a Bolívia, a Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa para garantir os compromissos climáticos vinculados pelo Acordo de Paris e o princípio do desmatamento zero na Amazónia;
  4. Propor a possibilidade de alargar a intervenção do Fundo Mundial do Ambiente (Global Environment Facility) à protecção de áreas de especial interesse ambiental, como a floresta Amazónia, como meio de compensação dos países pela sua não desmatação;
  5. Apresentar uma queixa no Tribunal Internacional de Justiça caso não se verifique nenhum compromisso tangível e substancial pela República Federal do Brasil, pela República do Paraguai e pelo Estado Plurinacional da Bolívia para travar o desmatamento na floresta Amazónica, para combater os incêndios florestais e para assegurar a demarcação de terras indígenas;
  6. Priorizar a protecção, conservação e regeneração da floresta Amazónica nas próximas reuniões da CPLP.

Lisboa, 23 de agosto de 2019

Francisco Guerreiro

Eurodeputado do partido PAN – Pessoas-Animais-Natureza