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Fim dos abates nos canis municipais: 15 questões

A Lei n.º 27/2016 de 23 de Agosto veio para ficar. Esta legislação aprova medidas para a criação de uma rede de centros de recolha oficial de animais e estabelece a proibição do abate de animais errantes como forma de controlo da população. Aqui, respondemos às 15 questões mais frequentes que têm sido colocadas ao PAN.

QUANDO É QUE A LEI ENTRA INTEIRAMENTE EM VIGOR? 

A lei entra em vigor no dia 23 de Setembro de 2018. 

O QUE É QUE MUDA COM ESTA LEI?

A principal alteração está relacionada com a forma de controlo da população de cães e gatos. Assim, passa a ser proibido o abate de animais saudáveis e passa a ser obrigatória a esterilização de todos os animais recolhidos pelos Centro de Recolha Oficial de Animais (CROA), com excepção daqueles que não tiverem condições de saúde para serem sujeitos à cirurgia. Os animais recolhidos devem obrigatoriamente ser destinados à adopção. 

SERÁ POSSÍVEL ABATER ANIMAIS DOENTES OU ACIDENTADOS?

A eutanásia pode ser realizada em centros de recolha oficial de animais ou centros de atendimento médico veterinário, por médico veterinário, em casos comprovados de doença manifestamente incurável e quando se demonstre ser a via única e indispensável para eliminar a dor e o sofrimento irrecuperável do animal.HÁ MUNICÍPIOS QUE AFIRMAM QUE NÃO VÃO CUMPRIR A LEI. QUAIS SÃO AS CONSEQUÊNCIAS?

Quando o abate de animais ocorra fora dos casos previstos na Lei n.º 27/2016, estamos perante um crime de maus tratos a animais, previsto e punido pelo artigo 387.º do Código Penal. Qualquer pessoa singular ou colectiva pode denunciar situações de incumprimento. Para além da responsabilidade penal, os municípios que não cumpram podem também ser alvo de acções judiciais de âmbito administrativo, nomeadamente acções de condenação na prática do acto devido ou de responsabilidade civil. 

NÃO ABATER ANIMAIS PODE COLOCAR EM CAUSA A SAÚDE PÚBLICA? NOMEADAMENTE, PODE VOLTAR A APARECER RAIVA EM PORTUGAL?

Não existe raiva em Portugal desde a década de 50. Acresce que a prevenção da raiva depende das campanhas de vacinação anti-rábica bem como da fiscalização e não da prática do abate, pelo que este argumento é totalmente falacioso e tem sido utilizado irresponsavelmente de forma a provocar alarmismo e medo. Nos municípios onde não se pratica abate não são conhecidas quaisquer situações que representem risco acrescido para a saúde pública.

A POLÍTICA DE NÃO ABATE PODE LEVAR À FORMAÇÃO DE MATILHAS?

O que pode levar à formação de matilhas é a não recolha de animais em estado de errância. Se os animais não forem recolhidos e não forem esterilizados, competência dos municípios, é natural que possam formar-se matilhas, que podem, ou não, ser perigosas. 

Importa referir que nos distritos de Lisboa e de Setúbal, onde a grande maioria dos municípios não praticam abate e onde se verificam as maiores taxas de abandono do país, não existem problemas significativos relativamente à existência de matilhas.

Não menos importante, alertar que uma das causas que está na origem da formação de matilhas é o abandono de cães no final da época de caça por parte de caçadores ou de matilheiros menos responsáveis.

COM TANTAS RESISTÊNCIAS, A APLICAÇÃO DA LEI DEVE OU NÃO SER ADIADA?

Não. Os municípios tiveram dois anos para se adaptarem à lei e muitos só não o fizeram porque não quiseram, menorizando esta responsabilidade. 

São vários os municípios que se empenharam e que no decurso desta moratória desencadearam as diligências necessárias para o cumprimento da lei. Há outros municípios que há vários anos e muito antes da existência deste diploma não procedem ao abate de animais e têm sido eficientes no controlo da população, como são os casos de Póvoa de Varzim, Monchique, Coimbra, Seixal, Sesimbra, Sintra, Almada, Lourinhã, Tavira, Lisboa, Cartaxo, Bombarral, Castelo Branco, Leiria ou Oeiras (informação recolhida e partilhada à data de publicação desta nota, de acordo com as indicações enviadas pelos próprios municípios).

Nem todos estes municípios dispõe de centro de recolha ou de centro de recolha legal, no entanto, socorreram-se (e bem) das associações de protecção animal do município para celebrarem protocolos e, em conjunto, conseguiram suprir as falhas que existiam. Acresce que desde 1925 é obrigatória a existência de canis/gatis em todos os municípios. No entanto, só cerca de metade dos municípios portugueses cumpre esta obrigação. Será que um período de quase 100 anos não é considerado tempo suficiente para cumprirem a lei? Deve ainda relembrar-se que desde 2003 é obrigatório que municípios procedam à recolha dos animais em estado de errância.

Aqui fica uma lista de legislação que atribui competências e obriga os municípios a deterem CROA e a recolherem animais:

– Decreto n.º 11242, de 1925 – Artigo 3º

– Decreto Lei n.º 317/1985 – Artigo 20º

– Decreto Lei n.º 276/2001 – Artigo 19.º

– Decreto-Lei n.º 314/2003 – Artigo 8.º 

Cumpre ainda referir que o Governo não tem competências para adiar o cumprimento da lei por se tratar de um diploma da competência da Assembleia da República, aprovado por unanimidade. Para que tal acontecesse seria necessário que algum partido com representação parlamentar tivesse essa iniciativa, o que até ao momento não aconteceu.

ENCONTREI UM ANIMAL ABANDONADO: COMO DEVO PROCEDER?

Se assistir ao abandono de um animal deve contactar imediatamente as forças policiais e tentar anotar factos que considere relevantes (matrícula, descrição dos infractores, contactos de testemunhas, etc.). 

Se não assistir ao acto mas verificar que se encontra algum animal em estado de errância ou abandono, deve contactar os serviços municipais. 

Considera-se abandono de animais de companhia a não prestação de cuidados no alojamento, bem como a sua remoção efectuada pelos seus detentores para fora do domicílio ou dos locais onde costumam estar mantidos, com vista a pôr termo à sua detenção, sem que procedam à sua transmissão para a guarda e responsabilidade de outras pessoas, das autarquias locais ou das sociedades zoófilas.

LIGUEI PARA A MINHA CÂMARA MUNICIPAL, MAS OS SERVIÇOS E O VETERINÁRIO MUNICIPAL DIZEM NÃO TER CAPACIDADE PARA ACOLHER OS ANIMAIS ABANDONADOS E AMEAÇAM DEIXÁ-LOS NA RUA. ISTO É LEGAL?

A captura e a recolha de animais em estado de errância, bem como a de animais agressores, acidentados ou objecto de intervenção compulsiva, compete às Câmaras Municipais, de acordo com as normas de boas práticas de captura de cães e gatos divulgadas pela Direcção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), conforme o disposto na Portaria n.º 146/2017, de 26 de Abril, para além desta obrigatoriedade constar nos diplomas já mencionados. 

TENHO UM ANIMAL DE COMPANHIA E PRECISO DE O VACINAR, IDENTIFICAR ELECTRONICAMENTE E ESTERILIZAR. HÁ ALGUM PROGRAMA DE APOIO AO QUAL POSSA RECORRER?

Só a vacinação anti-rábica e a identificação electrónica são obrigatórias e apenas para os cães. Assim, a DGAV organiza, através dos veterinários municipais e municípios, a campanha anual da vacina da raiva onde as pessoas, a um baixo custo podem vacinar os seus animais e identificá-los electronicamente. 

No que diz respeito às esterilizações, os municípios estão obrigados a realizar acções de sensibilização para a necessidade de esterilizar bem como proceder à esterilização de todos os animais recolhidos. Portanto, aqueles animais que sejam detidos por famílias que não tenham sido adoptados nos CROA não se encontram abrangidos pela obrigatoriedade de esterilização. No entanto, o Governo, por iniciativa do PAN, introduziu no Orçamento do Estado uma verba para uma campanha nacional de esterilização através dos municípios. 

Infelizmente, segundo temos conhecimento, dos 500 000 euros disponibilizados para esterilizações ainda só foram atribuídos 40 365 euros, por falta de candidaturas dos municípios, o que revela que o obstáculo à aplicação da Lei não reside nas condições económicas, comprovando-se o desinteresse generalizado de muitas autarquias.

COMO É QUE EU POSSO SABER SE A MINHA AUTARQUIA ESTÁ A CUMPRIR A LEI? OS DADOS SÃO PÚBLICOS? POSSO VISITAR O CANIL PARA COMPROVAR?

Questionando directamente a autarquia por escrito ou nas sessões de Assembleia Municipal. 

Os CROA têm horário de abertura ao público que varia de município para município. Durante esse período pode visitar-se o centro de recolha. 

Os dados relativos a recolhas, abates, adopções, esterilizações são obrigatoriamente comunicados à DGAV que no final do ano elabora um relatório público com essa informação. 

A QUE ENTIDADES ME POSSO DIRIGIR CASO QUEIRA DENUNCIAR O INCUMPRIMENTO A LEI?

A entidade competente neste caso é a Direcção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV). Em caso de abate fora das circunstâncias identificadas na lei deve também ser feita denúncia junto dos órgãos de policia criminal (GNR e PSP). 

O QUE É QUE O PAN FEZ PARA GARANTIR QUE A LEI SERÁ APLICADA?

Ao longo destes dois anos, o PAN tem alertado os municípios para a necessidade de se adaptarem à nova legislação, tendo reunido com várias associações de municípios, presidentes de câmara e vereadores responsáveis por este pelouro. 

O PAN dirigiu um conjunto de questões a todos os municípios portugueses por forma a verificar se já se estavam a adaptar, nomeadamente se já implementaram o programa CED (Captura, Esterilização, Devolução), se já praticam esterilizações, se ainda abatem, se têm ou preveem vir a ter CROA, etc.

O PAN organizou uma conferência na Assembleia da República que contou com a presença do Director-Geral de Alimentação e Veterinária em representação do Secretário de Estado da Agricultura, com a Ordem dos Médicos Veterinários, com representantes de associações internacionais, entre outros, com vista à discussão das políticas públicas de controlo da população animal. Nesta conferência, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses recusou marcar presença.

O PAN conseguiu aprovar e introduzir no Orçamento do Estado de 2017 e de 2018 uma verba de dois milhões de euros para apoiar os municípios na construção e reconstrução de CROA.

O PAN conseguiu também que fosse destinada uma verba de 500.000 euros para uma campanha nacional de esterilização de animais. 

O PAN tem feito outras propostas que visam a redução das ninhadas através do controlo da criação e venda de animais em estabelecimentos e na internet, que neste caso deu origem à lei n.º 95/2017.

Outras propostas, no entanto, têm sido rejeitadas pela maioria dos partidos na Assembleia da República, nomeadamente: alterações ao código penal com vista à melhoria da lei que criminaliza o abandono de animais de companhia e os seus maus-tratos; redução do IVA aplicado à prestação de serviços médico-veterinários; redução do IVA da ração para animais; contratação de mais médicos-veterinários municipais, etc. 

O ABATE DE ANIMAIS É EFICIENTE COMO FORMA DE CONTROLO DA POPULAÇÃO?

Comprovadamente não é eficiente, se fosse não teríamos o problema que temos hoje. Mas para além de não ser eficiente não é ético. Os animais não podem continuar a pagar pela nossa irresponsabilidade e pela falta de coragem política para tomar certas decisões. 

Aos animais foi-lhes já reconhecido um novo estatuto, que não de meras coisas, e devemos agora honrá-lo. O abate indiscriminado de animais não tem lugar numa sociedade desenvolvida que se pauta por valores como a compaixão e a empatia. É essa a sociedade que pretendemos e que esta lei possibilita. 

EXISTEM OUTROS PAÍSES OU REGIÕES QUE ABANDONARAM DE FORMA BEM SUCEDIDA O ABATE COMO FORMA DE CONTROLO POPULACIONAL?

Sim. É o caso da Alemanha ou Holanda, nos quais se apostou em fortes políticas de esterilização de animais de companhia, chegando mesmo ao ponto de os CROA estarem praticamente vazios. 

Também em Portugal existem municípios, já referidos, onde há vários anos não se procede ao abate de animais e têm sido eficientes no controlo da população. No entanto, só uma acção concertada entre todos os municípios conseguirá reduzir drasticamente o número de animais em situação de errância ou de abandono. Recordamos que, segundo as estatísticas, em cada 10 cães que nascem apenas um terá uma família.

Na Região Autónoma da Madeira foi também proibido o abate de animais saudáveis em 2016 e os municípios tiveram 30 dias apenas para se adaptarem e não foi assinalado nenhum problema de maior.