Foram hoje divulgadas pela Comissão Europeia as estratégias “Farm to Fork” (“Do Prado ao Prato”) e de Biodiversidade, componentes do Pacto Ecológico Europeu, apresentando para cada uma, respetivamente, medidas concretas para tornar sustentável o sistema alimentar na União Europeia (UE) e proteger a biodiversidade, travando a sua degradação.
Francisco Guerreiro, eurodeputado do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) pertencente ao grupo parlamentar dos Verdes/Aliança Livre Europeia (Verdes/ALE) no Parlamento Europeu (PE), considera que as estratégias divulgadas, “apesar das várias medidas positivas, nomeadamente em termos de aumento da produção biológica, rotulagem de produtos e aumento das áreas protegidas, deveriam ser muito mais ambiciosas e independentes de interesses sectoriais”.
A estratégia “Farm to Fork” propõe que os agricultores, pescadores e aquicultores recebam fundos da Política Agrícola Comum (PAC) e da Política Comum das Pescas (PCP) para a adoção de práticas sustentáveis. São definidas metas como uma redução de 50 % da utilização dos pesticidas, uma redução de, pelo menos, 20% da utilização de fertilizantes, uma redução de 50% nas vendas de agentes antimicrobianos para animais de criação e de aquicultura, bem como atingir uma taxa de cobertura de 25% das terras agrícolas sob produção biológica na UE.
A Comissão sugere que sejam revistos, ainda para o ano de 2020, o programa de subsídios de promoção/marketing de alimentos da UE, tendo em vista incentivar um consumo sustentável. O documento reconhece que quase 70% dos gases com efeito de estufa (GHG) da UE provenientes da agricultura (responsável por cerca de 10.3% do total de GHG) tem origem no setor da pecuária, no entanto, não admite a necessidade de cortar os apoios à promoção para este setor.
“Uma versão inicial da estratégia do ‘Farm to Fork’ revelava que a Comissão iria propor terminar com os apoios à produção e consumo de carne, mas a versão divulgada hoje refere que ‘em relação à carne, a revisão [dos programas de subsídios promocionais] deveria focar-se em como a UE [os] pode usar (…) para apoiar os métodos de pecuária mais sustentáveis e eficientes em termos de emissões energéticas. Infelizmente, vê-se que houve um grande cuidado na linguagem utilizada e metas estabelecidas para evitar danificar, pelo menos diretamente, este setor altamente poluente – e não é disto que UE necessita”, comenta o eurodeputado.
Do ponto de vista do consumidor, são propostas algumas medidas bastante positivas. A Comissão prevê uma rotulagem dos produtos alimentares com uma certificação indicativa do seu valor nutricional e origem para 2022, e consoante a sua sustentabilidade ambiental para 2024 – medidas de grande relevância para motivar o consumidor a escolher acertadamente. É ainda proposto que sejam exploradas formas de melhorar a acessibilidade a informações alimentares como estas, particularmente aos indivíduos invisuais.
No entanto, relativamente a uma certificação consoante os padrões de bem-estar animal seguidos pelos produtores, a Comissão ficou-se por uma afirmação vaga e desprovida de metas ao indicar que a ‘vai considerar’. Uma falha grave quando se negoceia a próxima PAC e o pacote financeiro para o sector agroalimentar.
Em termos de bem-estar animal, a estratégia propõe uma avaliação e revisão da legislação existente, incluindo a que regula o transporte de animais e o seu abate. No entanto, tal só está previsto para 2023.
“É incompreensível que o bem-estar animal na UE tenha de esperar até 2023 para ser, eventualmente, melhorado. Desde 2015 que não temos na UE uma estratégia para a melhoria da legislação de bem-estar animal – e a divulgação da sua revisão, já atrasada, só sairá no fim deste ano. Ao todo, estaremos a contar com pelo menos oito anos sem melhorias sérias neste âmbito, o que é gravíssimo e contraria as expetativas dos cidadãos e o nosso dever para com os animais”, criticou Francisco Guerreiro.
Também datadas apenas para 2023 estão a revisão do regime de distribuição de fruta, produtos hortícolas e leite nas escolas (“EU School Scheme”) e a proposta para a definição de metas comunitárias para a redução do desperdício alimentar.
A Estratégia de Biodiversidade, entre outras medidas, propõe converter pelo menos 30% das terras e mares da Europa em zonas protegidas e geridas eficazmente e repor elementos paisagísticos de grande diversidade em, pelo menos, 10 % da superfície agrícola.
A estratégia propõe, entre outras coisas, estabelecer metas vinculativas para restaurar ecossistemas e rios danificados, melhorar a saúde dos habitats e espécies protegidas da UE, trazer de volta os polinizadores para as terras agrícolas, reduzir a poluição, tornar as cidades mais verdes, aprimorar a agricultura orgânica e práticas agrícolas e melhorar a saúde das florestas europeias. Para a Estratégia de Biodiversidade será desbloqueado um financiamento de 20 mil milhões de euros por ano, proveniente de várias fontes, incluindo fundos da UE e financiamento nacional e privado.
No entanto, relativamente à conservação marinha, a Estratégia peca por não contemplar propostas concretas para a contaminação por químicos, tais como aquelas focadas na diminuição da poluição generalizada por microplásticos.
Não contém também propostas na área de poluição sonora sub-aquática ou luminosa, nem de perda de contentores em comércio marítimo, nem contempla medidas para a exploração de hidrocarbonetos em Áreas de Marinha Protegida, esquecendo por completo a mineração em águas profundas.
O eurodeputado acrescenta ainda que “é muito positivo ver que esta estratégia reconhece a importante relação entre o surto de COVID-19, tal como outras doenças zoonóticas, e o impacto da exploração e comércio de animais selvagens no nosso ambiente”.
Divulgadas as Estratégias, inicia-se agora o período de escrutínio das mesmas por parte do PE e do Conselho da UE, tendo em vista a sua aprovação ou rejeição.