AçoresAmbienteOpinião

As águas da minha vizinha

Há algum tempo que trago para a cena pública a necessidade de se discutir a efetiva valorização dos nossos recursos hídricos.

Devido aos índices de pluviosidade na Região, às nascentes e, consequentemente, às diversas linhas de água existentes, há a errada ideia generalizada de que água nunca nos faltará, uma espécie de recurso permanente de livre acesso. O que gera descuidos e arbitrariedades na sua utilização, especialmente pela agropecuária.

As atividades agropecuárias estão identificadas nos principais instrumentos de planeamento dos recursos hídricos, nomeadamente o Plano Regional da Água e o Plano de Gestão da Região Hidrográfica dos Açores, como uma das principais fontes de poluição dos recursos hídricos.

Prova disso, são os sucessivos e recorrentes eventos de alegadas descargas de efluentes que têm vindo a acontecer na ribeira da Ribeira Grande, que atravessa o coração da cidade e desagua numa das praias cartão-postal – a praia do Monte Verde, conspurcando todo o espaço marinho contíguo, nomeadamente a praia de Santa Bárbara e as piscinas municipais.

Faça-se o exercício de reavivar a memória e recuar até Agosto de 2021, altura em que a praia do Monte Verde esteve interdita a banhos devido à falta de qualidade da água.

Em meados de Março deste ano, após ter constatado, in loco, pela enésima vez, o estado da qualidade do ar e da água da ribeira da Ribeira Grande, e ante a inoperância municipal em resolver o problema na sua fonte, questionei, por escrito, o Governo Regional sobre a existência de descargas ilegais de efluentes agropecuários na ribeira. Prontamente o Governo Regional respondeu que não era possível identificar a fonte das descargas devido à imprecisão da sua localização.

Impossível é ficar indiferente ao cheiro nauseabundo que enche a Matriz da Ribeira Grande e à coloração castanha da água da ribeira.

Os cidadãos estão mais sensibilizados para as problemáticas ambientais e tomam consciência do poder da participação ativa individual na defesa do ambiente e, por ingerência, da saúde pública. Pelo que, conseguem identificar e denunciar junto das entidades competentes, as suspeitas de ilícitos ambientais, designadamente do SEPNA. Que bem andou e, após inúmeras denúncias, identificou o suspeito das descargas de efluentes agropecuários que ocorreram no passado mês de Agosto.

Contudo, pasme-se, um par de dias depois da identificação do suspeito pelo SEPNA, o cheiro nauseabundo e a água castanha da ribeira invadem a cidade.

É incontornável que as ações de descarga são prejudiciais à flora e fauna, bem como às populações que habitam ao longo do curso de água.

A gestão dos efluentes pecuários e a sua utilização motiva o excesso de azoto e fósforo nos solos, com implicações na qualidade das massas de águas. Por isso, as descargas de efluentes são um risco para o ambiente e para a saúde pública. A par disso, a degradação da água impede o seu uso, ferindo o direito, constitucional, dos cidadãos ao ambiente sadio.

A gestão dos efluentes implica medidas de uso eficiente da água, com vista à sua preservação, sendo determinante a aposta na redução da produção de efluentes pecuários.

Por fim, proteger o Oceano começa em terra.

Ribeira da Ribeira Grande, Março de 2022
Ribeira da Ribeira Grande, Março de 2022
Açoriano Oriental, 03.09.2022