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Contra-informação? Sobre a peça da Visão

Na imagem está André Silva dentro da sede do PAN, em Lisboa

Desmontamos passo a passo o que diz a revista

No dia 17 de Setembro de 2019, a Visão publicou uma peça com o título “PAN propõe medidas ambientais que já estão em vigor”. Desmontamos passo a passo o que diz a revista online:

1. Sobre a proposta PAN: “Implementar sistemas de certificação do pescado, com a identificação do método de pesca na rotulagem, nomeadamente arrasto, cerco ou aquicultura”

A Visão diz: Já existe há cinco anos, desde que, a 1 de janeiro de 2014, entrou em vigor o Regulamento Europeu 1379/2013, relativo à rotulagem do pescado (as regras tornaram-se aplicáveis a partir de 13 de dezembro de 2014). Os rótulos incluem as artes de pesca utilizadas.

O PAN refuta e explica: Na peça a questão é resumida à rotulagem, omitindo que a certificação do pescado é facultativa. A medida do PAN vai no sentido de garantir que a certificação do pescado acontece sempre.


2. Sobre a proposta PAN: “Restringir o tráfego aéreo no período nocturno, excepto em situações de emergência”

A Visão diz: Já é restrito por lei há 15 anos em Lisboa, há 12 anos no Porto, Funchal e Porto Santo, e há nove anos em Ponta Delgada: nestes aeroportos, “o tráfego noturno é restringido entre as 0 e as 6 horas”, lê-se no site da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC). “O Regulamento Geral do Ruído proíbe a aterragem e a descolagem de aeronaves civis entre as 0 e as 6 horas, salvo por motivo de força maior.”

O PAN refuta e explica: O Regulamento Geral do Ruído proíbe, nos aeroportos e aeródromos não abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 293/2003, de 19 de novembro, a aterragem e a descolagem de aeronaves civis entre as 0 e as 6 horas (LT), salvo por motivo de força maior. No entanto, por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas dos transportes e do ambiente, pode ser permitida a aterragem e a descolagem de aeronaves civis entre as 0 e as 6 horas (LT) nos aeroportos e aeródromos, em determinadas condições específicas. O que é que acontece? Estão previstas excepções em Portaria para todos os aeroportos nacionais. Em Lisboa, por exemplo, pode haver 26 movimentos por noite (leia-se entre as 0h e 6h). Isto significa que pode haver 4 voos por hora ou seja 1 voo de 15 em 15 minutos, entre as 0 e as 6h. No aeroporto da Madeira, por exemplo, pode haver até 31 voos naquele horário.


3. Sobre a proposta PAN: “Actualizar o Regulamento do Seguro Escolar, garantindo a inclusão das bicicletas como meio de transporte na deslocação casa-escola”

A Visão diz: O governo antecipou-se ao PAN: este ano letivo, as deslocações em bicicleta já estão abrangidas pelo seguro escolar.

O PAN refuta e explica: O que a peça não diz é que a medida do Governo saiu já depois do PAN ter apresentado o seu programa eleitoral. A notícia / medida do Governo é de 13 de Setembro. O PAN apresentou o seu programa eleitoral a 30 de Agosto.


4. Sobre a proposta PAN: “Limitar a disponibilização de louça descartável, de qualquer tipo de material, nos estabelecimentos de restauração e bebidas”

A Visão diz: A lei que “determina a não utilização e não disponibilização de louça de plástico de utilização única nas atividades do setor de restauração e/ou bebidas e no comércio a retalho” foi publicada em Diário da República a 2 de setembro deste ano. O projeto-lei, aliás, foi originalmente apresentado pelo próprio líder do PAN, André Silva, em janeiro de 2018, e aprovado em julho deste ano em reunião de Comissão.

O PAN refuta e explica: O próprio nome da lei esclarece (Lei 76/2019) que somente é abrangida a louça de plástico de utilização única, não havendo qualquer limitação para outros materiais. O PAN quer alargar a todos os tipos de materiais descartáveis.


5. Sobre a proposta PAN: “Determinar quotas para navios de turismo nos portos portugueses, assegurando meios de controlo de poluição. (…) As emissões [poluentes] dos navios de cruzeiro na costa portuguesa foram 86 vezes superiores às emissões da frota automóvel que circula em Portugal”

A Visão diz: A justificação da proposta dá a entender que se trata de gases com efeito de estufa, ou quando muito de emissões poluentes em geral. Mas não: estes números (emissões 86 vezes superiores às emissões de todos os automóveis em Portugal) dizem respeito a emissões de uma só substância em particular, o óxido de enxofre, que não é sequer um gás com efeito de estufa direto. Esse facto não é mencionado em qualquer lado. Os dados originais são de um comunicado da associação ambientalista Zero, divulgado em junho.

O PAN refuta e explica: Como poderão constatar, esta questão não tem sequer âmbito de acordo com o título desta peça da Visão. Não se vislumbra qualquer referência à medida em termos que possam significar que há já uma medida semelhante implementada. Ao invés o jornalista opta por se centrar no tipo de emissões.


6. Sobre a proposta PAN: “Criar túneis ou passagens aéreas na rede rodoviária, que permitam a passagem em segurança de espécies silvestres”

A Visão diz: Construir passagens subterrâneas para diminuir o atropelamento de animais em zonas consideradas sensíveis são, há muitos anos, medidas de minimização correntes na construção de estradas e autoestradas.

O PAN refuta e explica: O PAN propõe “Criar túneis ou passagens aéreas na rede rodoviária, que permitam a passagem em segurança de espécies silvestres”. Fá-lo não porque não existam soluções, mas porque as que existem são em número insuficiente, o que se extrai dos números com que nos deparamos anualmente. A Universidade de Évora apresentou um estudo onde registou, em média, a morte de 120 animais por Km/ano. Em 2016 a GNR contabilizou para cima de 1000 acidentes rodoviários, derivados de embate em animais, como aves, javalis, raposas, veados. No nosso país, os distritos mais mortíferos são Santarém, Viseu, Lisboa, Porto, Leiria e Beja.


7. Sobre a proposta PAN: “Aumentar o período de garantia dos equipamentos eléctricos e electrónico”

A Visão diz: A legislação relativa às garantias de produtos é da responsabilidade da União Europeia, não dos Parlamentos (que se limitam a transpor as diretivas para a ordem jurídica nacional).

O PAN refuta e explica: A directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Maio de 1999, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, diz no seu art. 8.º n.º 2. que “os Estados-Membros podem adoptar ou manter, no domínio regido pela presente directiva, disposições mais estritas, compatíveis com o Tratado, com o objectivo de garantir um nível mais elevado de protecção do consumidor”. Parece-nos suficientemente claro: os Estados têm competência para legislar e podem ir mais longe que o disposto na Directiva, como pretendemos, não devem é ficar aquém do que lá está disposto.


8. Sobre a proposta PAN: “Desenvolver acções de sensibilização para a entrega nas farmácias dos resíduos das embalagens e restos de medicamentos”

A Visão diz: Têm sido feitas repetidas campanhas de sensibilização, nos últimos anos. A principal responsável pelas ações é a Valormed, criada em 1999 para gerir os medicamentos fora de uso, constituída pela Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), Associação Nacional de Farmácias (ANF) e a Associação de Grossistas de Produtos Químicos e Farmacêuticos (GROQUIFAR), e tutelada pela Agência Portuguesa do Ambiente. No primeiro semestre de 2018, a Valormed recolheu 560 toneladas de medicamentos, e o diretor-geral da entidade dizia em agosto do ano passado que estava perto de atingir os objetivos de recolha definidos para 2020.

O PAN refuta e explica: As campanhas e ações que existem não são suficientes, como o próprio director geral da VALORMED admite. De acordo com a informação disponível, os cidadãos portugueses entregaram a diminuta parcela de 12% dos resíduos de embalagens e restos de medicamentos adquiridos. Atendendo ao escrutínio dos números difundidos, infere-se que foram declarados à VALORMED (sociedade sem fins lucrativos com a incumbência da gestão dos resíduos de embalagens vazias e medicamentos fora de uso) 315 milhões de embalagens colocadas no mercado, correspondentes a 7.462 toneladas de resíduos gerados. Ora, os cidadãos portugueses procederam à entrega de apenas 902 toneladas de resíduos deste cariz (embalagens e restos de medicamentos) – os acima identificados 12% da totalidade dos resíduos comercializados. Se atendermos singelamente à taxa de recolha de embalagens, depreendemos que a mesma cifrou-se em 8%, abaixo do valor de 10% definido para 2016, patente na licença atribuída pela Agência Portuguesa do Ambiente ao VALORMED.

9. Sobre a proposta PAN: “Apoiar através de incentivos financeiros, fiscais e sociais quem pretenda instalar-se como agricultor biológico”

A Visão diz: No programa do PAN, tenta penalizar-se a agricultura convencional e incentivar a biológica, em prol do ambiente. Mas os estudos científicos não demonstram que a agricultura biológica seja melhor para o planeta. Pelo contrário. Uma meta-análise publicada no Journal of Environmental Management conclui, por exemplo, que as emissões de amoníaco, contaminação dos solos e das águas com azoto e as emissões de óxido nitroso são maiores, por quantidade de produção, na agricultura biológica. Esta forma alternativa de agricultura também é menos produtiva, exigindo maior área de cultivo para produzir a mesma quantidade de produto, o que pode fazer aumentar a desflorestação. Segundo um estudo sueco publicado na Nature, a pegada de carbono (emissões de gases com efeito de estufa) chega a ser 70% superior no trigo biológico do que no convencional.

O PAN refuta e explica: Na peça, o que se questiona é se a agricultura biológica é melhor para o planeta do que a agricultura convencional. Novamente, não é indicada qualquer medida já em vigor que esvazie a proposta do PAN, apenas são apresentadas posições diferentes. Recomendamos quem esteja a ler que consulte outros artigos do mesmo autor contra a agricultura biológica. Já o PAN mantém a mesma posição.Artigos deste autor contra a agricultura biológica:

10. Sobre a proposta PAN: “Garantir que, antes da implementação da rede 5G em Portugal, sejam elaborados estudos sobre a segurança da sua utilização na saúde humana. Segundo a Agência Internacional de Investigação sobre o Cancro (IARC) da Organização Mundial de Saúde, a radiação de radiofrequência utilizada pela rede 5G é considerada potencialmente cancerígena”

A Visão diz: Segundo a IARC, a radiação de radiofrequência (qualquer uma, incluindo a emitida hoje pelas antenas de telecomunicações, e não especificamente a de 5G) entra na categoria 2B, de “possivelmente cancerígena”, juntamente com o café, os pickles e o pó de talco. O fumo de lareiras e a carne vermelha encotram-se numa classe acima (provavelmente cancerígenos), enquanto álcool e salsichas estão na categoria mais alta (cancerígenos para humanos). Mas a posição oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS) não é a que o PAN indica: “Considerando os níveis de exposição muito baixos e os resultados das investigações feitas até ao momento, não há evidências científicas convincentes de que os fracos sinais de radiofrequência das estações base e redes sem fios causem efeitos adversos à saúde.” Seja como for, nem a IARC nem a OMS alguma vez referiram em concreto a rede 5G como potencialmente cancerígena.

O PAN refuta e explica: Como poderão constatar, esta questão não tem sequer âmbito de acordo com o título desta peça da Visão. Não se vislumbra qualquer referência à medida em termos que possam significar que há já uma medida semelhante implementada. À parte da IARC, que é uma agência da Organização Mundial da Saúde, ter constatado em 2011 que frequências entre 30 kHz to 300 GHz podem ser cancerígenas a humanos em caso de alta exposição. Não é por acaso que a Bélgica suspendeu a adopção da rede 5G devido à falta de estudos relativamente aos impactos da radiação electromagnetica emitida na saúde da população. Mais, a própria Visão já escreveu sobre o assunto, numa peça intitulada “Cientistas e médicos preocupados com efeitos do 5G na saúde”.

11. Sobre a proposta PAN: “Avaliar o custo/benefício do recurso à dessalinização da água do mar para utilização na agricultura, indústrias ou limpeza urbana, como alternativa à construção de barragens”

A Visão diz: Dessalinizar a água do mar é um processo dispendioso (várias dezenas a algumas centenas de vezes mais caro do que captar água de rios ou aquíferos), ineficiente e que implica enormes gastos energéticos, como explica na Forbes o professor de Física Richard Muller. Devido aos custos, é particularmente inaplicável na agricultura, setor responsável por três quartos da água total consumida em Portugal.

O PAN refuta e explica: Novamente, não é indicada qualquer medida já em vigor que conflitue com a proposta do PAN, antes é questionada a viabilidade económica do recurso à dessalinização da água, como se o processo de retenção de água através de barragens fosse, por si só, barato…

Copyright fotografia: Luis Barra, Visão