O PAN avança esta semana com uma iniciativa legislativa que pretende assegurar o direito à Autodeterminação de Género. Um gesto tão banal para muitas/os cidadãs/ãos como é a apresentação do documento de identificação continua a ter, em Portugal, uma forte implicação negativa na vida de inúmeras pessoas cuja identidade de género difere do sexo atribuído à nascença, pessoas que continuam a ser estigmatizadas e discriminadas nas mais diversas áreas, nomeadamente no que toca ao acesso a cuidados de saúde competentes, assim como a bens e serviços, educação e habitação.
Após cinco anos de entrada em vigor da lei nº7/2011 – Lei da Identidade de Género –, que surgiu com o objetivo de alterar esta realidade, possibilitando em Portugal o procedimento de alteração de sexo e de nome próprio no registo civil, são cada vez mais as associações, ativistas e cidadãs/ãos que passaram ou estão a passar por este procedimento a alertar para as fragilidades e incongruências do diploma.
Na altura da sua aprovação, esta lei foi considerada uma das mais avançadas a nível mundial. No entanto, as evidentes situações de estigmatização e discriminação das pessoas transgénero devido à excessiva burocratização do processo têm vindo a dificultar e até mesmo impossibilitar esta transição, colocando em causa a finalidade do próprio diploma.
Atualmente para se proceder à alteração da identidade de género no documento de identificação é necessário, para além da apresentação de outros documentos, um relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género, também designada como transexualidade, elaborado por equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica em estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro e o relatório deve ser subscrito pelo menos por um/a médico/a e um/a psicólogo/a.
Acontece que a restrição da maioridade e o requisito do diagnóstico de “perturbação de identidade de género” têm criado as principais dificuldades no acesso e na concretização deste procedimento: por um lado, tendem a atrasar processos de transição social já em curso em crianças, adolescentes e/ou adultas/os, com todos os desafios pessoais e sociais que isso implica. Por outro, fazem com que o processo fique dependente da avaliação de terceiros, o que tem vindo a criar barreiras desnecessárias a uma decisão individual e consciente de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil, colocando em causa a finalidade do próprio diploma e continuando a contribuir para a estigmatização e discriminação das pessoas transgénero, já que não garantem a sua autodeterminação, retirando-lhes a capacidade e o direito de decisão.
Várias entidades por todo o país têm vindo a reivindicar a criação de nova legislação que retire a obrigatoriedade de apresentação destes diagnósticos e que afaste a esfera clínica da legal, dando prioridade à autodeterminação de género no procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil, tornando-a assim individual e independente de relatórios médicos e/ou de eventuais processos clínicos que venham ou não a surgir na vida destas pessoas, dando ainda ênfase à necessidade de alargar a possibilidade de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil a menores.
Também na Europa se têm verificado estas conclusões e reivindicações em relação ao aperfeiçoamento da legislação neste âmbito. Em 2015, através da Resolution 2048 “Discrimination against transgender people in Europe”, o Conselho da Europa apelou ao fim da exigência de um diagnóstico de saúde mental enquanto procedimento legal necessário para o reconhecimento jurídico da identidade de género. Por todo o mundo, as legislações mais recentes referentes a esta matéria excluem a necessidade deste diagnóstico, nomeadamente as da Argentina (2011), Malta (2015), Noruega (2016).
Por vezes é na aplicação das leis que se encontram as suas fragilidades. Ao conceder o direito à autodeterminação de género, o Estado estará a quebrar impedimentos e oposições criadas após a implementação da lei nº7/2011, contribuindo também aqui para eliminar discriminações e para assegurar o pleno usufruto da cidadania a todas/os as/os cidadãs/ãos, independentemente da sua identidade de género.
O PAN considera então urgente respeitar a autodeterminação e a autonomia das pessoas transgénero, eliminando a obrigatoriedade da entrega do relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género nas conservatórias do registo civil e atribuindo a legitimidade a menores, acompanhados pelos seus representantes legais ou pelo Ministério Público, para requerer judicialmente a alteração do registo civil, que será decidida caso a caso. O partido avança ainda com a proposta de que, caso a pessoa requerente tenha filhas/os, os seus documentos pessoais devem ser atualizados de acordo com as alterações efectuadas pelo/a progenitor/a, sejam maiores ou menores de idade.
Enquanto partido de causas assente na não-violência e na não-discriminação, o PAN entende que esta é mais uma alteração necessária e prioritária para combater e eliminar todas as formas discriminação.