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Enganem-nos que nós gostamos!

A inflação define a subida dos preços dos bens e serviços produzidos e tem múltiplas causas. Uma delas é o aumento do gasto público, onde o Estado, que actualmente não pode imprimir moeda, aumenta a receita por via da tributação fiscal para fazer face à despesa, tributação que se reflecte nos custos da produção e consumo dos privados. Uma outra é o aumento real dos custos de produção das empresas, como sejam os salários, a matéria-prima ou a energia, bem como a subida de juros por empréstimos contraídos. Outra ainda é a redução na produção, seja por escassez de matéria-prima ou da força do trabalho, seja pela incerteza no mercado que leva a supor uma redução nos consumos, funcionando aqui depois a lei da oferta e da procura. Mais outra ainda é o hábito pelo qual periodicamente os preços sobem mais ou menos porque sempre ocorre assim. E, obviamente, podendo haver outras causas, como não podia deixar de ser, é de realçar a cartelização dos preços que é sempre uma tentação em determinadas circunstâncias, designadamente quando o poder de compra não cai drasticamente. Nenhuma destas é estanque ou ocorre isoladamente.

Neste último caso, os mercados são assim mesmo: oportunistas e pouco éticos. Atente-se que, se é certo que a redução na produção ou venda mundial de gás ou petróleo tem um impacto no preço desta matéria-prima, já não se percebe como e por que motivo o preço da electricidade, produzida eolicamente ou por barragens, com uma estrutura produtiva e uma rede de distribuição já instaladas, tem que ter um indexante às restantes fontes de energia e consequentemente agravar o seu preço. Puro oportunismo.

A verdade é que a inflação torna todos os produtos por arrasto mais caros e, por isso, menos acessíveis, o que tem um impacto significativo desde logo no cabaz essencial e principalmente nas famílias com menor rendimento. Como as taxas de juro bancárias dos depósitos são baixas, o dinheiro acumulado desvaloriza e, a não subida equivalente dos salários ou desagravamento do IRS, retira poder de compra ao cidadão comum.

Para um determinado salário, uma inflação constante de 4%, por exemplo, traduz-se, para efeitos práticos, num consumo mensal de produtos mais caros por aquele valor, o que equivale ao fim de 12 meses no pagamento de quase 50% mais do que o custo do consumo habitual. Como também ficou claro, se houvesse poupança, ao fim desse mesmo ano, o dinheiro guardado no banco teria uma desvalorização sobre o poder aquisitivo da mesma magnitude.

Ora como o IVA é pago sobre o preço de venda do bem e serviço junto ao consumidor e tornou-se mais caro, o imposto cobrado pelo Estado também é maior, pois é uma percentagem desse valor de venda. Ou seja, no meio da desgraça, o Estado ainda aumenta a sua receita fiscal. E já veremos se nos ficamos pelos 4%.

O problema é que subir os custos do consumo ou agravar desvalorização do poder de compra em 4% terá o mesmo efeito que aumentar os impostos nos mesmos 4% ou cortar este valor nos salários. Avivámos a todos a memória de um passado recente?

Pois reza a história que o partido socialista lá para os lados de São Bento tem um prurido visceral a determinados termos semânticos. É avesso, por exemplo, à palavra austeridade, palavra que significa, rigor, contenção ou, em economia política, redução da despesa pública e contenção do deficit. Teria sido mais sério assumi-lo que negá-lo, mas o riso sardónico exibido pelo ministro da economia, confrontado pela oposição sobre este facto, só pode ser um reflexo de um estado de alma: mas que diabo; ó António desenrasca lá isto, cala estes chatos e engana os inocentes que nos deram a maioria absoluta porque nesta altura e com a guerra à porta engolem qualquer morteiro. Notável.