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HPV e os desafios da vacinação

Há tabus que contribuem para o atraso no diagnóstico e consequente propagação de certas doenças infecciosas. É o caso das doenças sexualmente transmissíveis (DST) que geram estigmas sociais, pois agregam uma abordagem complexa da amplitude da sexualidade humana e cuja expressão resulta de múltiplos factores que diferem em cada sociedade. 

Apesar da sexualidade ter vindo a assumir diversas manifestações ao longo da história e os seus valores se modificarem de forma diferente em cada cultura, devemos encará-la como uma construção social e não apenas uma simbiose de determinantes biológicos. Os padrões sociais influenciam a sexualidade de cada pessoa. A sexualidade não define apenas a identidade individual, no domínio do auto-conhecimento, satisfação, auto-estima ou desenvolvimento de competências sociais, mas define a forma mais global que cada cultura assume para interagir. No entanto, é impossível construir o código genético universal para a sexualidade humana visto ser desenhada pela educação, relações entre parceiros sexuais, religião, moral, lei, entre outros. Assim, a socialização da sexualidade é um processo único e individual. 

As DST acompanharam o desenvolvimento histórico da sexualidade e, como tal, a sua interpretação e abordagem mudou ao longo do tempo. Tristemente, algumas ainda são muito estigmatizadas, pois são ligadas aos comportamentos humanos e muitas vezes erroneamente associadas à promiscuidade. É comum ainda ouvir uma mulher sussurrar “tenho HPV” como se fosse um pecado ou castigo. Não, o Vírus do Papiloma Humano (HPV) é uma doença comum e que pode ter consequências negativas na saúde sexual, reprodutiva e até mental dos indivíduos.

É geralmente silenciosa até que, ao fim de alguns anos, resulte no aparecimento de uma doença oncológica, nomeadamente o cancro do colo do útero. 

Estima-se que o risco de uma pessoa ter contacto com o HPV durante a vida chegue a 80%. De acordo com a OMS, o cancro do colo do útero é o quarto tumor maligno mais frequente no Mundo. Este tipo de tumor está intimamente relacionado com a infecção crónica pelo HPV em praticamente 100% dos casos. Por cada 100 óbitos devidos a tumores malignos registados em 2014 na população feminina portuguesa 2 foram por cancro do colo uterino. A prevalência do HPV e a mortalidade por esta neoplasia nos Açores não são conhecidas, mas são registados cerca de 20 novos casos anuais, revelador de uma falha na prevenção secundária que urge rapidamente colmatar.

A educação para a saúde e a vacinação são os pilares da sua prevenção primária, sendo de esperar uma melhoria futura consequente à inclusão da vacina no plano nacional e regional há mais de uma década.  

Porém, há uma parte da população que infelizmente não está totalmente vacinada, acima de determinada idade essa vacina não está comparticipada pelo serviço de saúde e nem todos têm capacidade monetária para a adquirir. É uma obrigação do Estado promover a saúde da comunidade através de medidas exequíveis, comportáveis e com resultados demonstrados em ganhos de saúde. A irradicação do cancro do colo do útero associado ao HPV deve ser uma meta para a Região e todos os esforços devem ser feitos nesse sentido, sem contenções.

Uma vez que a vacinação mostrou ser capaz de reduzir a incidência do cancro do colo uterino em 90% e estando em causa a saúde das mulheres açorianas, o PAN/Açores apresentou uma proposta para promover a cedência gratuita de vacinas frente ao HPV para mulheres não vacinadas acima da idade limite referida no plano regional de vacinação durante a sua vida sexual activa e sobretudo nas portadoras de lesões pré-malignas de alto grau do colo uterino, assim como, reforçar a campanha de vacinação completa da actual população alvo da Região de modo a alcançar os 100% de cobertura.

Este é, pois, um tópico de elevada importância em termos de saúde pública e no que toca à saúde da mulher, visto serem estas as principais vítimas.