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Impede o pagamento de remunerações acionistas e de bónus por instituições de crédito, que tenham recebido apoios financeiros públicos entre 2008 e 2022

Exposição de motivos

O contexto de crise provocado pela guerra na Ucrânia e pelos últimos impactos da COVID-19, associado à postura dura adoptada pelo Banco Central Europeu nos últimos meses, tem gerado um aumento em flecha das taxas de juro – a taxa de referência do BCE aumentou em 0,5% em Julho e em 0,75% em início de Setembro e as taxas de Euribor a 6 meses (a mais usada nos créditos à habitação em Portugal) atingiram valores positivos e máximos históricos, havendo previsões que apontam para 2,5% em Maio 2023.

Este aumento em flecha tem gerado e vai continuar a gerar um forte impacto no rendimento das famílias em Portugal. De acordo com os dados apresentados no mês de Setembro pelo INE, comparativamente com o mês de Julho e com referência aos contratos de crédito à habitação celebrado nos últimos 3 meses, a taxa de juro subiu para 1,523%, a prestação média subiu 4 euros (para 268 euros) e o valor médio da prestação subiu 20 euros (para 445 euros). De acordo com estes dados do INE, entre Agosto de 2021 e Agosto de 2022, a prestação média nos créditos à habitação subiu 32 euros.

Por sua vez as simulações apresentadas pela Deco Proteste demonstram-nos que entre Janeiro de 2022 e Julho de 2023 nos contratos de crédito à habitação a 30 anos e com Euribor a 6 meses as prestações poderão ter uma subida de 59%. Isto significa que num crédito de 200 mil euros em que a prestação mensal, em Janeiro de 2022, era de 594 euros, se verificou uma subida da prestação para 658 de euros em Julho deste ano e que esse valor subirá para 896 de euros em Janeiro de 2023 e para 943 euros em Julho de 2023. Desta forma, uma família com um empréstimo deste tipo num ano terá um incremento de 51% (correspondente a mais 302 euros) e até Julho do próximo ano um aumento de 59% (correspondente a mais 349 euros).

Estes dados e o preocupante impacto que estes aumentos poderão ter nos rendimentos das famílias, demonstram-nos a necessidade de se adoptarem medidas fiscais de apoio às famílias com créditos à habitação, a cujas necessidades as medidas aprovadas pelo Governo acodem apenas parcialmente. Uma vez que este acréscimo de valor da prestação não servirá para pagar amortizar dívida, importará também tomar medidas para que este valor não seja canalizado para o pagamento de remunerações accionistas e de bónus por instituições de crédito.

No actual contexto, exigia-se que a banca assumisse um papel de responsabilidade social em termos que lhe permitam compensar os avultados apoios em dinheiros públicos que os contribuintes lhes proporcionaram no passado e que asseguraram a sua sobrevivência. Recorde-se que, por exemplo, entre 2008 e 2018, segundo o Tribunal de Contas[1], a banca recebeu, em apoios públicos, um total líquido de 18.292 milhões de euros que resultam de despesas públicas totais no montante de 25 485 milhões de euros.

Por isso mesmo e com o objectivo de assegurar que a banca assume o papel de responsabilidade social que o momento lhe exige, com o presente projecto de lei o PAN propõe que se impeça o pagamento de remunerações accionistas (como sejam, a distribuição de dividendos, o pagamento ou remuneração de suprimentos ou as operações de recompra de acções) e de bónus a gestores ou administradores por instituições de crédito que tenham recebido apoios financeiros públicos entre 2008 e 2022, durante os anos de 2022 e 2023. Pretende-se ainda que os respectivos lucros líquidos que se verifiquem sirvam para reforçar a base de fundos próprios, que é “almofada financeira” que assegura a sustentabilidade dos bancos e evita eventuais a necessidade de futuras novas ajudas públicas à banca, bem como para financiar medidas tendentes a mitigar os efeitos do incremento dos indexantes de referência de contratos de crédito para aquisição ou construção de habitação própria permanente.  Sublinhe-se que tal limitação, para além de assegurar a referida sustentabilidade futura, é importante porque assegura um aumento da capacidade da banca de absorver perdas e apoiar os empréstimos a famílias e empresas.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objecto

A presente lei, atendendo aos efeitos do incremento dos indexantes de referência de contratos de crédito para aquisição ou construção de habitação própria permanente, impede o pagamento de remunerações accionistas e de bónus por instituições de crédito, que tenham recebido apoios financeiros públicos entre 2008 e 2022.

Artigo 2.º

Limitação do pagamento de remunerações accionistas e bónus por instituições de crédito

1 – Durante os anos de 2023 e 2024, as instituições de crédito a operar em Portugal, que tenham recebido apoios financeiros públicos entre 2008 e 2022, não podem, relativamente aos exercícios de 2022 e 2023, proceder a quaisquer formas de remuneração accionista, nomeadamente através da distribuição de dividendos, do pagamento ou remuneração de suprimentos ou de operações de recompra de acções, e proceder ao pagamento de  qualquer componente remuneratória variável ou de quaisquer bónus, comissões e gratificações, dependentes ou não do desempenho, a membros dos respectivos órgãos de administração.

2- Nos anos de 2020 e 2021 as instituições de crédito referidas no número anterior utilizarão os respectivos lucros líquidos para reforçar a base de fundos próprios e de liquidez, e para medidas tendentes a mitigar os efeitos do incremento dos indexantes de referência de contratos de crédito para aquisição ou construção de habitação própria permanente.

3- O Banco de Portugal é responsável pela supervisão e fiscalização do disposto nos números anteriores.

4 – O incumprimento, pelas instituições abrangidas pelas obrigações constantes do presente artigo, constitui contraordenação punível nos termos dos artigos 211.º a 212.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na sua redacção atual, sendo aplicável ao apuramento da respectiva responsabilidade contraordenacional o regime substantivo e processual previsto naquele Regime Geral.

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, Palácio de São Bento, 2 de Dezembro de 2022

A Deputada,

Inês de Sousa Real


[1] Tribunal de Contas (2019), «Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2018», página 236.