AmbienteCovid-19OdivelasOpinião

Opinião | Abrimos a Caixa de Pandora. E agora?

Nelson Silva, autarca do PAN em Odivelas

E se ao acordar alguém nos dissesse que um terço do planeta ia parar. Que aproximadamente 2.63 mil milhões de pessoas iam simultaneamente ficar em casa durante 2 meses. Acreditaria?
E se lhe dissessem que era a forma como escolhemos alimentar-nos que seria a causa de uma espécie de prisão domiciliária global. Acreditaria?
E se eu lhe dissesse que dentro desse contexto a forma como decidimos alimentar-nos deixaria de ser uma escolha individual. Concordaria?

Pois bem, o mundo em 2020 parou. A diferentes ritmos, diferentes estratégias mas de facto parou. As razões, ainda por sabermos as conclusões finais da equipa de investigação da Organização Mundial de Saúde, apontam para a transmissão de vírus de animais não humanos para animais humanos (sim porque caso ainda não tenha percebido o ser humano é parte integrante do reino animal.). Em 2020 tornou-se visível as consequências do que em Portugal teimosamente se tem apelidado de “escolha individual”. A nossa alimentação de repente tornou-se uma bomba relógio. As consciências mais negacionistas sucumbem à tentação de afirmar que se as outras sociedades não comessem animais exóticos nada disto aconteceria. Mas será mesmo assim? Com a chamada doença das vacas loucas (BSE), ou a gripe das aves (H5N1), ou a gripe suína (H1N1), já tivemos um pequeno trago do que poderia ser uma pandemia originária na transmissão de doenças dos seres de pecuária para o ser humano. Ainda assim, fizemos o que fazemos melhor, fingimos que não se passou nada. Estes “avisos” de nada nos serviram porque continuámos a adotar exatamente os mesmos comportamentos. Uma das grandes diferenças apontadas por antropólogos para explicar o sucesso do ser humano face a outras espécies, é a nossa capacidade de aprendizagem com os erros, interpretando as causas e ajustando o nosso comportamento. Ou seja, a nossa capacidade de adaptação. A pergunta que lanço é simples. Será que realmente temos essa capacidade de adaptação para sobrevivermos, ou será que a nossa negação da realidade a impede?

Não há maneira de dar a volta e temos que coletivamente reconhecer o problema. O novo coronavírus (SARS-COV-2), é culpa nossa. Neste momento temos de nos olhar ao espelho e vermos refletido o nosso maior inimigo. A exploração pecuária é a principal responsável pelos números que vemos de mortes quer de COVID19, quer de doenças causadas pela fome e subnutrição nos países subdesenvolvidos. Não existe volta a dar. Se em vez de usarmos os cereais produzidos na terra para alimentar animais de pecuária, os utilizarmos para alimentar seres humanos nestes países, estaríamos efetivamente a contribuir para o seu desenvolvimento e bem estar. Mas essa realidade é algo que os grandes lóbis da indústria da carne, dos ovos e dos laticínios não querem que se veja. A persecução do lucro por esta via é apenas comparável à indústria dos diamantes de sangue. E agora pergunto novamente, o que comemos será mesmo uma escolha individual? Será mesmo?

Afinal a prisão domiciliária global não é tão injustificada quanto isso.

A caixa de Pandora foi aberta. Desafio a tentar fechá-la.