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Património arbóreo dos Açores – no fim da Alameda?

As árvores são organismos vivos com propriedades biológicas únicas. Nascem, alimentam-se, reproduzem-se num ciclo de vida que contempla a produção e fornecimento de nutrientes, a maior geração natural de oxigénio e sequestro de carbono.

Possuem um sistema vascular, vasos por onde circula a seiva. Quando se procede ao corte de um tronco pode saber-se a idade de uma árvore através da contagem de anéis de vasos.

Mas o valor das árvores não se esgota nas funcionalidades orgânicas, visíveis e palpáveis, elas agregam um valor intangível pela sua capacidade de congregar memória. Não apenas aquela que os seus anéis podem contar, mas a que é simbólica para as comunidades onde habitam. As árvores e conjuntos arbóreos são um memorando da passagem do tempo gravado no corpo dos troncos e se que consolida na profundidade das raízes. Esta memória confere uma identidade singular a cada exemplar ou conjunto. Mesmo as não classificadas são património reconhecido que deve ser defendido.

Os Açores têm assistido a acções de defesa por parte da sociedade motivadas por “insensibilidades” em várias intervenções no domínio do património natural. Seja o caso do corte grosseiro de árvores em contexto urbano; o desleixo com exemplares classificados; intervenções que “humanizam”, em excesso, cenários naturais ou o recente caso da Alameda dos Plátanos em São Miguel que está a sofrer uma intervenção discutível. A situação acendeu-se na semana em que foi publicado o Regime Jurídico de Classificação de Arvoredo Público que teve como origem um Projecto de Resolução do PAN/Açores.

Esta obra, que pode colocar em causa a integridade do percurso composto por 600 plátanos, avança com um governo que, enquanto oposição, acompanhou em 2012 uma petição que se sublevou contra um projecto socialista demasiado invasivo na mesma zona.

A Alameda é detentora das características que podemos reconhecer na Convenção para Protecção do Património Cultural e Natural, no domínio de “zonas naturais … que apresentem um valor especial do ponto de vista da ciência, da conservação ou da beleza natural, ou na sua relação com as obras conjugadas do Homem e da Natureza”.

Um caminho agrícola que, com o tempo, se transformou num percurso paisagístico de atracão turística.

É dever do Estado proceder às classificações e cadastro dos bens de valor patrimonial natural, assegurando a preservação e justo equilíbrio entre a conservação e o desenvolvimento social e económico das comunidades, cujo bem-estar não deve custear intervenções de carácter irreversível. E este princípio de boas práticas não deveria depender de uma classificação quando a comunidade já reconhece voluntariamente o seu valor.

Neste caso, a construção das bermas, o corte profundo dos troncos exige uma explicação relativamente às consequências para a permeabilidade dos solos e infiltração das águas e à integridade material do conjunto dos plátanos que compõem aquele caminho.

Poderá levantar-se a preocupante questão da “autenticidade” que tornava a Alameda única. Ou se as características singulares do conjunto paisagístico que fundamentariam a classificação ainda permanecem intactas. Será que a história que contam agora os plátanos corresponde à memória que tem a comunidade deles ou a intervenção quebrou a sua força expressiva e significativa, assim como, a capacidade educacional para as gerações vindouras?

Apesar destas questões, para as quais o PAN/Açores requereu resposta à tutela, a classificação deve ser encorajada, atendendo, igualmente, ao valor imaterial que vai além da pura paisagem que se consome na contemplação e fruição e para evitar futuras acções arbitrárias no conjunto.