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Responsabilidade afogada em descargas ilegais

A denúncia feita pelo PAN/Açores, em Agosto transato, que dava conta de descargas ilegais de efluentes agropecuários, na costa norte da ilha de São Miguel, nomeadamente no concelho da Ribeira Grande, expôs uma realidade preocupante — e, infelizmente, recorrente. O que começou por serem relatos de populares que descreviam um aumento inesperado do caudal da ribeira, com coloração castanho-escura, acompanhada por um odor nauseabundo, sem que houvessem condições meteorológicas para tal, acabou por revelar a suspeita de que uma das vacarias responsáveis por estas descargas pode pertencer a uma figura que ocupa um cargo de representação pública, com responsabilidades acrescidas na defesa das boas prácticas agrícolas e não só, deixando a confiança nas entidades que representam o sector altamente comprometida.  

Quando a capacidade dos sistemas para tratamento de efluentes agropecuários se esgota, opta-se por uma solução práctica: despejar nas ribeiras. O problema deixa de ser apenas ambiental, é também institucional e, quem sabe, até publicitário. 

Não é exactamente o oásis de boa governança que se espera: alguém cuja função é representar e defender o sector agrícola também poder estar, ao que tudo indica, a contribuir para a degradação dos cursos de água que a própria agricultura deveria preservar. Os exemplos devem vir de “cima”. 

Falamos de nitratos e de matéria orgânica que afectam a qualidade da água, promovem a eutrofização, privam de oxigénio a vida aquática e introduzem bactérias que põem em risco a saúde pública. Há contaminação dos solos e das águas, impacto na fauna e flora locais e risco para a saúde pública, sem esquecer a reputação dos Açores enquanto região que se orgulha e ostenta a sua natureza enquanto selo turístico e de sustentabilidade. 

A agricultura sustentável deveria ser um pilar fundamental da economia açoriana, que não pode crescer à custa da degradação ambiental, e muito menos ser liderada por quem não cumpre os princípios básicos da sustentabilidade. O que está em causa não é apenas uma vacaria — é o exemplo que se dá, o impacto que se deixa e o futuro que se compromete. 

Estaremos perante um caso isolado ou apenas a ponta de um iceberg de permissividade e falta de escrutínio? Fica no ar — e infelizmente também no mar — a dúvida sobre quantas outras situações semelhantes estarão por revelar. E se, no fim, não estaremos todos a pagar o preço de uma liderança que falhou onde mais devia ter cuidado.