Direitos Sociais e HumanosParlamentoPessoas

Aprova medidas de combate à discriminação de cidadãos estrangeiros, alterando diversos diplomas

Exposição de Motivos

Os cidadãos estrangeiros em Portugal que não têm a sua situação regularizada encontram-se numa situação de grande vulnerabilidade em todos os aspetos da sua vida.

O atraso crónico e toda a burocratização do processo de regularização colocam estes cidadãos numa situação em que, por não possuírem documentos, veem o acesso ao trabalho, à saúde, educação e habitação muito dificultados.

A esta vulnerabilidade, junta-se o receio de que a sua situação irregular possa culminar em detenção em centros de instalação temporária. Espaços que não só têm sido criticados pelo Mecanismo de Prevenção Contra a Tortura, como, tal como nos mostram outros países, não se apresentam como a melhor solução. Existem medidas alternativas à detenção administrativa, como é exemplo o registo temporário nas autoridades, apresentações periódicas, famílias de acolhimento ou outras, que demonstram que existem alternativas à detenção e que esta deve ser unicamente utilizada em ultima ratio.

Veja-se aliás, que foi num centro de detenção temporária que ocorreu o brutal assassinato de Ihor Homeniuk, que espoletou o processo de reestruturação do SEF. Processo esse que tem sido sucessivamente adiado, sem que, até à data, se saiba ao certo as competências transferidas, quais e quantos trabalhadores a transferir e até mesmo para quando a criação da Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA).

Na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, Portugal, em resposta à crise de refugiados ucranianos, promoveu um sistema próprio, simplificado, que pretendia garantir a tramitação do processo de regularização em 48h. Algo muito positivo e que deveria ser replicado a qualquer cidadão, independentemente da sua origem. Pois, para esses cidadãos, o tempo médio de espera é de cerca 3 anos até ao seu processo de regularização se encontrar findo.

Por isso, com a presente iniciativa, o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) propõe que seja criado um projeto-piloto para que sejam estudadas, com vista a serem implementadas, medidas alternativas à detenção e que os processos administrativos sejam desburocratizados e simplificados.

E neste sentido, e tentando fazer face à situação insustentável que se verifica com os agendamentos no SEF, nomeadamente quanto à renovação da autorização de residência, propomos que, tal como aconteceu durante a pandemia, os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, prorroguem a sua validade até, pelo menos, a reestruturação efetiva do SEF. Não poderão ser os cidadãos a ser prejudicados por um processo de reestruturação a que são alheios.

Para além do supra exposto, persistem outras injustiças vertidas na nossa política de imigração em Portugal, cuja presente iniciativa visa colmatar.

No que diz respeito ao acesso ao trabalho, existe uma situação que não só não faz sentido, como deixa cidadãos vulneráveis e expostos a situações de exploração. Por um lado, a nossa lei não permite que seja celebrado contrato de trabalho com um cidadão em situação irregular, na medida em que tem de ser referido o visto ou autorização de residência, implicando a sua ausência uma contraordenação para a entidade empregadora.

Contudo, a atribuição de número de identificação da segurança social depende, muitas vezes, da própria celebração de um contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho. Face a esta burocracia e manifesta injustiça, o PAN propõe que seja alterado o Código do Trabalho, de forma a que não seja a entidade empregadora de cidadão estrangeiro que tenha processo de regularização pendente no SEF ou na futura entidade competente sujeita a contraordenação.

A presente iniciativa o PAN promove ainda o princípio da igualdade de tratamento perante o regime contributivo, mais concretamente um princípio de contribuições iguais, prestações iguais. Isto porque, no atual regime, trabalhadores imigrantes que paguem as suas contribuições, mas que tenham o processo de regularização pendente no SEF, que pode demorar até 3 anos, em caso de desemprego involuntário, não têm acesso ao subsídio de desemprego em condições similares aos demais cidadãos que pagam as suas contribuições. É necessário colmatar esta injustiça, recordando que, em 2020, os imigrantes em Portugal contribuíram com mais de mil milhões de euros em contribuições para a segurança social, mas só beneficiaram de 273 milhões de euros em prestações sociais, segundo o relatório estatístico do Observatório das Migrações.

Relativamente às situações de deportação em caso de processo de regularização pendente no SEF ou na futura entidade competente, o PAN entende que é necessário clarificar a lei. Apesar de, na prática, por regra, tal já se verificar, não está previsto de forma inequívoca na lei, o que causa uma grande insegurança aos imigrantes. Por conseguinte, a presente proposta altera a Lei de Estrangeiros para que o processo de regularização pendente seja um limite à expulsão e que a existência de processo de regularização obste, igualmente, à detenção.

É também proposto na presente iniciativa que, devido ao contexto de vulnerabilidade social e psicológico da detenção de migrantes, e o facto de desconhecerem a língua, se exija que seja assegurada a presença de uma entidade externa que desempenhe o papel de monitorização do respeito pelos direitos humanos, apoio social e psicológico nos centros de detenção.

Ainda no que diz respeito às garantias processuais efetivas, o PAN propõe que o cidadão esteja sempre acompanhado por advogado na prestação de declarações em todos os postos de fronteira, o que implicará uma atribuição mais célere de advogados oficiosos.

Finalmente, pretende-se que para uma verdadeira integração é necessário facilitar o acesso à língua e ao trabalho e, por tal, propõe-se que sejam abertos cursos de língua portuguesa com vista a permitir a integração de imigrantes sem autorização de residência regularizada e a disponibilização do acesso à língua portuguesa como língua estrangeira nas escolas públicas para imigrantes e refugiados, bem como a garantia de uma bolsa de intérpretes, disponíveis para acompanhar os refugiados e imigrantes nas suas deslocações aos serviços essenciais do estado.

Ainda sobre o acesso ao trabalho, pretende-se que as pessoas imigrantes com processo de regulamentação pendente possam inscrever-se no IEFP, I.P. para acesso a formação profissional, cursos de Português Língua de Acolhimento e procura de oportunidades de emprego.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei aprova medidas de combate à discriminação de cidadãos estrangeiros, procedendo, para o efeito à alteração:

  1. a)     Ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro;
  2. Ao Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, que estabelece o regime jurídico de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem;
  3. À Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros em território nacional.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Trabalho

É alterado o artigo 5.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho, que passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 5.º

Forma e conteúdo de contrato com trabalhador estrangeiro ou apátrida

1 – (…):

a) (…);

b) Referência ao visto de trabalho, ao título de autorização de residência ou permanência do trabalhador em território português ou, caso o trabalhador ainda não se encontre em situação regular, a referência ao processo de regularização em curso na entidade ou autoridade competente;

c) (…);

d) (…);

e) (…);

f) (…);

g) (…);

2 – (…).

3 – (…).

4 – O exemplar do contrato que ficar com o empregador deve ter apensos documentos comprovativos do cumprimento das obrigações legais relativas à entrada e à permanência ou residência do cidadão estrangeiro ou apátrida em Portugal ou do processo de regularização em curso, sendo ainda anexadas cópias dos mesmos documentos aos restantes exemplares.

5 – (…):

a) (…);

b) (…).

6 – (…).

7 – (…).”

Artigo 3.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro

É alterado o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, que estabelece o regime jurídico de proteção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, que passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 8.º

Titulares do direito às prestações

1 – (…).

2 – Os cidadãos estrangeiros, abrangidos pelo disposto no número anterior, devem ser portadores de título válido de residência ou respetivo recibo de pedido de renovação, de outros que habilitem o exercício de actividade profissional subordinada e respetivas prorrogações, ou caso não possuam nenhum dos anteriores, sem prejuízo dos demais requisitos contributivos, tenham processos de regularização pendente, bem como os refugiados ou apátridas, que devem ser portadores de título válido de proteção temporária.

3 – (…).”

Artigo 4.º

Alteração à Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho

São alterados os artigos 135.º, 146.º, 146.º-A da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros em território nacional que passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 135.º

Limites à expulsão

1 – Não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:

a) (…);

b) (…);

c) (…);

d) (…);

e)  Sejam titulares de processo de regularização pendente, com excepção dos casos de cidadãos condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos, por crime punível segundo a lei portuguesa.

2 – (…).

Artigo 146.º

Trâmites da decisão de afastamento coercivo

1 – (…).

2 – (…).

3 – (…).

4 – (…).

5 – (…):

a) (…);

b) (…);

c) (…);

d) (…);

e) Sejam titulares de processo de regularização pendente, com excepção dos casos de cidadãos condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos, por crime punível segundo a lei portuguesa.

6 – (…).

7 – (…).

8 – É obrigatória a presença de advogado na prestação de declarações perante as autoridades ou entidades competentes.

Artigo 146.º-A

Condições de detenção

1 – (…).

2 – (…).

3 – (…).

4 – (…).

5 – (…).

6 – (…).

7 – (…).

8 – É assegurada a presença de uma entidade externa que desempenhe o papel de monitorização do respeito pelos direitos humanos, apoio social e psicológico nos centros de detenção.”

Artigo 5.º

Prorrogação da validade dos documentos e vistos para permanência em território nacional

Os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, cuja validade expire a partir da data de entrada em vigor da presente lei ou nos 12 meses imediatamente anteriores, são aceites, nos mesmos termos até à entrada em vigor da Lei n.º 73/2021, de 12 de novembro, que aprova a reestruturação do Sistema Português de Controlo de Fronteiras.

Artigo 6.º

Medidas alternativas à detenção

É criado um projeto-piloto para o estudo e implementação de medidas alternativas à detenção.

Artigo 7.º

Acesso ao emprego e à língua portuguesa

1 – São abertos cursos de língua portuguesa com vista a permitir a integração de imigrantes sem autorização de residência regularizada e é disponibilizado o acesso à língua portuguesa como língua estrangeira nas escolas públicas para imigrantes e refugiados.

2 – É garantida uma bolsa de intérpretes disponíveis para acompanhar os refugiados e imigrantes nas suas deslocações aos serviços essenciais do estado.

3 – As pessoas imigrantes com processo de regulamentação pendente podem inscrever-se no IEFP, I.P. para acesso a formação profissional, cursos de Português Língua de Acolhimento e procura de oportunidades de emprego.

Artigo 8.º

Desburocratização dos processos

1 – A partir da entrada em vigor da presente lei, todos os agendamentos para pedido de autorização de residência, bem como respetivas autorizações, passam a poder ser solicitados online e o respetivo acompanhamento online do processo.

2- O previsto no número anterior é regulamentado pelo Governo no prazo de 60 dias.

Artigo 9.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, com exceção do previsto no artigo 7.º que entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.

Assembleia da República, Palácio de São Bento, 16 de dezembro de 2022

A Deputada,

Inês de Sousa Real