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Dar luz à IVG 

Porque incomoda tanto a liberdade das mulheres na tomada de decisões sobre a sua saúde sexual e reprodutiva ao ponto de se adotarem subterfúgios para levantar muros a essa mesma liberdade? Sobretudo por parte de quem tem o dever de assegurar liberdades e direitos sociais, isto é, do Estado? Bem…. Poderia adiantar, no mínimo, um par de respostas rápidas, mas opto por aguardar pelas explicações do Governo Regional ao requerimento que o PAN/Açores lhe dirigiu no início desta semana sobre as dificuldades no acesso à interrupção voluntária da gravidez na Região. 

Nos últimos tempos muitas vozes sussurravam que a interrupção voluntária da gravidez nos Açores era uma utopia, ou melhor, uma miragem de um oásis com sede em Portugal continental. Contudo, os boatos tornaram-se uma dura realidade quando o relatório Indicadores de Saúde do ano de 2021 foi publicado, fazendo soar, a alto e bom som, os tímidos alertas que já nos murmuravam, sobretudo, desde Agosto do ano passado quando veio a público a notícia de que apenas o Hospital da Horta realizava procedimentos de IVG nos Açores.  

Um retrocesso de quase 14 anos na saúde feminina. Uma espécie de suspensão na história. Pois, há cerca de 14 anos, o Hospital da Horta era o único a fazer IVG’s nos Açores. Os progressos ao nível saúde feminina na Região foram congelados?  

A agenda política atual é decorada por chavões como equidade de género, empoderamento, combate à misoginia e à violência de género, entre outras. Porém, dificultar o livre acesso aos procedimentos de IVG é uma forma de violência de género velada. 

Em Portugal, desde 2007 que a IVG realizada até a décima semana de gestação, não é crime. Um marco na saúde e nos direitos dos indivíduos do sexo feminino. Mais impõe a lei da descriminalização do aborto, que é da competência do Estado respeitar, proteger e facultar o acesso da saúde sexual e reprodutiva às mulheres, adoptando os mecanismos indispensáveis à boa execução da legislação atinente à interrupção voluntária da gravidez em segurança. Agora pergunto: o Estado tem cumprido a sua parte? Temo dizer que a resposta afirmativa não é a óbvia. 

Reencaminhar mulheres residentes em São Miguel, Santa Maria, Terceira, Graciosa e São Jorge para o continente não é uma solução que possa ser utilizada como se fosse uma regra, sem prejuízo de admitir-se o seu excecional recurso – o que não se afigura ser o caso. Especialmente porque obriga uma pessoa que já se encontra numa situação vulnerável – atendendo à sensibilidade do assunto, a percorrer várias milhas para se sujeitar a um processo delicado e, tantas vezes, traumático, num lugar desconhecido e frio.   

Uma forma subtil de desencorajar quem quer exercer o seu direito e, atrevo-me a dizer, uma espécie de dupla vitimação  – permitam-me a comparação e utilização do conceito forense. Desde logo, porque enfrenta uma gravidez indesejada – independentemente do motivo, à qual acresce a necessidade de estar a reviver vezes sem conta as etapas, por vezes, traumáticas do procedimento e longe da sua rede de suporte. 

É, por isso, importante trazer este assunto à luz do dia, falar sobre a saúde sexual feminina sem preconceitos, sobretudo no mês da mulher, e repensar as políticas públicas para a saúde pública do ponto de vista da liberdade de escolha e autonomia sobre o próprio corpo.