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E o espetáculo continua…

A Comissão de Inquérito Parlamentar à TAP tinha como objectivo a averiguação da gestão política da transportadora, mas à medida que se foram dissecando os factos gerou-se uma profunda crise institucional que arrastou o governo para um verdadeiro lamaçal.

Apesar de desvirtuado aquele objectivo, não deixa de ser relevante e perfeitamente aceitável o ter-se posto a nu o quão mal vai a nossa governação, o funcionamento do Estado e mesmo a nossa democracia. Vale a pena reflectir nalguns pontos.

Em primeiro lugar, como se demonstrou, a informalidade e ligeireza com que assuntos da máxima responsabilidade, que até têm custado os anéis e os dedos aos contribuintes, são tratados em sede da tutela: um ministro sem o devido conhecimento dos dossiers; decisões cruciais tomadas por aplicações móveis telefónicas; balbúrdia e cenas marcadas por esquecimentos, incoerências e contradições num ministério, dignas de um guião de Tarantino.

Em segundo lugar, altamente preocupante, a forma leviana e despudorada como a máquina compressora do Estado, pela boca de altos cargos da governação, esfacela publicamente a reputação de um qualquer cidadão, obviamente um peão no xadrez administrativo, sem que a justiça chancele previamente as acusações que lhe foram proferidas.

Uma aparente manobra de diversão onde impera a lei do mais forte. Um autêntico processo kafkiano no seu melhor. O grande enigma que ninguém decifra reside em saber por que diabo um mero assessor se recusa fornecer de imediato notas de uma reunião onde constam intervenções produzidas por terceiros

Em terceiro lugar temos um partido acéfalo e totalmente subserviente ao seu governo, governo este que por sua vez se confunde com o Estado e, deste modo, um Estado instrumentalizado pelo partido dominante. Mais que preocupante, é ameaçador ver como o polvo, legitimado por uma maioria absoluta, controla toda a máquina administrativa colocando os seus pivôs nos lugares chave da gestão da República.

O episódio caricato e intempestivo de colocar o SIS à caça de um computador é um paradigma. Por exemplo, alguém esperaria outra opinião do conselho de fiscalização do SIS ocupando por dois ex-altos cargos do establishment? Mas também é enigmático saber o que estaria exclusivamente naquele computador que, em mãos erradas ameaçasse, a segurança nacional. Ou será que estariam as célebres notas que alguém não desejava que se tornassem públicas?

Bom, isto não é o importante, pois o que importa aos portugueses são os dados económicos do país, diz o governo e o partido que o sustenta. Mas, não. Desde logo é lamentável e desprezível essa atitude paternalista e o atestado de ignorância que nos é passado com essa suposição infundada. Desde logo até porque os números da macroeconomia pouco têm melhorado a realidade da microeconomia. Mais que os dados económicos, interessa a confiabilidade e a responsabilidade subjacentes a quem tem de servir de exemplo. Se assim não fosse a liberdade, a dignidade e a nossa independência seriam facilmente trocadas pelo crescimento do PIB, a inflação, pelo déficit, a dívida e o desemprego. Se assim não fosse o nosso exemplo bem poderia ser, em vez de um estado de direito, um país com uma ditadura à moda chinesa onde os dados económicos são invejáveis. Siga o circo.