O Programa de Desenvolvimento Rural do Continente (PDR), abreviadamente designado por PDR 2020, entre os seus vários objetivos, previa apoios para a “Manutenção de Raças Autóctones”. Esta variante do PDR 2020 apresenta como objetivo apoiar a manutenção de sistemas agropecuários baseados em raças autóctones bem adaptadas às condições edafoclimáticas locais, de forma a assegurar a preservação de um património genético relevante.
No que concerne aos animais e raças elegíveis, temos as raças bovinas Alentejana, Mertolenga e a Brava de Lide. Ademais, importa sublinhar que numa resposta a uma questão efetuada pelo PAN (364/XIV/1.ª), relativa à existência de um manual de normas para acesso aos financiamentos para programas de melhoramento de conservação genética animal, intimamente interligado com a temática dos fundos públicos destinados à atividade tauromáquica, o Ministério da Agricultura respondeu dizendo o seguinte: “Existe, a nível nacional, no âmbito do PDR 2020 (Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020), um apoio à conservação e melhoramento de recursos genéticos animais. Esta medida tem como objectivo apoiar as ações para conservação e melhoramento de recursos genéticos animais, previstas nos programas de conservação ou de melhoramento genético aprovados pela Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV).”
Ora, é assumido publicamente pelos próprios criadores desta raça bovina que o principal objetivo com a produção e seleção genética destes animais não é a obtenção de carne ou leite, como acontece com as restantes raças bovinas, mas sim a obtenção de comportamento e fisionomia que sejam adequadas à lide nas arenas. É com base neste fim que os animais são selecionados, bem como através de práticas ilegais, designadas de “tentas”, que são impunemente realizadas nas herdades onde é efetuada a criação de touros de lide, muitas vezes com recurso a “picadores” cuja atuação é expressamente proibida em Portugal.
Resulta assim que a utilização destes fundos para o apuramento genético da raça brava (ou de lide) com vista à sua utilização em espetáculos tauromáquicos, desvirtua a finalidade destes apoios.
Além disso, estes criadores recebem o prémio de “vacas aleitantes” que em 2012 era de 200€ + 30,19€ (prémio suplementar). Tendo em conta que em Portugal se estima que existiam cerca de 9.000 vacas bravas em 2012, os criadores de touros de lide receberam cerca de 1.800.000€ só deste apoio. No âmbito da PAC os criadores de touros de lide recebem também prémios de abate por cada bovino (com mais de 8 meses) abatido.
Estima-se que sejam abatidos cerca de 1000 touros de lide só no âmbito dos espetáculos tauromáquicos autorizados pela Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC).
Nos últimos anos os criadores de touros de lide conseguiram ainda aceder aos fundos europeus destinados à proteção ambiental e combate às alterações climáticas. Em 2021 a Associação de Criadores de Toiros de Lide recebeu quase 100 mil euros do FEADER, no âmbito da medida medida IV/A.15 [DR 2014-2020] R.1305/2013, art.º 28.º (Agroambiente e clima) que se destina a incentivar os gestores de terras a utilizar práticas agrícolas que contribuam para a proteção do ambiente, da paisagem, dos recursos naturais, e para a atenuação dos efeitos e adaptação às alterações climáticas.
Segundo uma investigação da plataforma Basta de Touradas1, estima-se que só dos fundos comunitários, os criadores de touros de lide recebam cerca de 15 milhões de euros por ano.
Consideramos que não se justifica o apoio para produção agropecuária no que tange à raça bovina brava de lide, exclusivamente destinadas à lide, ou seja, ao entretenimento, uma vez que não incorpora o escopo central deste Programa de Desenvolvimento, enfatizando ainda que não se entende a atribuição de apoios a ações para conservação e melhoramento de recursos genéticos animais (aprovados pela Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária), os quais representam efectivos apoios à tauromaquia.
Acresce, que não é aceitável que se permita o acesso a um programa de apoio que tem inclusive critérios de bem-estar animal, que são grosseiramente postos em causa nos espetáculos tauromáquicos, o que constitui uma forma de apoio a uma atividade que não é consensual na sociedade portuguesa e que há muito é contestada.
A estes apoios junta-se um financiamento crescente de algumas autarquias locais às atividades tauromáquicas, após a pandemia de Covid-19, que se traduz na concessão de subsídios a entidades tauromáquicas, compra de milhares de bilhetes que são oferecidos ao público aficionado e um investimento acentuado em obras de conservação e reabilitação de praças de touros, incluindo alguns equipamentos privados.
Sendo esta uma atividade que se encontra em acentuado declínio nos últimos anos (nos últimos 20 anos verificou-se uma redução de 53% no número de touradas realizadas), não só ao nível da redução significativa de público mas também ao nível das receitas, e que tem vindo a ser rejeitada por um número crescente de cidadãos e municípios, o PAN entende que deve ser promovido um estudo que vise a reconversão da atividade tauromáquica eliminando a componente da violência dos espetáculos tauromáquicos previstos no Regulamento (Decreto Lei n.º 89/2014 de 11 de junho) tendo como referência outras atividades tradicionais que foram reconvertidas em turismo de natureza, de que é exemplo a caça à baleia nos Açores.