A proposta de lei apresentada pelo PAN ao Orçamento de Estado que previa a possibilidade de atribuição de uma licença para pessoas que sofrem de dores graves e incapacitantes durante o período menstrual até três dias e medicamente atestada por meio de declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde gerou um controverso debate na sociedade civil.
Pode dizer-se que passou a primeira barreira do tabu que existe, ainda, sobre o tema, olhado de forma conservadora por parte da sociedade em geral e, em particular, por uma boa parcela dos actores políticos, conforme ficou demostrado em debate parlamentar durante o qual alguns conceitos se mostraram ainda confusos, passíveis de serem deformados e até instrumentalizados entre risotas, gracejos e termos melindrosos mais típicos de meninos de liceu confrontados com um tema constrangedor do que de deputados.
O tema levou a peleia de palavras e arremesso de estereótipos, o que demostra uma impreparação para debater a matéria de forma séria e minimamente científica.
Apesar de ser um tema tão banal quanto mensal e marcar a vida de jovens e mulheres ao longo de metade da esperança de vida, a proposta do PAN que visa os dias de licença não é para todas as menstruadas. Destina-se a quem sofre de dores graves e incapacitantes durante a menstruação, associada, ou não, a patologias que as possam agravar como a endometriose, doença inflamatória pélvica e síndrome dos ovários poliquísticos, entre outras.
Embora o universo de mulheres que sofrem de dor incapacitante seja desconhecido em Portugal, sabemos que cerca de 10% sofrem de endometriose. Sabemos, também que em países como Taiwan, Japão, Coreia do Sul e Indonésia já aplicam a licença para quem se encontra afetado por esta patologia e Espanha espera vir a fazê-lo de uma forma mais abrangente e peregrina. Não nos podemos esquecer que após o 25 de abril os Códigos de Trabalho consignavam uma licença de até 2 dias de remuneração facultativa para sintomas de dor incapacitante com doença medicamente confirmada.
Se a licença leva, efetivamente, a uma discriminação positiva, pode levantar algumas dúvidas em relação à subjetividade da dor ou daquilo que será medicamente classificável como dor incapacitante. Sabemos que existe uma escala para a dor vigente, mas os especialistas médicos assumem a dificuldade, em mesmo assim, avaliá-la, já que não depende do resultado concreto de um exame de diagnóstico complementar.
Esta discriminação gera, paradoxalmente, uma diferenciação negativa em relação a outras patologias duradouras ou sem resolução que geram dor crónica ou persistente, igualmente incapacitante. As causas incluem doenças crónicas como cancro ou artrites ou lesões temporárias e várias doenças primárias como a dor neuropática, fibromialgia, cefaleia crónica, etc.
Não nos podemos esquecer que a percepção da dor do paciente pode refletir mais do que o processo físico inerente a uma doença. Nesse sentido, deve ser determinado o significado da dor para o doente, com especial atenção para os impactos psicológicos. Socialmente, o impacto da narrativa da dor é sempre mais aceitável ou compreensível do que da depressão ou ansiedade, especialmente quando associada a doenças como de grande estigma como cancro, doenças neurológicas crónicas e incuráveis.
Estamos, pois de acordo que a dor é ela própria um critério para a proposta da regulamentação, mas passa pela definição difícil de critérios dependentes de conceitos. Conceitos esses específicos, difíceis de determinar de forma objectiva, geral e não discriminativa, e até herméticos, mas fundamentais para que exista equidade na aplicação de benefícios perante a lei.