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Moção – Pela implementação de uma efetiva literacia animal e ambiental no ensino escolar

Moção – Pela implementação de uma efetiva literacia animal e ambiental no ensino escolar

Conforme ficou estabelecido no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 27/2016[1], de 23 de agosto, cabe ao Estado desde 2016 assegurar “a integração de preocupações com o bem-estar animal no âmbito da Educação Ambiental, desde o 1.º Ciclo do Ensino Básico”. Porém, passados 4 anos, a introdução das matérias relacionadas com a proteção animal nas escolas é claramente insuficiente, tendo aparentemente o assunto sido esquecido.

Em fevereiro de 2018, o Observatório Nacional para a Defesa dos Animais alertou para a necessidade de se vincar na escolaridade básica as preocupações com o bem-estar animal, concluindo que “muitas situações de maus-tratos se resolveriam com a educação” e que “não existe nenhum referencial para a educação” que transponha o estatuído no citado diploma legal[2].

A política de ensino ambiental e animal passa por um projeto sustentado de educação e sensibilização, que implica um modelo de cogestão entre as diversas disciplinas, motivo pelo qual devemos atender aos princípios que orientam o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, dos quais destacamos dois pela relevância para o presente tema:

– A base humanista, ou seja, “a escola habilita os jovens com saberes e valores para a construção de uma sociedade mais justa, centrada na pessoa, na dignidade humana e na ação sobre o mundo enquanto bem comum a preservar[3];

– A Sustentabilidade, ou seja, a escola deve formar a consciência de sustentabilidade, o que “consiste no estabelecimento, através da inovação política, ética e científica, de relações de sinergia e simbiose duradouras e seguras entre os sistemas social, económico e tecnológico e o Sistema Terra, de cujo frágil e complexo equilíbrio depende a continuidade histórica da civilização humana”.

Ora, em setembro de 2017, um ano após a publicação do inicialmente referido Decreto-Lei n.º 27/2016, foi divulgada a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC)[4], vindo  posteriormente o Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, no seu artigo 15º, reforçar a componente de Cidadania e Desenvolvimento como uma área que deve estar presente nas diferentes ofertas educativas e formativas, visando o exercício da cidadania ativa e da participação democrática, sendo uma área de trabalho transversal, de articulação disciplinar, com abordagem de natureza interdisciplinar.

Na ENEC os diferentes domínios da Educação para a Cidadania são organizados em três grupos, sendo o primeiro obrigatório para todos os níveis e ciclos de escolaridade, o segundo obrigatório pelo menos para dois ciclos do ensino básico e o terceiro de aplicação opcional em qualquer ano de escolaridade[5]. O Bem-estar animal consta infelizmente no grupo opcional, o 3º Grupo, junto de matérias também elas relevantes como o Empreendedorismo, o Mundo do Trabalho, a Segurança, a Defesa e Paz, o Voluntariado e ainda outras a definir em consonância com as necessidades de educação sentidas pela escola desde que se enquadrem nos conceitos propostos para a disciplina[6].

No Anexo VII da Portaria n.º 223-A/2018[7] vêm expressos os domínios que se devem desenvolver em cada ciclo na lecionação de Cidadania e Desenvolvimento, mantendo-se o bem-estar animal como opcional:

a) Domínios obrigatórios a desenvolver em todos os ciclos do ensino básico – i) Direitos humanos (civis e políticos, económicos, sociais e culturais, e de solidariedade); ii) Igualdade de género; iii) Interculturalidade (diversidade cultural e religiosa); iv) Desenvolvimento Sustentável; v) Educação Ambiental; vi) Saúde (promoção da saúde, saúde pública, alimentação e exercício físico).

b) Domínios a desenvolver em pelo menos dois ciclos do ensino básico – i) Sexualidade (diversidade, direitos, saúde sexual e reprodutiva); ii) Media; iii) Instituições e participação democrática; iv) Literacia financeira e educação para o consumo; v) Segurança rodoviária; vi) Risco.

c) Domínios opcionais a desenvolver em qualquer ano de escolaridade – i) Empreendedorismo (nas vertentes económica e social); ii) Mundo do trabalho; iii) Segurança, defesa e paz; iv) Bem-estar animal; v) Voluntariado; vi) Outros a definir de acordo com as necessidades de educação para a cidadania diagnosticadas pela escola.

Após várias pesquisas não nos foi possível encontrar o Referencial para a Educação em Bem-estar Animal entre os outros preparados pela Direção-Geral da Educação[8] no âmbito da Educação para a Cidadania, disponíveis na página da internet da DGE.

Encontramos, contudo, o Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade (Educação Pré-Escolar, Ensino Básico e Ensino Secundário)[9], datado de 2018, inserido no Objetivo Estratégico: Educação Ambiental + Transversal da Estratégia Nacional de Educação Ambiental 2020 (ENEA 2020), a qual foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2017, de junho de 2017.

A ENEA 2020 proclama a “construção da literacia ambiental em Portugal que, através de uma cidadania inclusiva e visionária, conduza a uma mudança de paradigma civilizacional, traduzido em modelos de conduta sustentáveis em todas as dimensões da atividade humana”, porém, regista-se uma única vez a palavra “animal” e no contexto da Água, encontrando-se a “biodiversidade” como elemento a preservar sem qualquer referência, uma vez mais, ao bem-estar animal.

Já o Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade refere especificamente 14 vezes o vocábulo “animal, inserindo a adoção de “comportamentos que visam o bem-estar animal” no tema I – Sustentabilidade, Ética e Cidadania, aumentando o grau de aprendizagem pretendido ao longo do percurso escolar, desde o ensino pré-primário ao ensino secundário.

Embora este seja o documento que mais elabora o nível de conhecimento que os alunos e alunas devem ter sobre bem-estar animal, não aborda de forma exclusiva ou extensa esta matéria. Assim, o Bem-estar animal, pese embora conste na Educação para a Cidadania como uma das matérias a lecionar (opcionalmente, é certo) não tem um referencial próprio como outras matérias e é remetido para o Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade.

Por seu turno, a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/2018[10], apesar de salientar a importância do número de espécies de animais e plantas que se encontram representadas no nosso país, imputando ao ser humano a responsabilidade pela manutenção ou recuperação do adequado estado de conservação de habitats e espécies, quer para os valores endémicos, quer para espécies migratórias de aves e animais marinhos que fazem uso das condições oferecidas pelo país nas suas rotas, bem como pela conservação dos geossítios, não tem ao longo do texto nenhuma referência que nos permita acreditar que o bem-estar animal é, em algum momento, tido em consideração, ligando ainda prosperidade económica e geração de riqueza com ecossistemas e os seus serviços, numa clara posição afastada de uma alteração de comportamentos e ensinamentos.

Pese embora esta Estratégia refira que o sucesso de uma educação ambiental pretende a alteração de paradigma na relação das atividades humanas com os recursos, não conseguimos afiançar em qualquer das Estratégias analisadas a necessária mudança para que a educação passe a formar as crianças e jovens de modo a que estes percecionem os animais e toda a biodiversidade sem ser como meros recursos.

Desde o Tratado de Lisboa[11] (dezembro de 2007) que os animais são, a nível europeu, reconhecidos como seres sensíveis/ sencientes, o que significa que são seres vivos capazes de sentir prazer e dor.

Pelo que na sequência desta alteração, foi adotada, em janeiro de 2012, uma estratégia europeia quadrienal relativa ao bem-estar animal[12], que terminava em 2015, e previa uma proposta de alteração da legislação em matéria de bem-estar dos animais (inovadora e centrada nos resultados em termos de bem-estar animal) e com o reforço na educação e na formação profissional de todas as partes envolvidas, numa tentativa da Comissão Europeia desenvolver a melhoria da qualidade de vida dos animais. À data estimou-se que dois biliões de pássaros e trezentos milhões de mamíferos seriam usados na agricultura/pecuária e que cerca de doze milhões de animais eram utilizados em experimentações, não sendo, porém, possível apurar o número de animais transacionados na União Europeia nem os mantidos em zoológicos e aquários.

Em Portugal, desde a aprovação da Lei n.º 8/2017, de 3 de março, que os animais já não são considerados coisas, sendo hoje reconhecido pelo nosso ordenamento jurídico que são “seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza”, conforme disposto no artigo 201.º – B, do Código Civil. 

Esta assunção da dignidade dos animais, enquanto seres vivos sensíveis, deve implicar a promoção de políticas públicas vocacionadas para a sua proteção, a começar pela educação, e pelo respeito pela vida animal, bem-estar e cuidados necessários, contribuindo assim para combater os maus tratos e o abandono, bem como a importância da preservação das espécies e dos seus habitats e do respeito pelas suas características naturais.

A literacia ambiental e animal é ainda uma forma de combater o sedentarismo entre os jovens, favorecendo o contacto com a natureza e com os animais, através de atividades como a realização de percursos pedestres, a observação de aves, o ciclismo, a canoagem, entre outras.

Nestes termos e considerando que,

  • O Estado não deu ainda cumprimento ao estatuído no número 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 27/2016, de 23 de agosto;
  • Não existe um referencial para a educação na área do Bem-estar animal, muito embora o seu ensino esteja previsto ao longo do percurso escolar, desde o pré-primário até ao ensino secundário inclusive;
  • O ensino pelo respeito da vida animal evita a inflição de tratamento cruel e da prática de abandono de indivíduos de outras espécies;
  • A União Europeia posiciona-se como o principal garante dos interesses dos seres vivos animais não humanos e a sua população defende a proteção animal como uma das suas prioridades;
  • O momento de urgência climática apela a uma alteração do paradigma na relação existente entre o ser humano e os outros seres vivos;

O Grupo Municipal do PAN propõe que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Extraordinária de 17 de março de 2020 ao abrigo do disposto no artigo 15.º, alínea c) do Regimento e do artigo 25.º, n.º2, alíneas a) e k) do Anexo I da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, delibere apelar ao Governo para que crie as as condições necessárias para que a literacia animal seja implementada, através das seguintes medidas:

  1. Integração da matéria referente ao bem-estar animal nos domínios de caráter obrigatório da Educação para a Cidadania;
  2. Elaboração de conteúdos programáticos específicos que promovam a literacia animal nas escolas, nomeadamente de um Referencial para a Educação em Bem-estar Animal;
  3. Implementação desse referencial no ano letivo de 2020/2021 no ensino pré-escolas, básico e secundário;
  4. Celebração de protocolos com entidades ambientais e de defesa animal que potenciem a aproximação das alunas e alunos com a realidade;
  5. Financiamento pelo Estado através do Fundo Ambiental.[13]

Lisboa, 3 de março de 2020.

O Grupo Municipal
do Pessoas – Animais – Natureza

Miguel Santos – Inês de Sousa Real


[1] https://dre.pt/pesquisa/-/search/75170435/details/maximized

[2] https://www.dn.pt/lusa/observatorio-para-a-defesa-dos-animais-quer-educacao-para-prevenir-maus-tratos-9128653.html

[3]https://dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Projeto_Autonomia_e_Flexibilidade/perfil_dos_alunos.pdf

[4] https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/2017/10/Estrategia_Cidadania_Original.pdf

[5] . 1.º Grupo: Direitos Humanos (civis e políticos, económicos, sociais e culturais e de solidariedade); Igualdade de Género; Interculturalidade (diversidade cultural e religiosa); Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde (promoção da saúde, saúde pública, alimentação, exercício físico). 2.º Grupo: Sexualidade (diversidade, direitos, saúde sexual e reprodutiva); Media; Instituições e participação democrática. Literacia financeira e educação para o consumo; Segurança rodoviária; Risco. 3.º Grupo: Empreendedorismo (nas suas vertentes económica e social); Mundo do Trabalho; Segurança, Defesa e Paz; Bem-estar animal; Voluntariado. Outras (de acordo com as necessidades de educação para a cidadania diagnosticadas pela escola e que se enquadre no conceito de EC proposto pelo Grupo).

[6]https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Projetos_Curriculares/Aprendizagens_Essenciais/estrategia_cidadania_original.pdf

[7] Procede à regulamentação das ofertas educativas do ensino básico, previstas no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, designadamente o ensino básico geral e os cursos artísticos especializados, definindo as regras e procedimentos da conceção e operacionalização do currículo dessas ofertas, bem como da avaliação e certificação das aprendizagens, tendo em vista o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.

[8] Referenciais encontrados na página em janeiro de 2020: Referencial de Educação Financeira para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico, o Ensino Secundário e a Educação e Formação de Adultos, Referencial de Educação para a Saúde, Referencial de Educação para a Segurança, a Defesa e a Paz, Referencial de Educação para o Desenvolvimento – Educação Pré-Escolar, Ensino Básico e Ensino Secundário, Referencial de Educação para o Risco (RERisco), Referencial de Educação para os Media para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico e o Ensino Secundário, Referencial de Educação Rodoviária para a Educação Pré-Escolar e Ensino Básico, Referencial Dimensão Europeia da Educação para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico e o Ensino Secundário, Referencial para a Educação do Consumidor, disponíveis em https://www.dge.mec.pt/educacao-para-a-cidadania/documentos-de-referencia, consultado em janeiro de 2020.

[9] https://www.dge.mec.pt/sustentabilidade-para-educacao-ambiental, consultado em janeiro de 2020, elaborado uma parceria entre a Direção-Geral da Educação Referenciais encontrados na página em janeiro de 2020: Referencial de Educação Financeira para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico, o Ensino Secundário e a Educação e Formação de Adultos, Referencial de Educação para a Saúde, Referencial de Educação para a Segurança, a Defesa e a Paz, Referencial de Educação para o Desenvolvimento – Educação Pré-Escolar, Ensino Básico e Ensino Secundário, Referencial de Educação para o Risco (RERisco), Referencial de Educação para os Media para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico e o Ensino Secundário, Referencial de Educação Rodoviária para a Educação Pré-Escolar e Ensino Básico, Referencial Dimensão Europeia da Educação para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico e o Ensino Secundário, Referencial para a Educação do Consumidor.

[10] https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/115226936/details/maximized

[11] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:C:2007:306:FULL&from=PT

[12] https://ec.europa.eu/food/sites/food/files/animals/docs/aw_eu_strategy_19012012_en.pdf

[13] O Fundo financia entidades, atividades ou projetos que cumpram os seguintes objetivos, entre outros, l) Proteção e conservação da natureza e da biodiversidade; m) Capacitação e sensibilização em matéria ambiental; n) Investigação e desenvolvimento em matéria ambiental.