AnimaisTouradas

Moção pelo Fim do Financiamento Público de Atividades Tauromáquicas

Considerando que:

  1. Portugal é signatário de vários acordos internacionais de proteção de animais, designadamente da Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia (1987); Convenção sobre a Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais na Europa (1979); Convenção Internacional sobre o Comércio de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens (CITES) (1973) e do Tratado de Lisboa (2007) da União Europeia, o qual reconhece os animais como seres sencientes, ou seja capazes de sentir, vivenciar sentimentos como dor, alegria, ansiedade ou medo.
  2. Contudo, ainda fazemos parte de um grupo de oito países do mundo onde se realizam espectáculos tauromáquicos, espetáculos esses que incluem violência e infligem maus tratos a animais, apesar de repudiados e contestados por grande parte da sociedade civil e por organizações nacionais e internacionais de proteção animal.
  3. Em Portugal, esta atividade tem diversas fontes de financimentos, desde a União Europeia através dos fundos comunitários destinados à agricultura e à criação de bovinos, aos apoios disponibilizados por várias autarquias locais para atividades ligadas ao setor tauromáquico.
  1. Com efeito, a principal fonte de financiamento das touradas surgiu com a entrada de Portugal na União Europeia, quando os criadores de bovinos destinados à tauomquia passaram a receber diversos apoios da Política Agrícola Comum (PAC), criando a Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide (APCTL), apesar do principal objetivo da PAC ser “apoiar os agricultores e melhorar a produtividade do setor agrícola, garantindo um abastecimento estável de alimentos a preços acessíveis” e não, a criação de animais para entretenimento e maus tratos.
  2. Assim, apesar dos esforços dos membros do Parlamento Europeu, a tauromaquia continua a ser monetariamente apoiada através de subsídios a longo prazo, e não obstante em 2015, os eurodeputados terem votado a favor do bloqueio destes fundos “para o financiamento de atividades tauromáquicas letais”, até hoje poucas alterações têm sido feitas, devido à preocupação em salvaguardar as provisões legais da PAC e as quintas que fazem criação de touros para as touradas continuam a receber subsídios para esse fim.
  3. Ainda de acordo com um Estudo realizado sobre o financiamento público das touradas em Portugal, pela Plataforma cívica “Basta de Touradas”, criada em 2012, com base numa consulta exaustiva das atas das reuniões de Câmara e dos orçamentos dos municípios com a atividade taurina, contratos e ajustes diretos estabelecidos com associações e empresas tauromáquicas, informação sobre os fundos comunitários disponibilizados às ganadarias de touros de lide, criadores de cavalos de toureio, dados estatísticos e informação difundida na imprensa nacional, regional e local, são gastos cerca de 16 milhões de euros anuais para apoiar a manutenção da atividade tauromáquica em Portugal.
  1. Em abril deste ano, foi efetuada uma atualização dos referidos valores, verificando-se um aumento do investimento das autarquias e acrescentando os apoios concedidos pelo Governo Regional dos Açores, totalizando atualmente os apoios públicos à tauromaquia cerca de 19 milhões de euros.
  2. No caso pontual das Câmaras Municipais, o investimento na atividade tauromáquica traduz-se nomedamente, na organização de corridas de touros com a cedência de meios técnicos e materiais, na compra de bilhetes para posterior distribuição, na concessão de subsídios a entidades tauromáquicas, a par da isenção de taxas e licenças ou na manutenção e reabilitação das respectivas praças de touros.
  3. A título de exemplo, no dia 19 de março deste ano, a praça de touros de Santarém praticamente encheu com uma corrida de touros, mas para que tal tenha sido possível, o  respetivo Municipio investiu cerca de 37.500 € acrescidos de IVA, na compra de bilhetes ao promotor do espetáculo Associação Setor 9, que posteriormente ofereceu à população para assistir ao dito “espetáculo”.
  4. Também no municipio do Montijo, a Câmara Municipal comprou à empresa “Tertúlia Obvia, Lda.”, bilhetes no valor de 4.000 € acrescidos de IVA, para uma tourada que se realizou a 14 de maio de 2022, na respetiva praça de touros, sendo que no ano anterior já tinha gasto 16.260€ mais IVA na compra de bilhetes para duas touradas também realizadas na cidade, à empresa “AC Eventos, Unipessoal, Lda”.
  1. Igualmente em Vila Franca de Xira, a Câmara Municipal gasta cerca de 60.000€ anuais, apenas para o financiamento da escola de toureio “José Falcão”, valor que se encontra descrito no Orçamento Municipal e nas Grandes Opções do Plano para 2019 da autarquia Ribatejana, totalizando 300.000€ até ao ano de 2023, e para além desta verba, a mesma Câmara apoia a realização de largadas e corridas de touros, além de outras instituições relacionadas com a tauromaquia.
  2. Os maus exemplos são mais que muitos num país com tantas carências em sectores básicos, e em Alcochete, a autarquia foi mais longe e pretendeu utilizar fundos do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, através do eixo da Saúde, para a compra de bilhetes para touradas, tendo assinando um contrato a 3 de março de 2023, com uma empresa tauromáquica, Toiros e Tauromaquia, no valor de 12.000 € acrescido de IVA, para aquisição de 600 bilhetes para espetáculos tauromáquicos promovidos por aquela empresa privada, através dos ditos fundos destinados à promoção da saúde, sendo a demonstração clara da impunidade deste setor que não olha a meios para garantir a perpetuação desta atividade em Portugal, através dos fundos públicos.
  3. Isto apesar de o Governo se ter recusado a assumir responsabilidades na compra de bilhetes para corridas de touros com dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), escudando-se na estrutura de missão Recuperar Portugal, que negoceia, contratualiza e monitoriza a execução do PRR, tendo assumido que caberia a essa estrutura pedir a averiguação do contrato da compra dos bilhetes assinado pela câmara de Alcochete.
  1. O “Recuperar Portugal” veio responder à denúncia efetuada pela Plataforma Basta de Touradas, concluindo “Pela não elegibilidade da despesa para o PRR vertida no Contrato para Aquisição do Serviço de Eventos Tauromáquicos celebrado entre Câmara Municipal de Alcochete (Beneficiário Final do PRR), e a empresa “Toiros e Tauromaquia, Lda.”, em 03.03.2023, no âmbito do “PRR – Componente 3-OIL Alcochete – Bairro do Passil-Eixo da Saúde”, no contexto do investimento C03-i06.02”.
  2. Também ao nível da reabilitação de praças de touros, há exemplos que a todos nos deviam envergonhar pela utilização de fundos públicos em recintos que estão praticamente ao abandono o ano inteiro, recebendo apenas uma ou duas touradas por ano, como é o caso de Estremoz em que a praça de touros é propriedade do Centro de Bem-Estar Social de Estremoz, mas que cedeu o recinto à Câmara Municipal por 25 anos, através da celebração de um protocolo.
  3. Aí a Câmara de Estremoz gastou cerca de 2 milhões de euros na recuperação da praça de touros que se encontrava abandonada em 2012 e apenas um ano após a sua inauguração, gastou mais 76.000 euros em “trabalhos imprevistos”, situação que foi fortemente criticada pela oposição, pelo facto de se continuar a gastar tanto dinheiro numa praça de touros, que nem sequer era propriedade da autarquia e quando existiam tantas carências no concelho, mas o caso não ficou por aqui, e em 2022 a autarquia de Estremoz gastou mais 21.972 € na pintura das paredes interiores da praça de touros antes da realização de uma tourada.
  4. Outras autarquias utilizam a mesma estratégia, isto é, assumem temporariamente a gestão dos recintos para proceder à reabilitação de praças de touros privadas com recurso a fundos públicos, como aconteceu em Vila Viçosa onde a Câmara Municipal assinou a 11 de maio de 
  1. 2022, um protocolo de cedência da praça de touros por 3 anos com a família Ribeiro Telles, proprietária do recinto, e até 2025 a mesma irá ser mantida com o dinheiro dos contribuintes portugueses para a realização de “atividades culturais e recreativas” organizadas, promovidas ou apoiadas pela autarquia, incluindo a realização de eventos tauromáquicos. 
  2. Enfim, muitos outros casos poderiam aqui ser chamados à colação, e não podemos esquecer a situação existente no município de Lisboa, em que a Praça de Touros do Campo Pequeno está isenta do pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), num valor que ascende a 12 milhões de euros/ano, o que nos parece profundamente imoral, tal como toda a isenção desse Imposto a todo o “património imobiliário público, cedido a qualquer título, a entidades públicas, entidades privadas ou a Instituições Particulares de Solidariedade Social, quando utilizado para a realização de espectáculos tauromáquicos com ou sem fins comerciais.
  3. Por tudo o que se disse, o financiamento público à actividade tauromáquica configura uma muito questionável opção política com impacto no erário público, não se percebendo como é que um país que vive diariamente confrontado com exigências de rigor orçamental, submeta os seus cidadãos a privações ao nível das mais elementares necessidades seja ao nível da saúde, da educação ou da habitação, e depois permite-se dispor de elevados montantes a financiar uma actividade que é há muito contestada pela sociedade portuguesa.
  4. Do mesmo modo e desde há vários anos, as touradas são o espectáculo que mais reclamações originou junto do Provedor do Telespectador, tendo inclusive em 2016, o então provedor do telespectador Jaime Fernandes, aquando da sua audição na Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto na Assembleia da República, sobre o seu relatório de atividades em 2015, sido categórico a afirmar que a transmissão de touradas pelo canal de 
  1. serviço público RTP1 foi o principal assunto que motivou queixas dos telespectadores, e que das 14.935 mensagens que recebeu durante o ano de 2015 – mais do dobro das 7111 do ano anterior – 8280 foram sobre touradas, ou seja, 55% do total de queixas anual.
  2. Em suma, aquilo que se exige ao Estado em matérias como a tauromaquia é maior equidistância através da assunção de uma posição neutral, através do não financiamento a espectáculos tauromáquicos o que não constitui, per si, qualquer afronta aos cidadãos favoráveis à sua realização, o que já não sucede em relação aos cidadãos que lhes são contrários, devendo a tauromaquia financiar-se a si própria e não através da afectação de dinheiros públicos.

Em face do exposto, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão de 25 de Julho de 2023, delibere ao abrigo do disposto nas alíneas j) e k) do n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, conjugadas com a alínea c) do artigo 15.º e com o n.º 1 do artigo 71.º do Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa, aprovar uma moção no sentido de solicitar aos deputados da Assembleia da República que legislem no sentido de:

1. Impedir que os fundos públicos possam ser utilizados para promover e/ou apoiar a realização de eventos que promovam a violência sobre animais e/ou coloquem em causa o bem-estar animal.

2. Determinar que os fundos públicos apenas possam ser utilizados na reconversão de praças de touros, em equipamentos que não incluam espetáculos de maus-tratos a animais.

Lisboa, 25 de Julho de 2023. 

O Grupo Municipal

do Pessoas – Animais – Natureza

António Morgado 

(DM PAN)