Direitos Sociais e HumanosLisboa

Moção: A Habitação é um Direito Social Fundamental

No próximo dia 30 de Setembro, Lisboa vai ser palco de mais uma manifestação sobre a crise da habitação que atinge de forma grave muitas pessoas. Vemos imagens diárias de pessoas que não conseguem suportar os custos das rendas em Lisboa, Porto, Faro e em outras cidades do país. Vemos diariamente imagens de pessoas a viverem em tendas apesar de trabalharem e de já terem vivido em casas e quartos arrendados. Vemos imagens de estudantes universitários que não vão poder ingressar no ensino superior por não conseguirem comportar os custos da habitação. Vemos imagens de escolas em Lisboa sem professores porque professores deslocados não concorrem para a capital do país por não poderem pagar os valores atuais do mercado de arrendamento.

O direito à habitação está consagrado no Artigo 65.o da Constituição da República Portuguesa, incumbindo ao Estado programar e executar políticas que garantam a todas e a todos o acesso a uma habitação digna.

No entanto, e apesar dos vários compromissos assumidos por diferentes governos, continuamos a ter condições de habitação indignas que atingem sobretudo as famílias mais vulneráveis, pessoas em situação de sem abrigo, pobreza energética e um parque habitacional público manifestamente insuficiente para as necessidades assinaladas.

O aumento do turismo, a gentrificação, os baixos salários praticados em Portugal, a especulação imobiliária e mais recentemente o aumento da Euribor, têm contribuído para uma escalada nos preços dos imóveis, tornando a habitação inacessível para muitas pessoas.

São vários os fatores que originaram a atual crise habitacional, nomeadamente:

1. O problema crónico de baixos salários que enfraquece a classe média há décadas. Atualmente temos uma classe média confrontada com a perda de poder de compra, em que a taxa de esforço com a renda/crédito à habitação ultrapassa largamente 30%. Simultaneamente assistimos ao aumento vertiginoso da taxa de inflação e da taxa Euribor sem que sejam efetuados os correspondentes aumentos salariais, o que provocou a perda do rendimento disponível.

2. O aumento do turismo e a sua enorme rentabilidade inviabilizaram os instrumentos criados para a criação de bolsas de renda acessível. Em oposição observou-se a construção de mais hotéis, hostel e unidades de alojamento local em resposta à crescente procura, mas sem qualquer regulamentação ou proposta de compensação para a população diretamente afetada.

3. A implementação de programas de benefícios de investimento estrangeiro. Exemplo disso são os Vistos Gold que que durante 14 anos contribuíram em grande parte para o aumento da especulação imobiliária e assistimos atualmente à criação dos vistos para nómadas digitais que presumivelmente terão impacto semelhante no aumento do valor da habitação.

4. Desinvestimento no parque habitacional público. Atualmente Portugal tem um parque habitacional público que corresponde apenas a 2%. Noutros países esta percentagem é bem maior, temos a Dinamarca com 20%, o Reino Unido com 18%, a França com 17%, e Irlanda com 9%. Estes números são uma evidência das más decisões de sucessivos Governos em Portugal para os quais, assegurar o direito à habitação efetivamente não tem sido uma prioridade.

Quando falamos em habitação pública só tivemos um programa abrangente nessa matéria o PER, que infelizmente criou muitos guetos e remeteu muitos dos seus moradores para situações de indignidade habitacional.

5. A estagnação do mercado de arrendamento. Durante décadas foi o Estado Português que promoveu políticas de incentivo à aquisição da habitação própria. Desde a atribuição de empréstimos de 100% do capital a linhas de crédito bonificadas que fomentaram o crescimento da banca e que contrastam com os quase inexistentes programas de apoio ao arrendamento.

Durante várias décadas, a compra de habitação própria era a única solução que se apresentava para quem queria ter uma casa e assegurar uma relativa estabilidade.

6. Carga fiscal elevada do arrendamento. O mercado de arrendamento encontra-se estagnado há muito tempo também por ser verdadeiramente penalizado pelos impostos elevados. A taxa aplicada de 28% em sede de IRS, é impraticável sobretudo quando comparada ao imposto referente ao alojamento local. A melhor escolha entre arrendar versus alojamento local é evidente.

7. Mercado de arrendamento de alto risco. Vários foram os investidores que quiseram apostar na construção para arrendamento e que depressa abandonaram os projetos, colocando os imóveis à venda, por considerarem o mercado de arrendamento
de alto risco. Primeiramente devido à elevada carga fiscal e depois e em caso de incumprimento do pagamento das rendas, os processos em tribunal arrastam-se durante anos não existindo a garantia do ressarcimento das perdas.

8. A falta de resposta no alojamento estudantil e a dificuldade de autonomia dos mais jovens. Em 2018 foi apresentado o Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior, onde estava prevista a construção de várias unidades de alojamento estudantil, mas que não foram concretizadas. São muitos os alunos que se deparam com os seus sonhos adiados porque não conseguem arrendar um quarto.

Os jovens enfrentam hoje, também, uma maior dificuldade de autonomia, sendo a idade média da saída de casa dos pais de 33 anos. Os baixos salários, a precariedade laboral, os estágios não remunerados e o aumento do custo de vida são alguns dos fatores que contribuem para este dado.

9. Desinvestimento na construção a custos controlados e nas cooperativas. Na construção de habitação própria permanente tivemos bons exemplos que se foram perdendo pelo caminho, como é o caso da habitação feita por cooperativas e a venda de casas a custos controlados. Foram politicas que permitiram que muitas pessoas adquirissem imóveis fugindo à especulação imobiliária que hoje tanto nos assombra. Muitos dos projetos a custos controlados foram bem projetados e enquadrados na malha urbana das cidades, contribuindo para a coesão social do País.

10. Aumento da população em situações de vulnerabilidade nas grandes cidades.

Estima-se que em Portugal existam mais de 8 mil pessoas em situação de sem-abrigo. Por iniciativa do PAN houve uma maior aposta nos projetos housing first, assim como soluções de acolhimento, incluindo de emergência que permitam o acolhimento das pessoas em situação de sem-abrigo com os animais de companhia.

Acresce que, muitos foram os cidadãos de países estrangeiros que rumaram a Portugal para trabalhar no turismo e outros setores a ele associados. Infelizmente, alguns vieram iludidos por apelos do próprio governo e estão neste momento em condições precárias de trabalho e sem condições dignas de alojamento ou mesmo a viver na rua.

O PAN acredita que a habitação condigna não é um luxo, é um direito e é, sem dúvida, um direito humano.

Em face do exposto, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão de 26 de setembro de 2023, delibere ao abrigo do disposto nas alíneas j) e k) do n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, na atual redação, conjugadas com a alínea c) do artigo 15.º e com o n.º 1 do artigo 71.º ambos do Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa, aprovar uma moção no sentido de:

1. Diminuição da carga fiscalno arrendamento de forma a incentivar a oferta de habitações, tornando o mercado mais competitivo e acessível, designadamente:

1.1 reduzir a carga fiscal dos proprietários que disponibilizam imóveis para o mercado de arrendamento a preços acessíveis;

1.2 redução das taxas de IMI;

 1.3 isenção de IRS nos contratos de arrendamento para estudantes deslocados.

2.  Aumento do valor disponibilizado para o arrendamento jovem (Porta 65) e para os apoios sociais destinados ao arrendamento acessível ou de emergência, através do reforço do Fundo de Emergência Social.

3. Promover e fiscalizar a não discriminação, nas suas múltiplas dimensões, no arrendamento no setor privado, no acesso aos programas públicos de renda acessível e nos concursos para atribuição dos fogos do parque habitacional público de acordo com o artigo 13o da Constituição da República Portuguesa.

4. Fixação de rendas máximas nas zonas de maior pressão habitacional.

5. Criação de forma progressiva e que passe a obrigatoriedade dos seguros que visam colmatar o pagamento de rendas em situações de incumprimento de contratos de arrendamento.

6. Criação de um Fundo de Garantia de Incumprimento de Rendas, à semelhança do Fundo de Garantia Automóvel, do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, entre outros já existentes.

7. Reconversão do edificado público e/ou devoluto Estado e Autarquias garantindo a construção sustentável e a eficiência energética com recurso a candidaturas ao PRR.

8. Aumentar a percentagem de investimento em habitação pública, aproximando Portugal dos seus congéneres europeus.

9. Estabelecimento de quotas para unidades hoteleiras incluindo unidades de alojamento local e unidades de outras tipologias destinadas a turismo, de forma a limitar o seu impacto no mercado imobiliário.

10. Isenção de mais valias na venda da habitação própria permanente com prova de residência fiscal por um período mínimo de 5 anos, cujo valor máximo será determinado em função do preço médio do m2.

11. Criação de um regime transitório de isenção de execução de penhora de bens imóveis para a satisfação de garantia real de créditos hipotecários da habitação própria permanente, que possa ser ativado em situações de comprovada crise socioeconómica.

12. Criação de programas de incentivos às comunidades de nómadas digitais que escolham destinos do interior do País para se estabelecerem.

13. Suspensão temporária da venda de imóveis a pessoas singulares ou coletivas não residentes em Portugal, com exceção de pessoas imigrantes com autorização de residência.

Mais delibera ainda:

Enviar a presente Moção aos Grupos Parlamentares da Assembleia da República e ao Governo da República.

Lisboa, 26 de setembro de 2023

O Grupo Municipal

do Pessoas – Animais – Natureza

António Morgado

(DM PAN)