Direitos Sociais e HumanosLisboa

Recomendação “Ação Local Contra a Pobreza”

Proteger e promover os direitos humanos é uma responsabilidade partilhada por todas e todos nós, sobretudo pelos diversos níveis de gestão política. Cabe-nos, devido à proximidade entre a população e o poder local, garantir o respeito pelos direitos humanos, identificar os problemas e traçar as opções adequadas no sentido de erradicar todas as formas de discriminação, promovendo o avanço da igualdade de direitos para todas as pessoas.

No dia 17 de outubro celebra-se o Dia Internacional da Erradicação da Pobreza.

Criado em 1992, através da Resolução 47/196, pelas Nações Unidas, tem por objetivo trazer o assunto para debate e relembrar a sociedade para a necessidade de combater a pobreza e as desigualdades sociais. Com esta resolução, somos convidadas/os a debater esta matéria e a tomar medidas, constituindo uma oportunidade para reconhecer os esforços das pessoas que vivem na pobreza.

Este ano, o tema é “Unir-se aos mais excluídos para construir um mundo onde os direitos humanos e a dignidade sejam universalmente respeitados”, alertando a consciência pública para a importância dos direitos humanos numa sociedade livre e democrática.

Já em 2008, a Assembleia da República declarou, nos considerandos da Resolução n.º 31/2008, de 23 de julho, que a pobreza “conduz à violação dos direitos humanos”.

A Agenda para o Desenvolvimento Sustentável definiu como primeiro objetivo “Acabar com a pobreza em todas as suas formas e em todos os lugares” até 2030, referindo no seu preâmbulo que se pretende “acabar com todas as formas de pobreza” e que “ninguém deve ser deixado para trás”.

Reconheceu-se, assim, que erradicar a pobreza é um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável e, ao propor a redução da pobreza “em todas as suas formas”, reforçou-se a necessidade de alargarmos a definição de pobreza para além dos rendimentos das pessoas[1].

Paralelamente, o “não deixar ninguém para trás” implica não esconder nas médias nacionais (e locais) pessoas mais vulneráveis, devendo analisar-se outros indicadores como sexo, idade, raça, etnia, estatuto migratório, deficiência e localização geográfica.

Em 2001, a Comissão sobre Direitos Sociais, Económicos e Culturais das Nações Unidas apresentou a seguinte definição de pobreza: “condição humana caraterizada por privação sustentada ou crónica de recursos, capacidades, escolhas, segurança e poder necessários para o gozo de um adequado padrão de vida e outros direitos civis, culturais, económicos, políticos e sociais”.

Ao concentrarem tantas pessoas, as cidades e áreas urbanas concentram também problemas complexos como a pobreza, a segregação e o desemprego.

Sendo a União Europeia uma das áreas mais urbanizadas do mundo e com mais de 70% da população a viver em áreas urbanas (apontando as projeções para 80% em 2050), as decisões relativas à forma como lidamos com os problemas nas cidades e nas áreas urbanas terão um importante impacto no futuro económico, social e ambiental, nomeadamente na sustentabilidade.

Também o Pacto de Amsterdão, adotado em 2016 pelos ministros da União Europeia responsáveis pela política urbana, e que constitui a nova Agenda Urbana Europeia, refere explicitamente a Pobreza Urbana como uma das 12 prioridades[2]para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo.

Em novembro de 2017, a proclamação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais na cimeira de Gotemburgo visando conferir aos cidadãos direitos novos e mais eficazes[3], chegou já depois de a crise ter trazido mais desemprego, pobreza, desigualdades, trabalho precário, aumento dos horários de trabalho e da idade da reforma, bem como a redução dos apoios sociais.

De acordo com as estatísticas da União Europeia (UE), Portugal continua a ser um dos países mais desiguais da UE e um dos piores em mobilidade social: 20% dos mais ricos têm um rendimento 5,7 vezes mais elevado do que os 20% dos mais pobres, e há uma forte persistência das pessoas no escalão de rendimentos dos progenitores, o que prolonga no tempo as desigualdades.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2017[4], 23,3% da população estava em risco de pobreza[5]ou exclusão social, sendo 18% (431 mil) menores de 18 anos, enquanto 18,8% (451 mil) eram pessoas com 65 ou mais anos, permanecendo as mulheres as mais afetadas pela insuficiência de recursos.

Em Portugal, a taxa de risco de pobreza correspondia, em 2016, à proporção de habitantes com rendimentos monetários líquidos (por adulto equivalente) inferiores a 5.442,00 Euros anuais (454 Euros por mês). Ao definirmos um número abaixo do qual se está em situação de risco de pobreza, aparentemente podemos contabilizar as pessoas em situação de pobreza e em risco de pobreza, comparar países e analisar a evolução da situação.

Contudo, neste tipo de avaliação, onde 1 dólar ou 1 euro fazem a diferença para se estar ou não em situação de pobreza, fatores como, por exemplo, a diferença do custo de vida entre locais, o custo da habitação proporcionalmente ao rendimento, o acesso a serviços de saúde, entre outros, ficam excluídos. Daí ser essencial associar outras variáveis, como o bem-estar individual, o bem-estar moralmente aceitável e o conceito de exclusão social.

De acordo com o Retrato de Lisboa[6], elaborado pelo Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa (da EAPN Portugal/Rede Europeia Anti Pobreza) o peso da população dependente (jovens até aos 14 anos e idosos com mais de 65 anos) tem vindo a aumentar desde 1981 face à população em idade ativa; entre 2008 e 2017 processos de despedimento coletivos originaram o despedimento de 17.126 pessoas, pelo que em média no nosso concelho foram despedidas 1.713 pessoas por ano; desde 2008 aproximadamente metade das crianças inscritas no 1º Ciclo do Ensino Básico beneficia de apoio social escolar e se em 10 anos aumentaram os diplomas superiores, 20% da população só tinha o 1º Ciclo; no 4º trimestre de 2014 o valor da habitação aumentou 30,1%.

Ora, a visão multidimensional da pobreza requer respostas coordenadas e múltiplas. Enquanto decisoras/es autárquicas/os estamos na posição adequada para identificar no terreno as pessoas em situação de pobreza ou em risco de pobreza, bem como para conhecermos as entidades e serviços que podem ajudar estas pessoas a sair desta situação, exigindo a participação ativa de câmaras e juntas de freguesia.

No já referido Pacto de Amsterdão, em simultâneo com a melhor regulação e o melhor financiamento, o Conhecimento é um dos três pilares fundamentais para a definição e implementação de políticas públicas que efetivamente melhorem a qualidade de vida dos quase dois terços de europeus que vivem em cidades.

Embora se tenham promovido alguns estudos e indicadores, sobretudo nos últimos anos, quer a nível nacional quer a nível local, continuamos a ter dados desatualizados no tempo e pouco aprofundados, designadamente em termos de localização e de transversalidade da temática, bem como continuam a faltar estudos que relacionem os diversos indicadores.

O desconhecimento só agrava a pobreza e a exclusão social, dificultando a sua erradicação e a criação de medidas assertivas que a previnam.

A existência de dados fiáveis é essencial para retratar a diversidade de variáveis que é necessário considerar no desenho das políticas, permitindo a criação de medidas baseadas em evidências e que foquem as suas causas, procurando não só erradicar a pobreza como evitar novos casos de situação de pobreza.

Mais, o estudo e análise da pobreza, além de referenciado geograficamente, ao nível do quarteirão, deve ter uma abrangência mais ampla, entre as diversas áreas funcionais urbanas (centro, periferias, concelhos em redor, regiões vizinhas), ligando o território e as políticas urbanas.

A Câmara Municipal de Lisboa reconhece, nomeadamente através do apoio que tem dado aos diversos eventos e estudos ligados a este tema, que a pobreza existe em Lisboa e que tem de ser combatida, como se viu ao longo deste ano nas conferências “Encontros Imediatos de Muitos Degraus”, promovidas pelo já referido Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa.

Lisboa carece de uma Estratégia Local de Combate à Pobreza que cruze as diversas áreas de governação da cidade e que cruze os restantes planos e políticas municipais, procurando quebrar os ciclos intergeracionais da pobreza.

Considerando o exposto, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Extraordinária de 9 de outubro de 2018, delibere recomendar à Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 15.º conjugado com o n.º 3 do artigo 71.º, ambos do Regimento, o seguinte:

  1. A assunção do combate à pobreza como um dos objetivos da autarquia;
  2. O apoio na recolha, ou a recolha, de dados atualizados e territorialmente localizados (à escala do quarteirão) e na elaboração de estudos regulares que apoiem a luta contra a pobreza, com a disponibilização pública dos mesmos, visando o conhecimento aprofundado do fenómeno e das suas relações com outras áreas sectoriais;
  3. A construção de uma Estratégia Integrada de Combate à Pobreza em Lisboa, envolvendo todas as vereações desde o início do processo, incluindo a definição de metas mensuráveis e a calendarização de relatórios e avaliações;
  4. A disponibilização de recursos, técnicos e financeiros, para esta estratégia;
  5. A realização de campanhas de sensibilização para a temática da pobreza e da exclusão social, adaptadas a diversos públicos.

Lisboa, 08 de Outubro de 2018

Grupo Municipal

do Pessoas – Animais – Natureza

Miguel Santos                                                       
Inês de Sousa Real

[1]Designadamente, população coberta com prestações sociais, habitações com acesso aos serviços básicos, população com direito à posse da terra garantido, pessoas desaparecidas e afetadas por desastres, recursos destinados a programas de redução de pobreza e despesas em serviços essenciais (educação, saúde e proteção social), despesas com benefícios que afetam desproporcionalmente a mulheres, pobres e grupos vulneráveis, e indicadores que incluam pessoas que vivem na pobreza em todas as suas dimensões, de acordo com as definições nacionais.

[2]Em paralelo com a Inclusão de migrantes e refugiados, Qualidade do ar, Habitação, Economia circular, Empregos e competências na economia local, Adaptação de clima (incluindo soluções de infraestrutura verde), Transição energética, Uso sustentável da terra e soluções baseadas na natureza, Mobilidade urbana, Transição digital e Contratação pública inovadora e responsável.

[3]Agrupados genericamente em 3 capítulos: igualdade de oportunidades e acesso ao mercado de trabalho, condições de trabalho justas e proteção e inclusão sociais, repartidos por 20 princípios.

[4]Inquérito às Condições de Vida e Rendimento do, que se realiza desde 2004 e recorre a entrevistas presenciais

[5]O indicador estatístico sobre a população em risco de pobreza ou exclusão social liga a condição de risco de pobreza relativa com a privação material severa e de intensidade laboral ‘per capita’ muito reduzida.

[6]https://observatorio-lisboa.eapn.pt/ficheiro/Retrato-de-Lisboa_Infografia-01_2018.pdf.