A ONU[1] referiu-se esta semana uma “catástrofe humanitária global”, sem precedentes desde a 2ª Guerra Mundial, com 135 milhões de pessoas a enfrentar níveis de fome, e mais 130 milhões com a possibilidade de morrer por falta de alimentos, devido à Covid-19 e aos seus efeitos colaterais: se não conseguirmos dar assistência a estas populações, 300.000 pessoas podem morrer de fome por dia num período de 3 meses.
O aumento por todo o nosso país da procura de refeições e alimentos fornecidos pelas autarquias tem mostrado que também em Portugal muitas pessoas e famílias enfrentam sérias dificuldades para assegurar a sua alimentação, agravando-se a situação desde que começou a pandemia e foram sendo tomadas medidas de encerramento de atividades, que por sua vez levaram ao desemprego e/ou à diminuição de rendimentos.
Em maio de 2019, aproximadamente há um ano, num contexto económico distinto, de acordo com o Barómetro da Deco Proteste[2], já 77% das famílias portuguesas vivia com dificuldades económicas e 300 mil famílias viviam em situação de pobreza, um terço das famílias afirmava, à data, ter de fazer restrições na alimentação, destacando-se as famílias monoparentais, com 32% a viverem na pobreza e 60% com dificuldade para pagarem a conta do supermercado.
O Plano Municipal de Alimentação Escolar Saudável (PMAES) 2019- 2021 abrange a alimentação dos estabelecimentos escolares da rede pública do pré-escolar e do 1.º ciclo e tem por objetivos, em suma:
– A vontade de contribuir para melhorar a qualidade e quantidade das refeições escolares, com recurso à a confeção nas escolas, criando condições para o efeito nomeadamente através de obras, com reforço da transferência de competências para as Juntas de Freguesia, promovendo a sua integração na gestão do sistema de refeições nas escolas da sua área de influência;
– Promover hábitos alimentares saudáveis, para melhoria da saúde das crianças e famílias, através de novos hábitos alimentares.
O Grupo Municipal do PAN relembra que esta Assembleia Municipal aprovou a Recomendação 99/08 PAN – Por uma alimentação saudável, em fevereiro deste ano, a qual que tinha como universo abranger toda a cidade de Lisboa, não só as refeições escolares dos estabelecimentos públicos do pré-escolar e 1º ciclo, propondo em resumo:
– A elaboração de um diagnóstico da situação nutricional e alimentar da população do concelho;
– O desenho de uma Estratégia Municipal de Intervenção Alimentar e Nutricional;
– Otimizar a articulação entre as respostas presentes na comunidade no âmbito da literacia em saúde, alimentação saudável, promoção da atividade física e combate ao sedentarismo;
– A criação, dinamização e incentivo de campanhas de sensibilização e de formação para o aumento da literacia alimentar como prevenção da doença e capacitação de escolhas saudáveis e sustentáveis;
– A implementação de medidas contra o desperdício alimentar; incluindo nas escolas;
– Um programa de aulas de culinária com receitas saudáveis e económicas;
– E a identificação na comunidade de casos de malnutrição (sub e sobrenutrição) em colaboração com os Serviços de Ação Social e outros parceiros/ entidades.
A presente proposta de Plano Municipal de Alimentação Escolar Saudável (PMAES) 2019- 2021 refere ainda a importância de diminuir a pegada carbónica e de recorrer a uma alimentação adequada através de compras a cadeias curtas agroalimentares, bem como a conciliação da cozinha tradicional com as várias opções atuais.
O Grupo Municipal do PAN apresentou, em junho de 2019, a Recomendação 071/05 (PAN) – Incentivo a cadeias curtas agroalimentares na área metropolitana de Lisboa, votada por pontos, aprovados por maioria, exceto o ponto 7 que foi rejeitado e no qual propúnhamos “Estudar a criação de bolsas de terrenos agrícolas municipais para facilitar o acesso à terra, estimulando o aparecimento de novos produtores locais, fomentando as cadeias curtas agroalimentares, sobretudo nos alimentos perecíveis (hortícolas e frutícolas)”.
Assim, já há um ano, que esta Assembleia Municipal aprovou uma recomendação que, tal como o presente plano agora vem propor, dava preferência a cadeias curtas agroalimentares, pois de forma resumida recomendou à Câmara Municipal de Lisboa:
Ponto 1. Aumentar as áreas de hortas na cidade;
Ponto2. A regularização das hortas e produções individuais já existentes, pois estas localizam-se onde a população mais precisa delas;
Ponto 3 permitir a atribuição dos talhões das hortas urbanas a grupos organizados (coletividades, associações, grupos de cidadãs/ãos, ou outras entidades como lares, casas de repouso, escolas, etc.) permitir, o que neste momento seria de extrema importância;
Ponto 4 um Regulamento Municipal de Hortas Urbanas;
Ponto 5: a criação de pequenas unidades de produção, hortas, pomares, jardins no interior dos quarteirões da cidade e nas áreas permeáveis existentes;
Ponto 6: a criação de um portal de informação sobre os produtos produzidos nas hortas e pomares locais, integrados neste ecossistema;
Ponto 7: rejeitada;
Ponto 8. Promover uma maior sustentabilidade alimentar da cidade e o consumo de produtos sazonais através da criação de mecanismos de escoamento e de pequenos mercados junto às áreas das hortas e das futuras bolsas de terrenos.
O presente Plano Municipal de Alimentação Escolar Saudável (PMAES) 2019- 2021 refere a opção vegetariana unicamente nos seguintes quatro (4) momentos:
A- Relacionando a opção vegetariana com a interculturalidade e não como uma alimentação portuguesa ou mediterrânica, como se verifica
- Objetivos Operacionais e Indicadores/ Objetivo 2 ? Diversificar/melhorar as ementas – ponto 4 “incluir ementas interculturais/padrão alimentar vegetariano, dando a conhecer outros sabores e texturas”;
- “Workshops e ações de sensibilização” – “workshops de cozinha com preparações ao vivo por chef’s de cozinha com a finalidade de, entre outras opções (…) abranger e cativar populações oriundas de outras culturas e países preparando diferentes cozinhas ? vegetariano, indiano, africano, etc.” ;
B – “Na EB Maria Barroso, (…) têm semanalmente e de forma alternada, pratos de carne, de peixe e de ovo, e a opção vegetariano como alternativa não pontual. Há ainda alternativas diárias para situações de intolerâncias alimentares, opções religiosas/culturais, bem como as situações pontuais de dietas”;
C- No Capítulo Atividades e Ações, no qual estão descritas as atividades planeadas do Programa, entre elas consta a atividade A26 “Cozinhar com o VEGI”, Proporcionar ações de informação e aprendizagem de preparação e confeção de refeições saudáveis, para a Comunidade escolar, no Mercado Alfacinha / Escola Hotelaria e Turismo de Lisboa, de novembro 2018 a junho 2019, “ Workshops para toda a comunidade escolar, com temas variados de acordo com a época/ mês em causa (ex. páscoa, natal, carnaval, sobremesas, vegetarianos, etc) e orientados por Chef’s de cozinha e técnicos da área da alimentação”, colocando a opção alimentar vegetariana ao nível de uma festividade ou sobremesa.
Ora, considerando que diversos estudos[3] apontam para a necessidade de se reduzir o consumo de carne, nomeadamente o relatório elaborado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), uma organização no âmbito das Nações Unidas, que concluiu que[4]:
– As atividades da cadeia de produção de alimentos de origem animal (por exemplo, carne e laticínios) emitem maior quantidade de gases de efeito estufa (GEE), especialmente em sistemas de pecuária industrial intensiva, e sobretudo no que concerne a gado ruminante, devido a processos de fermentação entérica que são grandes emissores de metano;
– Alterar as dietas para uma diminuição da proteína animal, quando realizado numa escala substancial, alcançável, por exemplo, num plano de alimentação escolar, reduz a necessidade de criar gado e muda a produção de alimentos para animais para alimentos para pessoas e reduziria as emissões globais de GEE;
– Sabendo-se ainda que o consumo de carne contribui para o aumento de diversas doenças;
O Grupo Municipal do PAN propõe que o presente Plano reforce a componente de alteração dos padrões alimentares para a diminuição da proteína de origem animal.
Ainda relativamente ao Plano apresentado e em análise, verifica-se que as Atividades e Ações descritas que têm datas já decorreram todas na sua maioria entre 2018 e 2019, não estando nenhuma prevista para 2020 ou 2021, anos que o Plano também é suposto abranger, pelo que será necessário alterar o Cronograma e remeter novamente o Plano a esta Assembleia para conhecimento.
Mostra-se ainda necessária a adequação do Plano à nova realidade sanitária que vivemos, acautelando a previsão de medidas que promovam a devida prevenção face à possibilidade de contágio da Covid19, o que se procura alcançar com a presente proposta de alteração ao PMAES.
Face ao exposto, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Extraordinária de 28 de abril de 2020, delibere recomendar à Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 15.º conjugado com o n.º 3 do artigo 71.º, ambos do Regimento, no que ao Plano Municipal de Alimentação Escolar Saudável (PMAES) 2019- 2021 concerne, o seguinte:
- – Para evitar a propagação da Covid-19,
- – Determinar no âmbito do Plano os protocolos para disponibilização com segurança e higiene de fruta na “Cesta de Frutas VEGI” que não estão previstos no Plano;
- Alterar a medida que prevê aumentar o número de bebedouros disponíveis e ainda a medida de disponibilização de jarros de água, substituindo pelo fornecimento de garrafas de água reutilizáveis e pela criação de pontos de enchimento dessas garrafas;
- Alterar a medida que prevê a disponibilização de informação à comunidade com a distribuição de panfletos, folhetos ou fichas informativas, com pequenas dicas ou sugestões, por forma a diminuir o consumo de papel, substituindo por ações de formações, em formato on-line ou presenciais, e por informação disponibilizada através de meios digitais;
- Quanto à Monitorização e Avaliação, considerando que a Equipa Técnica no Departamento de Educação irá elaborar relatórios periódicos para aferir o cumprimento das metas do Plano e também o cumprimento das metas das Juntas de Freguesia, entre outras tarefas, passando os Relatórios semestrais de progresso e os Relatório anuais de Avaliação dos objetivos deste PMAES a ser remetidos a esta Assembleia Municipal;
- Considerando os diversos estudos que apontam para a importância ao nível ambiental e da saúde, alteração do Plano para que seja dada outra relevância à redução do consumo de carne, por exemplo através da introdução da “Segunda-feira sem carne”[5] nas escolas do município, movimento internacional, iniciado em 2003, numa colaboração entre o Center for a Livable Future (CLF) e o Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, com o objetivo de reduzir o consumo de carne em 15% por motivos de saúde e pela saúde do planeta.
Lisboa, 26 de abril de 2020
O Grupo Municipal
do Pessoas – Animais – Natureza
Miguel Santos – Inês de Sousa Real
[1] https://news.un.org/en/story/2020/04/1062272
[2] https://www.deco.proteste.pt/familia-consumo/orcamento-familiar/noticias/barometro-deco-proteste-300-mil-familias-portuguesas-vivem-na-pobreza, que avaliou o nível de vida com base na facilidade que estas têm ou não em fazer face a seis grandes conjuntos de despesas: habitação, saúde, alimentação, educação, mobilidade e tempos livres.
[3] https://www.healthline.com/health-news/eating-more-plant-protein-and-dairy-products-may-improve-heart-health; https://www.hopkinsmedicine.org/news/media/releases/the_johns_hopkins_hospital_launches_meatless_monday