.No nosso ordenamento jurídico têm vindo a ser introduzidas alterações em matéria de bem-estar animal designadamente através da Lei n.º 8/2017, de 3 de março de 2017, que alterou o Código Civil, o Código de Processo Civil e o Código Penal e que veio estabelecer um estatuto jurídico dos animais, no qual ficaram autonomizadas as disposições respeitantes aos animais e reconhecido que os mesmos “são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza”.
II.No entanto, são sistematicamente participados atos de crueldade praticados contra animais, que não apenas de companhia, e que habitam no meio urbano da cidade de Lisboa, designadamente contra pombos.
III.Com efeito, o Gabinete Municipal do PAN tem recebido inúmeras reclamações de munícipes referentes à captura e abate de pombos como método de controlo populacional na cidade de Lisboa, que motivaram a apresentação de recomendações e requerimentos que pugnam pela implementação efetiva de uma política ética de controlo desta população, através de uma rede de pombais contracetivos que tardou (e ainda tarda!) em chegar.
IV.É importante relembrar que os pombos urbanos são descendentes sinantrópicos do Pombo-das-Rochas, sendo a sinantropia uma relação de comensalismo, na qual os pombos se instalam nos
povoamentos humanos e beneficiam das condições criadas pelas atividades humanas, retirando daí vantagens como abrigo, acesso a alimento, água. Não se tratam de animais domésticos, mas não são por certo uma praga equiparada a lixo, contrariamente ao que tem sido afirmado, sendo de repudiar a forma como a autarquia lisboeta insiste em tratar estas aves.
V.Com efeito, já tivemos oportunidade de expressar a nossa posição em anteriores recomendações, quanto à importância da implementação de uma política de bem-estar animal e consequente adoção de medidas. Infelizmente foram rejeitadas quase na sua totalidade num absoluto alheamento das forças políticas relativamente à perceção que grande parte da sociedade civil assume com estes animais. Também a Provedoria dos Animais de Lisboa ou mesmo movimentos de cidadãos têm vindo a público numa tentativa sempre lograda de implementação de um manual de boas-práticas, já reconhecidas internacionalmente.
VI.Ressaltamos a posição já assumida pela anterior Provedora dos Animais, Dra. Marisa Quaresma dos Reis, em 2018, que apresenta, entre outras, as seguintes conclusões: é necessário controlar a população de pombos na cidade de Lisboa utilizando meios que aliem a ética à eficácia; existe muita informação não assente em dados científicos acerca dos pombos, designadamente, sobre o seu real e efetivo perigo para a saúde pública; a sensibilização e formação da população e das autarquias acerca do problema dos pombos é fundamental; a população de pombos na cidade de Lisboa não preenche os requisitos para a sua classificação como “praga biológica” e que é necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre o respeito pelo bem-estar dos pombos, a higiene da cidade de Lisboa e o bem-estar dos munícipes.
VII.Assim e tendo por base o parecer do Prof. Doutor Luís Vicente, o mesma conclui recomendando à Câmara Municipal de Lisboa:
“1) Que os pombos deixem de ser associados ao conceito de “praga”, preferindo-se a designação “pombos urbanos” e que toda a informação da Direção de Higiene Urbana reflita esse entendimento;
2) Que o recurso a serviços falcoeiros como medida de espantamento de pombos seja cancelado, investindo-se o valor de custo deste serviço na conceção de novos pombais contracetivos na cidade de Lisboa;
3) Que se adote uma política de contraceção integrada, envolvendo voluntários que queiram participar na substituição de ovos naturais por ovos de plástico;
4) Que seja criado um projeto de pombal contracetivo portátil através do FABLAB que poderá ser utilizado pelos munícipes e colocado em locais estratégicos da cidade como medida complementar aos pombais já projetados;
5) Que se proceda à troca de ovos em ninhos já existentes na cidade e de fácil acesso;
6) Que sejam criados módulos de formação para as juntas de freguesia e para o munícipe que visem sensibilizar e esclarecer a comunidade sobre medidas éticas de afugentamento e evitamento de aves, bem como de ajuda à contraceção das mesmas, sempre que a sua presença seja indesejável;
7) Que seja estudado o raio de influência de cada pombal contracetivo a fim de ser determinado o fim da medida de captura e abate de pombos nessas mesmas áreas;
8) Reconhecendo a impossibilidade real de impedir a alimentação não autorizada destas aves, que sejam definidos pontos de alimentação autorizados para pombos, preferencialmente junto dos
pombais contracetivos, podendo eventualmente o alimento vir a ser fornecido pela Câmara Municipal de Lisboa;
9) Recomenda-se, por fim, que seja analisada a possibilidade de rever o ponto 1, do art.º 60° do Regulamento de Resíduos Sólidos da Cidade de Lisboa em consonância com esta medida e de acordo com a nova realidade dos programas CED e da lei de 69/2014, bem assim como a possibilidade de se aumentarem as coimas para os prevaricadores.”
VIII.Ora e não obstante a posição assumida pela então Provedora e a perspetiva que a sociedade civil em geral tem sobre os pombos, nada mudou. Com efeito, na orgânica que define e regula a organização, estrutura e funcionamento dos serviços do Município de Lisboa, constante do Despacho n.º 8499/2018, publicado no Diário da República n.º 169/2018, Série II de 2018-09-03, os pombos continuam a ser conotados como pragas urbanas e integrados na Divisão de Limpeza Urbana como se de lixo se tratassem.
IX. Deste modo, consideramos absolutamente fundamental, que estas aves sejam consideradas como animais integrados na biodiversidade da cidade, e não de forma abusiva como “praga biológica”, assegurando-se o equilíbrio entre o respeito pelo bem-estar dos pombos que habitam no meio urbano, os munícipes e a higiene da cidade de Lisboa.
Em face do exposto, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão de 11 de julho 2023, delibere recomendar à Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo do
disposto na alínea c) do artigo 15.º conjugado com o n.º 3 do artigo 71.º ambos do Regimento, o seguinte:
1. Que os pombos deixem de ser reconduzidos e integrados no conceito de “praga”, sendo reconhecidos como integrados na biodiversidade de Lisboa;
2. Que a política de controle e bem-estar da população de pombos passe a estar integrada na Direção Municipal do Ambiente, Estrutura Verde, Clima e Energia, ao invés de se encontrar na atual Divisão de Limpeza Urbana da Direção Municipal de Higiene Urbana.
Pelo Pessoas- Animais – Natureza
António Morgado Valente
(DM PAN)
Nota: Esta recomendação foi rejeitada com os votos contra do PS, PSD, MPT e Chega