Considerando que:
I. De acordo com um artigo de opinião publicado a 12 de março de 20181, segundo o Censos, existiam em Portugal cerca de 163 mil pessoas com deficiência visual, tendo o Presidente da Associação Promotora do Ensino dos Cegos (APEC), Vítor Graça, afirmado que “havia muitas pessoas cegas a viverem fechadas em casa e a precisarem de ajuda para tudo, desde vestir, comer ou andar na rua”.
II. A APEC foi a primeira instituição a ministrar educação às crianças cegas em Portugal e lançou em 2017 o projeto “Inclusão Social para maior Qualidade de Vida da População DV”, que teve como principal objetivo apresentar “soluções inovadoras” para dar mais oportunidades de inclusão social, no sentido de “resolver a lacuna existente em Portugal, relativamente às condições em que vivem as pessoas com deficiência visual”.
III. Conforme referiu o Presidente da APEC, “A escassez de serviços e respostas sociais de proximidade, de prevenção da exclusão social e negligência é um problema ainda existente que aumenta exponencialmente os riscos que vão muito para além das limitações próprias da perda de visão”.
IV. Ora, uma das formas de combater o isolamento e melhorar a qualidade de vida das pessoas portadoras desta deficiência visual, é designadamente o recurso aos cães-guia, os quais concedem autonomia, segurança, confiança e liberdade de deslocação a quem deles precisa, a par de permitir aos seus tutores ganhos comprovados na sua autoestima, a par dos laços afetivos geradas com o próprio animal.
V. Até 1995 Portugal era dos poucos países da União Europeia que não contava com uma Escola de Cães-guia para cegos, e em 1996, nasceu a primeira escola portuguesa de Cães-guia, a Associação Beira Aguieira de Apoio ao Deficiente Visual (ABAADV), Escola de Cães-guia para Cegos de Mortágua, aliás a única a formar cães-guia em Portugal, num país que não dispunha desta ajuda técnica para os deficientes visuais2.
VI. Este projeto nasceu da persistência de meia dúzia de pessoas, apoiado por um programa comunitário, e agora depende de um subsídio da Segurança social, do apoio da Câmara Municipal de Mortágua, de Patrocinadores e de algumas centenas de sócios quer individuais quer coletivos e resultou do empenho de Júlio Paiva, professor de Mobilidade, que está habilitado a lidar com cegos e com a problemática da orientação e locomoção, de Filipa Paiva e João Pedro Fonseca ambos veterinários, este último ligado à Escola Profissional Beira Aguieira juntamente com a Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO).
VII. Visitando a página da respetiva associação, concretamente os critérios de Seleção e Admissão para efeitos de Entrega de cão-guia3, é necessário que o candidato reúna cumulativamente os seguintes requisitos:
a. Ser sócio da ABAADV;
b. Ser totalmente cego/a ou possuir somente perceção luminosa ou visual, mas não suficiente para ser utilizada nas deslocações.
c. Ter uma idade compreendida entre os 18 e os 65 anos.
d. Não possuir uma deficiência adicional ou doença crónica que impeça o estabelecimento de uma relação normal com o cão e com o ambiente.
e. Possuir capacidades de orientação e técnicas de mobilidade que permitam deslocar-se no ambiente urbano da sua residência e área onde exerça a sua atividade.
f. Não exercer a mendicidade.
g. O/A candidato/a deverá possuir um modo de vida com um propósito construtivo e terá de demonstrar em que medida e de que forma tem necessidade de um Cão-guia.
VIII. Desde 1999 até ao momento, já foram entregues 230 cães dos quais 130 estão no ativo, mas a lista de interessados em ter um destes animais ainda inclui cerca de 40 nomes que esperam entre 2 a 3 anos pelo seu Cão-guia, no entanto, a Escola de Cães-guia de Mortágua não consegue, por enquanto, atribuir mais do que dezasseis animais anualmente.
IX. De acordo com a informação que nos foi disponibilizada pela ABAADV, neste momento estão atribuídos 130 cães-guia no concelho de Lisboa.
X. Em suma, o cão-guia deve proporcionar ao seu tutor absoluta autonomia e segurança quando em movimento, adaptando-se também ao seu ritmo de caminhada, obedecendo aos comandos do dono para evitar um perigo real.
XI. Além disso, é importante que o animal de estimação esteja em excelente estado de saúde e não seja acometido por nenhuma doença, que exija maiores cuidados para que a pessoa com deficiência visual possa cuidar facilmente do cão-guia.
XII. Deste modo, e não obstante a mais valia que a atribuição de uma cão-guia possa representar para uma pessoa portadora desta deficiência visual, não nos podemos esquecer que e para além das demais condições previstas no Acordo para Entrega de Cão-guia Para Cegos, há obviamente a obrigação geral de o seu tutor assegurar os normais cuidados médico-veterinários ao animal que lhe foi atribuído, como sucede em relação aos demais animais de companhia.
XIII. Assim e conforme temos vindo a reivindicar ao longo dos mandatos, é uma das bandeiras do PAN, a comparticipação de “despesas relativas à prestação de serviços veterinários e a criação de hospitais veterinários públicos” e no caso pontual de Lisboa, um Hospital Veterinário Municipal para animais detidos por pessoas em situação de especial vulnerabilidade socioeconómica.
XIV. Por essa razão e até à sua plena implementação, julgamos que era importante apoiar as pessoas portadoras de deficiência visual, pelas dificuldades que algumas delas possa estar a passar na atual conjuntura.
XV. Na verdade, a Câmara Municipal de Lisboa e a Ordem dos Médicos Veterinários (OMV), assinaram um Protocolo no âmbito do Programa Nacional de Apoio à Saúde Veterinária para animais em risco, nomeadamente de cães e gatos, destinado a animais de famílias carenciadas residentes no Município de Lisboa, com situação de carência devidamente identificadas segundo a legislação em vigor.
XVI. No entanto, no âmbito do referido protocolo e para efeitos do disposto no artigo 6.º da Lei 13/2003, de 21 de maio, o facto é que apenas são elegíveis os beneficiários do rendimento social de inserção, o que na prática deixa de fora muitas pessoas carenciadas, e no caso concreto pessoas portadoras de deficiência visual numa situação já por si de maior vulnerabilidade socioeconómica.
XVII. Assim e apesar de o programa Cheque Veterinário ter sido criado com o objetivo de suprir as atuais necessidades, possibilitar apoio social para uma franja desfavorecida, criar uma dinâmica de comunidade e contribuir para o alcance das metas de proteção e bem-estar animal que o Município deveria criar para si próprio, indo ao encontro das exigências da própria comunidade, ficou muito aquém do desejado.
XVIII. Em face do que se disse e havendo neste momento cerca de 130 cães-guia no concelho de Lisboa, julgamos de elementar justiça social, baseada no compromisso público com os princípios da igualdade, distribuição, redistribuição e respeito pela diversidade, a prestação de cuidados médico-veterinários aos cães-guia de munícipes que comprovadamente aufiram baixos rendimentos, mas que não se sejam elegíveis no âmbito do referido programa Cheque Veterinário.
Em face do exposto, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Extraordinária de 16 de abril de 2024, delibere recomendar à Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 15.º conjugado com o n.º 3 do artigo 71.º ambos do Regimento o seguinte:
I. Que sejam prestados por parte do município, cuidados médico-veterinários aos cães-guia de munícipes que comprovadamente aufiram baixos rendimentos, mas que não se sejam elegíveis no âmbito do referido programa Cheque Veterinário, designadamente que aufiram a Remuneração Mínima Mensal Garantida (RMMG) ou pensão de invalidez, ou ainda, que aufiram rendimentos que não lhes permitam recorrer aos cuidados médico veterinários indispensáveis, comprovados através de documento idóneo, designadamente, através de recibos de renda.
II. Que e enquanto não existir uma outra estrutura municipal com a capacidade de prestar assistência e cuidados médico-veterinários aos referidos animais, designadamente um Hospital Veterinário Municipal, tal obrigação fique a cargo da Casa dos Animais de Lisboa.
III. Que seja dado conhecimento da presente Recomendação à Associação Beira Aguieira de Apoio ao Deficiente Visual (ABAADV), à ACAPO – Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal, à Associação de Apoio e Informação a Cegos e Amblíopes, à Associação Promotora do Ensino dos Cegos e à Associação Promotora de Emprego de Deficientes Visuais.
Lisboa, 16 de abril de 2024
O Grupo Municipal
do Pessoas – Animais – Natureza
António Morgado
(DM PAN)
Nota: A Recomendação foi aprovada por unanimidade no primeiro ponto e por maioria no segundo