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Suspensões à la carte

O Plano Diretor Municipal assume-se como um dos mais importantes instrumentos autárquicos, devendo ser delineado de forma a acomodar uma política de ordenamento do território que consiga garantir as condições para o desenvolvimento equilibrado do concelho.

A estruturação do território e a definição dos parâmetros de edificabilidade resultam de um processo complexo, multidimensional e em constante permutação, face às alterações demográficas, sociais e económicas, sem nunca descurar a sustentabilidade ambiental nestas decisões.

Atendendo à complexidade dessas matérias e aos possíveis impactos exige-se rigor e compromisso para que não se incorra no erro de descaracterizar a identidade da comunidade e do seu território ou colocar pressão desproporcional em determinadas áreas, mas o que vimos a assistir é à leviandade e recorrência com que se suspende as políticas de planeamento e ordenamento do território, de forma a acomodar os interesses privados.

Os princípios orientadores da gestão do território deixam de ser honrados e cumpridos assim que valores (económicos) mais altos se levantam, e suspende-se sem qualquer respeito ou cautela por todos os demais factores vertidos nos PDM, como as exigências ambientais.

Esta semana, foi divulgado em Jornal Oficial a suspensão do PDM da Ribeira Grande, de modo a ser possível avançar com a construção de um empreendimento turístico privado, mas que concorrerá aos programas de incentivos financeiros públicos comunitários, que ocupará perto de 850 mil m2, o que equivale a cerca de 78 campos de futebol, na vertente norte da Reserva Natural da Lagoa do Fogo.

Já em 2018, o executivo camarário da Ribeira Grande procedeu à suspensão, por um período de dois anos, do PDM, com o desígnio de admitir a construção de uma fábrica para exploração da água das Lombadas.

Com um POTRAA já prescrito e em processo de reavaliação e as constantes suspensões dos PDM, feitas à medida e “à lá carte”, está-se a comprometer o ordenamento do território e a gestão urbanística da paisagem, deixando o sector sem regulação no que concerne ao investimento em unidades hoteleiras e outras tipologias de alojamento turístico.

Os governantes açorianos, sejam do poder local ou regional, não estão verdadeiramente preocupados com a sustentabilidade, a longo prazo, do nosso destino turístico, e isso é manifesto nas repetidas suspensões do Planos de ordenamento e gestão do território, tornando-se permeáveis aos grupos de interesses e às intenções dos privados, que não ser coincidentes ou concomitantes com o verdadeiro interesse público.

Não precisamos de mais obras megalómanas e mais hotéis de cinco estrelas (não aprendemos com o Hotel das Sete Cidades?!), não precisamos de mais campos de golfe, quando os já existentes são oneroso encargo para as finanças públicas.

Estamos a caminhar, a passos largos, para a desfiguração do nosso património natural em nome de um turismo que se quer sustentável, que se apregoa sustentável, mas que de sustentável pouco terá perante estas reiteradas decisões e suspensões à lá carte.