A implantação da República espelhou uma mudança de paradigma, com apresentação de iniciativas que visavam terminar com as corridas de touros e que culminaram com a sua abolição em 1919 (Decreto nº 5650, de 10 de maio).
Porém, durante o Estado Novo assistiu-se ao repristinar das touradas – foram organizadas manifestações populares que a ditadura utilizou para implementação de um novo padrão cultural, sob o qual pretendia unificar a população, a par da exaltação da época das Descobertas, dos diversos historicismos, do romantismo, da pintura de costumes, do ruralismo, da casa portuguesa, entre outros.
Em 2014 o Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, responsável pelo cumprimento da Convenção dos Direitos da Criança, instou o Estado português a adotar medidas para afastar as crianças e jovens daquilo que classificou como a “violência das touradas”.
No relatório periódico de avaliação a Portugal, este Comité plasmou a tauromaquia no capítulo “violência contra crianças”, a par dos castigos corporais, abuso e negligência, tendo os seus membros assumido sérias reservas no que respeita ao bem-estar físico e psicológico das crianças envolvidas, mais especificamente nas escolas de toureio, mas também em relação às crianças que ficam na bancada.
Em 2016, o então provedor do telespectador, Jaime Fernandes, em audição pela Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto esclareceu que a transmissão de touradas pelo canal de serviço público RTP1 foi o principal motivo de queixas dos telespectadores durante o ano de 2015: das 14.935 mensagens que recebeu em 2015, 8.280 foram contra a transmissão de touradas, equivalente a 55% do total de queixas, tendo acrescentado que “a transmissão de touradas não é serviço público”.
Em 2018 foi publicada uma sondagem promovida pela Universidade Católica, cujos resultados aqui se expressam:
- 89% dos lisboetas nunca assistiram a uma tourada no Campo Pequeno desde a sua reabertura em 2006;
- 75% são contra a utilização de dinheiro público para financiar touradas, o que inclui subsídios, isenção de taxas e benefícios fiscais;
- 69% dos cidadãos de Lisboa não concorda com a promoção de touradas no Campo Pequeno;
- 96% concordam que a praça de touros deve acolher outros eventos (não relacionados com touradas);
- Uma relevante maioria não concorda com o apoio da autarquia a esta atividade (64%) ou por parte da Casa Pia (69%).Dos resultados apurados, naturalmente se conclui que as corridas de touros não constituem uma parte da identidade cultural da cidade, nem tão pouco a nível nacional.
Dos 193 países existentes, em apenas 8 subsistem práticas tauromáquicas – Portugal, Espanha, França, México, Colômbia, Peru, Venezuela, Equador e Costa Rica.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 8/2017, foi reconhecido aos animais “natureza de seres vivos dotados de sensibilidade”, constituindo a permissão de touradas uma exceção hipócrita do legislador português.
A história da Humanidade evolui com a mentalidade de quem nela participa, abolindo-se práticas e atos bárbaros que ficaram retidas no crivo ético das sociedades.
A palavra Cultura encontra a sua origem no latim, nos termos cultura/ae e colere, que significavam cuidar, cultivar e crescer. Cuidar, crescer no sentido evolutivo e da ideia de cultivar a mente é antagónico com o conceito de prática tauromáquica.
O direito a não ser torturado deve ser um direito primário de aplicação sem reservas a todos os seres vivos sencientes (…). A tourada não é um modo de vida, não é uma marca distintiva de Portugal e do seu povo – é, outrossim, um mau hábito em declínio que deve ser totalmente erradicado e não abusivamente denominado de tradição.
O Grupo Municipal do PAN apresenta este voto de protesto, em particular, perante a realização de touradas na Praça do Campo Pequeno e garante que continuará a lutar para que Lisboa seja declarada cidade livre de sofrimento animal, sendo elevada a cidade Anti Taurina.
Dado o exposto, o Grupo Municipal do PAN, ao abrigo do disposto n. º1 do art. 47º do Regimento, propõem à Assembleia Municipal de Lisboa, que na sua sessão extraordinária de 19 de Julho de 2002, delibere:
- Protestar contra as atividades tauromáquicas que não se compadecem com o interesse à vida, à liberdade e à integridade física dos touros. Uma atividade perigosa e violenta que levou à pronúncia por parte do Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas que em fevereiro de 2014 instou o Estado Português a adotar medidas de “sensibilização sobre a violência física e mental, associada à tauromaquia e o seu impacto nas crianças;
- Protestar contra uma atividade, na qual os animais são atacados de forma intencional e premeditada para entretenimento dos poucos que ainda a defendem;
- Protestar contra o facto de Lisboa, como capital de Portugal, deveria ser o exemplo de uma cidade livre de sofrimento animal, a par de outros municípios, como Viana do Castelo, Peniche, Santa Maria da Feira, Póvoa do Varzim, Cascais e mais recentemente Albufeira;
- Dar conhecimento deste voto a todas as organizações que ativamente protestam contra a realização de touradas no Campo Pequeno: o Movimento Acção Directa, a Plataforma Basta, a Associação Animal, o Movimento Anti-Touradas Portugal, Liga Portuguesa dos Direitos dos Animais, Animal Save and Care Portugal, FALA – Frente de Ações pela Libertação Animal.
Lisboa, 19 de julho de 2022,
O Grupo Municipal
do Pessoas – Animais – Natureza
António Valente
(DM PAN)
Este Voto foi rejeitado com votos contra do Chega, PPM, Aliança, CDS, PSD e PCP (40) e contou com os votos a favor do Livre, BE, Independentes, 11 Deputados do PS, IL e PAN (25) e 6 abstenções (1 IL e 5 PS)