Exposição de motivos
Nos últimos meses verificou-se em Hong Kong um conjunto de acontecimentos que representam um retrocesso sem precedentes no tocante aos direitos humanos e liberdades individuais nesta antiga colónia britânica, que dispõe de um estatuto de região administrativa especial. Depois da repressão brutal de manifestações dos cidadãos para impedir que se operassem os referidos retrocessos e, não obstante de essa oposição ter sido manifestada nas ruas e nas urnas, acabou por ser aprovada pela Assembleia Popular Nacional da China, no passado mês de Junho, uma nova lei de segurança nacional para Hong Kong que, entre outros aspectos, prevê a criação de uma agência de segurança nacional naquele território, o reforço dos poderes dos tribunais estaduais, a prisão perpétua para actos de secessão, subversão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras, perigosas disposições sobre a sua aplicação fora do território de Hong Kong e a limitação e maior supervisão da actividade dos jornalistas e órgãos de comunicação social. Estas alterações põem ainda mais em risco os direitos e liberdades dos activistas e forças da oposição, havendo já neste momento diversos activistas pró-democracia que estão detidos ao abrigo deste novo enquadramento legal.
Todo este contexto, associado ao adiamento desproporcional das eleições do Conselho Legislativo de Hong Kong e à rejeição arbitrária de candidaturas de activistas pró-democracia (com base na nova lei de segurança nacional), poderá representar uma violação dos compromissos da China com a comunidade internacional no sentido de respeitar o princípio de “um país, dois sistemas”.
Em 12 de Novembro de 2019, aquando da repressão das manifestações pró-democracia em Hong Kong, a Assembleia da República aprovou em reunião plenária um voto[1] de preocupação pela situação no território de Hong Kong, apresentado pelo PS, onde expressou “o seu profundo pesar pelas vítimas mortais dos protestos em Hong Kong” e apelou “ao diálogo e à procura de soluções pacíficas para a resolução do conflito e ao reconhecimento da importância de se encontrarem os compromissos políticos necessários para inverter a escalada da violência”. Na exposição de motivos desse voto considerava-se que a lei que previa a possibilidade de extradição para a República Popular da China, que esteve na origem dos protestos, punha “em causa o regime especial de direitos, liberdades e garantias que define a especificidade da região de Hong Kong” e considerou a reivindicação pela democratização das instituições políticas como um tema fundamental.
Em 13 de Julho de 2020, já após a aprovação e entrada em vigor da nova lei de segurança nacional de Hong Kong, o anterior Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva[2], na sequência da reunião do Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia e expressando a posição oficial do Governo português, afirmou a sua “preocupação com o facto de a República Popular da China ter adoptado uma lei de segurança nacional e ter imediatamente implementado essa lei que, do nosso ponto de vista, não é conforme nos termos nos quais foi negociada a passagem da soberania britânica para a soberania chinesa sobre Hong Kong […] nem é conforme com o princípio «Um país, dois sistemas» e, pelo contrário, põe seriamente em risco esse princípio”.
Finalmente, em 28 de Julho de 2020, o Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia[3] considerou que as recentes acções da China relativamente a Hong Kong e a lei de segurança nacional de Hong Kong não respeitavam os compromissos internacionais assumidos pela China, afirmou o apoio da União Europeia ao elevado grau de autonomia de Hong Kong no âmbito do princípio “um país, dois sistemas” e a sua solidariedade para com a população de Hong Kong, ao mesmo tempo que estabelecem um pacote coordenado de medidas de resposta em vários domínios. O Conselho alertou ainda para o facto de esta conduta da China pôr em causa a confiança no âmbito das suas relações com a União Europeia e decidiu aprovar um pacote coordenado em resposta à imposição da nova lei da segurança nacional de Hong Kong que, entre outras coisas, prevê a limitação das exportações de equipamentos e tecnologias sensíveis específicos para uso final em Hong Kong (em particular quando houver motivos para suspeitar de utilização indesejável relacionada com repressão interna, intercepção de comunicações internas ou cibervigilância), a garantia da observação contínua dos julgamentos de activistas pró-democracia em Hong Kong e a avaliação das implicações da nova lei de segurança nacional no âmbito das políticas nacionais de asilo, migração, vistos e residência, nos acordos de extradição e outros acordos pertinentes celebrados entre os Estados-Membros da União Europeia e Hong Kong.
Os efeitos da nova lei da segurança nacional de Hong Kong, já se fazem sentir relativamente à comunidade portuguesa, conforme se viu com a detenção de um cidadão português, de 40 anos, professor no Royal College of Music, por suspeitas do crime de sedição, por ter publicado em redes sociais conteúdos que as autoridades de Hong Kong considerarão “incitar à violência” ou “trazer ódio” ao território.
Assim, tendo em conta que a nova lei de segurança nacional para Hong Kong (pelo seu conteúdo e processo de aprovação) trouxe fortes ataques aos mais básicos princípios do estado de direito democrático, põe conforme já vimos em causa os direitos fundamentais dos cidadãos portugueses naquela região e poderá constituir uma violação dos compromisso assumidos pela China com a comunidade internacional, o PAN propõe também que o Governo, seguindo o exemplo de países como o Reino Unido, a Alemanha, a França, os Estados Unidos da América, do Canadá, da Nova Zelândia e da Austrália, tome todas as diligências necessárias para assegurar a suspensão imediata do acordo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, da República Popular da China, relativo à Entrega de Infractores em Fuga, concluído em Hong Kong a 24 de Maio de 2001 e em vigor desde dia 7 de Novembro de 2004.
Sublinhe-se que a possibilidade de suspensão deste acordo está prevista no seu número 3, do artigo 19.º, que estabelece que qualquer das partes o pode, a todo o momento, suspender, mediante aviso por escrito enviado pelo representante consular da República Portuguesa na Região Administrativa Especial de Hong Kong ao Ministério da Justiça da Região Administrativa Especial de Hong Kong, tendo a suspensão efeito à data de recepção do aviso; e que a Assembleia da República detém competência legislativa para levar a cabo as diligências necessárias para assegurar essa suspensão de vigência ao abrigo do disposto no artigo 161.º, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República aprove a seguinte Proposta de Resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea i), do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, aprovar a suspensão de vigência do Acordo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, da República Popular da China, relativo à entrega de infractores em fuga, assinado em Hong Kong em 24 de Maio de 2001, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 53/2004, de 21 de Julho, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 36/2004, de 21 de Julho.
Assembleia da República, Palácio de São Bento, 15 de Novembro de 2022
A Deputada,
Inês de Sousa Real
[1] Voto n.º 50/XIV/1.ª, disponível em: https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/Detalhe-Votos.aspx?BID=113894&ACT_TP=VOT.
[2] Declarações disponíveis em: https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/ue-preocupada-teme-riscos-de-lei-da-seguranca-nacional-em-hong-kong-612877.
[3] Conclusões disponíveis na seguinte ligação: https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2020/07/28/hong-kong-council-expresses-grave-concern-over-national-security-law/.