O estudo “Regadio 2030: Levantamento do Potencial de Desenvolvimento do Regadio de Iniciativa Pública no Horizonte de uma Década”, coordenado pela Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva, S.A. (doravante EDIA), enuncia ter como “objetivo contribuir para a identificação e caracterização dos investimentos a realizar no âmbito do regadio público, em Portugal Continental, quer aqueles cuja realização possa ser realizada no horizonte de uma década, bem como a identificação de ações cuja maturidade incipiente implica que a sua implementação só possa ser realizada no decénio seguinte”.
Este trabalho tem como intuito ser a base para o programa nacional de regadios para a próxima década. Refere o mencionado estudo que “as ações identificadas implicam a realização de investimentos, quer em regadios existentes, quer em novos regadios, que poderão a curto e médio prazo ascender aos 787 milhões de euros, e que a longo prazo ultrapassarão largamente o valor de 1.988 milhões de euros, o qual foi obtido não contabilizando um conjunto numeroso de projetos cuja imaturidade não permite uma estimativa orçamental sustentada”.
Ou seja, o valor anunciado será para o melhoramento de regadios existentes em todas as regiões do país e a criação de novos regadios. A EDIA defende a replicação do modelo do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA), que refere como “um caso de reconhecido sucesso que ultrapassou as melhores expectativas”, com uma expansão das “áreas regadas por aproveitamentos hidroagrícolas de 127 mil hectares (ha), 134 mil se forem implementadas todas as ações propostas – excluindo eventuais áreas em regime precário”, conforme denuncia a associação ambientalista Zero, em comunicado emitido a 18 de janeiro de 2022.
Acrescenta a Associação no referido comunicado que dos “99 novos regadios, mais de 20 irão afetar áreas em Rede Natura 2000, conflituando com os compromissos de conservação” e ainda que “um terço dos projetos para novos regadios integram áreas classificadas, incluindo Zonas de Proteção Especial (ZPE) e Zonas Especiais de Conservação (ZEC) pertencentes à rede Natura 2000. As sobreposições abrangem várias áreas da Reserva da Biosfera Meseta Ibérica, dois Parques Naturais (Vale do Tua e Douro Internacional), sete ZPE e doze ZEC”.
O estudo é considerado pelas associações ambientalistas como profundamente setorial, com objetivos meramente económicos, apontando o investimento público para os regadios coletivos de iniciativa estatal e as monoculturas em grande escala.
Quando o próprio Tribunal de Contas Europeu alertou para o facto de que mais de metade do nosso território corre o risco de seca extrema e aponta para os efeitos negativos da agricultura intensiva e de práticas como o regadio em zonas em que a escassez de água será cada vez maior, bem como para a insustentabilidade das políticas públicas e falta de um plano nacional de combate à desertificação, deveríamos perceber a urgência da adoção de medidas tendentes ao abandono da monocultura e apostar na agricultura diversificada.
O modelo de produção agrícola maioritariamente praticado é nocivo para pessoas, animais e ambiente, assentando em métodos intensivos e superintensivos de cultivo, como são exemplos as culturas de olival, amendoal e do abacate, dependente de quantidades de água absolutamente insustentáveis, dependente do regadio e dos pesticidas aplicados, demonstrando uma diminuição da resiliência das culturas a infestações e uma menor capacidade de adaptação às alterações climáticas, comprometendo assim a nossa soberania alimentar.
Em fevereiro de 2021, um grupo de investigadores da Universidade de Évora alertou, numa audição realizada na Comissão de Agricultura e Mar, que “o progressivo aumento da agricultura intensiva no Alentejo tem vindo a pôr em causa a sustentabilidade e equidade no acesso à água, recurso precioso numa região em que é tão escassa”, defendendo a realização de Avaliações Ambientais Estratégicas.
Neste sentido, e tendo em conta o problema da crescente escassez de água, o trabalho desenvolvido pela nossa comunidade científica e a defesa do futuro da nossa agricultura, o PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA entende que é fundamental a realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) antes de serem efetuadas alterações de ocupação do solo significativas, sobretudo em áreas ocupadas por sequeiro-regadio.