Para o PAN, a legislação ambiental precisa de ter dentes

Entrevista de André Silva para a Visão | 22 de Agosto de 2019

A fama de madrugador precede-o e ainda antes da hora combinada (9h00) lá estava André Silva, na cave da sede do Pessoas-Animais-Natureza (PAN), na Av. Almirante Reis, em Lisboa, a despachar as primeiras tarefas de uma terça-feira, 20, que se previa agitada. Em entrevista à VISÃO, a pouco mais de um mês das legislativas, todos os esforços são poucos para chegar a mais eleitores, e o deputado único do partido que ameaça as forças tradicionais vai andar pelo País para apresentar um programa que se adivinha, de novo, para lá de controverso.

O PAN pretende apertar a malha às empresas poluidoras e pôr travão ao turismo sempre que este representar mais emissão de gases com efeito de estufa junto à costa portuguesa. André Silva admite entendimentos com o PS, mas não se deixa seduzir pelas narrativas “verdes”, “azuis” ou “amigas do ambiente” de António Costa.

O cabeça de lista do PAN às europeias, Francisco Guerreiro, afirmou, em entrevista à VISÃO, que “não existia um partido ecologista antes de o PAN estar no Parlamento”, porque o PEV nunca apresentou um programa a eleições. Subscreve? É factual que “Os Verdes” nunca se apresentaram sozinhos a eleições. Assim como é um facto que para qualquer partido o objetivo é reforçar-se, crescer, e esse nunca foi um objetivo do PEV. Nunca o campo político do ambientalismo teve uma força que o representasse em Portugal.

Quando chegou ao Parlamento, em 2015, algumas propostas e posicionamentos do PAN geraram caricaturas, piadas e até alguma sobranceria de colegas de outras bancadas. Ainda sente isso? Sim, ainda vou sentido algum paternalismo, alguma arrogância, mas isso advém da falta de conhecimento e de consciência dessas pessoas ou desses partidos para os problemas atuais. Por vezes, a pessoa ou o partido que estão a fazer o debate sobre determinados assuntos acham que estes não são importantes. São essas pessoas e esses partidos que estão a chegar tarde e que ainda não estão no século XXI.

Colaram-vos os rótulos de radicais, totalitários e populistas. O caso dos cães de caça, por exemplo, fez com que ficassem debaixo de fogo. O PAN tem ou não um problema com o mundo rural, como defendeu Miguel Sousa Tavares? Todos os movimentos ou partidos que trazem ideias novas e visões progressistas são, numa primeira fase, atacados. É isso que está a acontecer com o PAN e é sinal de que as mensagens estão a mexer com vários interesses instalados ou com formas de consciência um pouco retrógradas. Não temos rigorosamente nada contra o mundo rural, a minha família vem toda do mundo rural, mas temos, sim, contra a forma como estamos a gerir o território, a forma insustentável como fazemos agricultura e a forma anacrónica, e até medieval, como se caça. Não é aceitável que, no século XXI, se faça atividade cinegética, ou seja, o controlo de espécies através de lutas de cães ou com recurso à paulada.

Não podemos aceitar que aportem de forma ilimitada cruzeiros em Lisboa. É preciso regulamentar e limitar a atividade do turismo

Muita opinião publicada e também uma parte da opinião pública consideram o PAN proibicionista e sustentam que é animalista. Como responde? No nosso ordenamento jurídico, estamos cheios de proibições. A regulamentação relativa à forma como nos relacionamos com os animais carece de algumas proibições, como carece o Código da Estrada. É normal que se fale de alargamento de direitos e numa série de proibições.

Outra das críticas ao PAN é ser um partido de causas, desprovido de ideologia. Na próxima legislatura, esse caminho é para manter? Com exceção do PCP, se olharmos para os outros partidos e tentarmos definir a sua ideologia, se calhar, teremos muitas dificuldades. O produtivismo, o extrativismo e o consumismo estão na base de todos os problemas de caráter ambiental e são transversais a todos os modelos de sociedade e a todos os governos, mais à esquerda ou mais à direita, mais socialistas ou mais liberais. Não vai ser uma ideologia de esquerda nem de direita que resolverá os problemas ambientais.

Nesta legislatura, foi mais produtivo do que os 85 deputados do PS. Vai abanar essa bandeira na campanha eleitoral? Não, não, não! Mais importante do que a quantidade é a abrangência das propostas. O mais importante foi termos conseguido implementar medidas, nomeadamente na área social – da alimentação, do bem-estar -, e a nossa grande conquista foi termos posto o País político e o País social a fazer o debate (às vezes exagerado ou deturpado) sobre as propostas do PAN.

António Costa admitiu considerar o PAN para uma futura maioria parlamentar. Que condições exigirá ao PS (ou a outro partido qualquer) para viabilizar um governo? Que medidas teriam de ser incluídas num acordo escrito? Preferia dar-lhe áreas. Teria de haver convergências e cedências do PS na área laboral , não é admissível que pessoas que trabalhem por turnos ou num período noturno não tenham direito à compensação justa. Em matéria de combate à corrupção, temos de apostar na prevenção, através de medidas e da transparência, e iremos apresentar um pacote alargado sobre isso no programa eleitoral. É necessário mais investimento no reforço da Polícia Judiciária e do Ministério Público. E, já que o primeiro-ministro abriu a possibilidade da criação de tribunais especializados para vítimas de violência doméstica, no quadro de uma revisão constitucional, defendemos que isso também deve ocorrer em matéria de corrupção. Naquilo que tem que ver com a ecologia humana, com a economia e com os ecossistemas: o PS agora adquiriu uma narrativa mais verde, mais azul, mais amiga do ambiente , estou a ser sarcástico, evidentemente ,, quer descarbonizar a economia, mas quer explorar hidrocarbonetos na nossa costa. Não tem uma única palavra para a reconversão da agricultura, não tem uma linha sobre a agricultura biológica, sobre o olival intensivo, sobre o regadio… Por exemplo, a Câmara Municipal de Lisboa, na altura de António Costa, aumentou as ZER (Zonas de Emissões Reduzidas), mas foi numa das ZER que foi instalado o terminal de cruzeiros do Porto de Lisboa, e eu queria lembrar que os cruzeiros que passam ao largo da costa emitem 86 vezes mais gases com efeito de estufa do que todos os transportes do País. É preciso regulamentar e limitar a atividade do turismo. Não podemos aceitar que aportem de forma ilimitada barcos turísticos apenas e só porque descobrimos a galinha dos ovos de ouro e porque a vamos explorar de forma ilimitada, com consequências gravosas para o ambiente e para a qualidade de vida nas nossas cidades.

Como acompanhou esta crise dos combustíveis? O Governo andou bem ou mal? Ela e o pânico que causou são o reflexo de uma sociedade totalmente petrodependente. Além disso, as reivindicações dos trabalhadores são justas, e estranho que um partido que se diz de esquerda faça um ataque ao direito à greve, dizendo que ela prejudica a economia, e que se coloque ao lado dos patrões no sentido de permitir que mecanismos salariais não sejam tributados. Percebo e concordo que o Governo tivesse de gerir esta greve de forma a não paralisar o País, mas pareceu-me excessiva a forma como, mesmo antes da greve, tentou descredibilizar e diabolizar a luta desta classe.

Querem também mais nutricionistas nas escolas e hospitais, bem como mais orçamento para a prevenção de doenças crónicas não transmissíveis. Onde pretendem ir buscar recursos? O debate político sobre a Saúde anda sempre em torno de quem investiu mais, mas o mais importante é a prevenção, é fazer com que menos doentes cheguem aos hospitais. Isso não tem sido feito. Apenas cerca de 1% do orçamento para a saúde é investido em prevenção. Queremos aumentar esse orçamento e as medidas nesse sentido, que passam não só pela contratação de nutricionistas como de psicólogos, quer para o Serviço Nacional de Saúde [SNS] quer para escolas, onde podemos intervir nos hábitos alimentares, que são a principal causa de doenças crónicas não transmissíveis, mas também a nível da saúde mental. Uma das propostas que posso adiantar é garantir que todas as crianças com obesidade tenham acesso a um nutricionista no SNS.

A eutanásia vai voltar a constar do programa eleitoral? Estará no nosso programa. Para nós, é um ato de bondade, é legislar sobre o direito fundamental à autodeterminação.

Vão bater-se por um “sistema público médico-veterinário de apoio às famílias carenciadas e aos movimentos associativos que tenham a seu cargo animais errantes ou abandonados”. Isto será uma espécie de SNS para animais? Sim, sim, não está errado! É uma espécie de SNS para animais. Nós temos o estatuto jurídico do animal aprovado, a lei do fim dos abates, e temos uma realidade social no País em que mais de metade dos agregados familiares tem um ou mais animais de companhia. Há uma série de associações que recolhem e acolhem animais errantes e abandonados e que se têm substituído ao Estado, tendo despesas incomensuráveis. Por outro lado, há muitas famílias com enormes dificuldades, nomeadamente pessoas idosas que estão sozinhas e que a única companhia que têm é o gato ou o cão. Não é uma medida de proteção e de bem-estar animal; é uma medida de resposta social às famílias mais carenciadas. Sim, queremos estabelecer uma rede pública , chame-se hospital, chame-se clínica , que tenha serviços médico-veterinários que possam suprir estas duas grandes comunidades.

Estamos a falar de cães, gatos e outros animais? Não, de cães e gatos.

Que verba pode esta rede implicar? Essa rede tem de se fazer através de uma linha direta entre densidade populacional e respetivas necessidades e custos. E tudo isto tem de ser enquadrado dentro de um conjunto de medidas que tenha impacto neutro a nível da receita e da despesa. Apresentaremos várias medidas que compensem a receita, mas ainda não temos essa perspetiva, porque antes precisamos de fazer um levantamento para perceber se essa rede seria constituída por quatro, cinco, seis, dez ou 20 unidades.

Nesta rede, existiria algum tipo de taxa moderadora? Ainda não entrámos nesse tipo de pormenor, mas eu diria que haveria isenções para associações legalmente constituídas e reconhecidas, e que tenham protocolos ou acordos com a administração descentralizada e possam fazer a prova do seu papel na comunidade. Relativamente às famílias, teria de se criar um limite a partir do qual os agregados estariam isentos. Uma pessoa como eu, com os rendimentos que tenho, se levasse o meu animal de estimação a uma rede dessas, teria de ter uma comparticipação.



Fiscalização de empresas
“A legislação ambiental precisa de ter dentes”

 
Nas traves-mestras do vosso programa, referem um seguro público, afeto a um superfundo ambiental, com o intuito de proteger os trabalhadores das empresas poluidoras. Como vai funcionar? Temos de atuar de forma que a legislação do ambiente passe a ter dentes, que passe a ser cumprida e que tenha eficácia. Neste momento, reina a impunidade total e a permissividade por parte do Estado e da legislação do ambiente relativamente aos grandes poluidores. Isso é patente na história do rio Tejo…

Refere-se à Celtejo. Exatamente, a essas empresas, não só da celulose mas também do bagaço e da azeitona, curtumes, etc. Aquilo que verificamos muitas vezes é que da parte do acusador e do julgador há também uma permissividade compreensível, porque quando se suspende uma atividade ou se encerra uma empresa há uma grande quantidade de postos de trabalho e das respetivas famílias que ficam em causa, com todos os problemas sociais que daí advêm. Não podemos ser insensíveis a esse facto quando a responsabilidade não é dos trabalhadores. O que defendemos é o tal seguro público, assente no fundo ambiental, que seria alimentado por todas as empresas que têm acima de um determinado risco de poluição , esse risco já está previsto na Lei de Enquadramento Ambiental…

Uma contribuição nova aplicável a essas empresas. Exatamente, de modo que numa situação de reiterado incumprimento os acusadores e os julgadores possam estar munidos de uma legislação mais robusta. Seria quase uma transposição, uma espécie de Fundo de Seguro [Garantia] Automóvel. 

Em Espanha, França, Alemanha e Inglaterra, por exemplo, várias das chamadas medicinas alternativas estão a perder força e a deixar de ser apoiadas por falta de evidência científica. O PAN vai propor que sejam integradas no SNS, cá? Em 2003, o Parlamento reconheceu o papel destas atividades enquanto terapêuticas, e é nesse quadro que o PAN entra, concordando com o que ocorreu nessa altura. Então temos de avançar na regulamentação, na formação – para que não seja feita ad hoc e para que não haja situações de charlatanismo – na profissionalização destas pessoas e no reforço dos seus direitos. Se for o caso, estaremos preparados para voltar ao debate relativamente à evidência científica, que neste momento não se coloca. Não há nenhum partido que a ponha em causa, mas não temos nenhuma posição dogmática.


A peça [sobre as ligações do PAN ao IRA] foi absolutamente deturpada. Não passou de um boato que teve custos reputacionais e em que a TVI não pediu desculpas.


As terapêuticas não convencionais (especialmente a medicina tradicional chinesa) estão a aumentar o risco de extinção de várias espécies (rinocerontes, tigres, pangolins, etc.). Como a apologia destas práticas é compaginável com os princípios do PAN? Não é compaginável. A medicina tradicional chinesa poderá estar a ser atacada porque há ramos ou práticas paralelos, com autênticos atentados à biodiversidade, que não estão nas escolas que reconhecidamente ministram estes cursos.

A cabeça de lista do PAN em Setúbal, Cristina Rodrigues, já se viu envolvida numa reportagem polémica que dava conta de uma ligação ao grupo Intervenção e Resgate Animal (IRA). Sente-se confortável com esta candidatura? Se tivesse um fundo de verdade, teria de me sentir desconfortável. Sendo uma peça nos moldes em que foi, absolutamente deturpada, com enormes falsidades, e conhecendo eu o trabalho da Cristina, sinto-me absolutamente confortável. Não passou de um boato que teve custos reputacionais para o PAN e em que a TVI não pediu desculpas.

Algumas práticas do grupo configuram comportamentos para lá do que é o Estado de Direito. O PAN condena e demarca-se delas? Segundo sei, este grupo atua sempre na presença de órgãos da polícia. Quando sabemos que atuam juntamente com a PSP, a GNR, diria que estarão a agir dentro da legalidade. Se, por qualquer motivo, este ou qualquer grupo atuar à margem da lei, o PAN evidentemente que se demarca e que condena.

Até onde é que podem chegar nas legislativas? Até onde os portugueses quiserem, na medida em que o PAN disse, logo em 2015, que o objetivo era reforçarmo-nos, fazermos uma boa legislatura, de forma a eleger um grupo parlamentar. Não temos medo de ter mais responsabilidade. Pediremos aos portugueses que confiem no PAN para não se afunilar o sistema democrático na visão redutora de um único partido. Nós sabemos quais foram os impactos em Portugal, nas duas últimas décadas, das maiorias absolutas, que têm sempre arrogância institucional e um quebrar do diálogo. Há matérias que, no caso de o PS vencer as eleições, só avançam se o PAN tiver força.

Querem ultrapassar o CDS? Não tenho o objetivo de ultrapassar este ou aquele partido, de sermos a força política número quatro ou número cinco. Queremos reforçar a nossa presença no Parlamento, mas não vou esconder que um resultado como aquele que tivemos nas europeias pode alimentar a esperança de ter um grupo parlamentar mais reforçado do que dois deputados.

Está fora de questão integrarem o Governo? Parece pouco verosímil. O grande objetivo do PAN é conseguir influenciar a governação do País para fazer cumprir a nossa agenda, e isso consegue-se através do reforço do grupo parlamentar.

Numa reportagem do Observador, revelou que gostaria de cumprir só mais um mandato no hemiciclo. Mantém? Sim. Sou a favor da limitação de mandatos para que a democracia possa respirar melhor, evitando assim dinossauros e interesses instalados.

Admite ser candidato presidencial em 2021? [Risos.] Eu não admito ser candidato a Presidente, nem agora nem nunca.

E se houver uma vaga de fundo no partido? Também não. É um papel muito importante para o qual não tenho perfil.

Está satisfeito com o desempenho de Marcelo Rebelo de Sousa em Belém? Há uma diferença muito positiva deste Presidente face ao anterior que eu gostaria de assinalar: a enorme correção institucional, o esforço , embora lhe seja natural , em não contribuir para a crispação política, para estabelecer pontes e para colocar o superior interesse do País muitas vezes acima daquilo que são as convicções e os valores do seu campo democrático. Fiquei positivamente sensibilizado com a lei da autodeterminação de género, em que o Presidente Marcelo, vindo do campo político que vem, poderia ter feito um veto com condições políticas que dificultasse ou impossibilitassem a reconfirmação da lei. Entendeu o grave problema humano com que estávamos a lidar, fez uma observação pertinente, fizemos essa alteração e a lei passou. Foi muito positivo, vindo de alguém que, com a idade que tem, é muito menos conservador do que o seu campo político que está no Parlamento.