AmbienteParlamento

Previsão no Programa Nacional de Reformas – 2022 de uma adaptação do Plano Nacional da Água às alterações climáticas, como medida de combate à seca

Seca

Exposição de motivos A crise sanitária, bem como a recente crise energética, vieram demonstrar que precisamos tornar mais sustentável a nossa relação com os recursos naturais do planeta diminuindo a exposição a riscos de saúde e a custos económicos que põem em causa a nossa segurança e o nosso desenvolvimento.Desde a assinatura do Acordo de Paris em 2015, com todos os compromissos aí assumidos, a concentração de gases com efeito de estufa aumentou de 402 partes por milhão para 417 partes por milhão. A partir das 430 partes por milhão, de acordo com a comunidade científica, iremos ter um aumento médio da temperatura global de 2 graus celsius e o ponto de não retorno a partir do qual o planeta entra num novo estado climático, um estado que, de acordo com os cientistas, irá provocar redução da precipitação e aumento dos períodos de seca, desertificação, subida do nível do mar, com a submersão de zonas costeiras, fenómenos climáticos extremos, como inundações e furacões e disseminação de doenças. Estas alterações vão provocar uma extinção em massa das atuais formas de vida, incluindo da espécie humana. Perante este cenário, os cientistas estimam que cerca de 88% da população mundial não sobreviverá.De acordo ainda com estas estimativas, Portugal será um dos países europeus mais afetados pelas alterações climáticas, que se vão manifestar no nosso país através de fatores como a disseminação de doenças e eventos climáticos extremos, como furacões, secas, incêndios florestais, subida do nível do mar, escassez de água potável ou desertificação de extensos territórios. Dizem-nos os cientistas que abaixo do paralelo 40, que em Portugal fica na Figueira da Foz, os territórios serão inabitáveis.O fenómeno das alterações climáticas é agravado por uma gestão insustentável dos recursos naturais, em particular a água, cuja gestão é fundamental para garantir a nossa sobrevivência. A qualidade dos solos, as florestas e a biodiversidade em geral, dependem da forma como formos capazes de gerir este recurso natural, tendo em conta a ligação existente entre os ecossistemas terrestres.Significa isso, que Portugal tem não só de acompanhar os esforços internacionais de redução de emissões poluentes, como de adoptar todas as medidas com vista a preparar-se para minimizar os impactos das alterações climáticas no nosso território e na nossa população e tem de o fazer o quanto antes, de uma forma eficaz e transparente e economicamente responsável e sustentável.Nos últimos anos tem sido feito um grande investimento na realização de estudos, planos e estratégias para combater o problema da seca e da escassez de água em Portugal, mas temos visto poucos ou nenhuns resultados desse investimento, ao mesmo tempo que vemos um agravar dos efeitos da seca no nosso território.No entender do PAN é necessário e urgente colocar em prática todo o conhecimento obtido, orientando o investimento público no sentido de contribuir para uma melhor gestão da água em função dos desafios ambientais atuais e da realidade que temos pela frente.Um planeamento cego à nova realidade climática é um planeamento que não protege a população e o território e que utiliza mal os recursos financeiros disponíveis. Antes de se planear seja o que for, o Estado necessita de conhecer a realidade do que vai planear, através da elaboração de um atlas de risco das alterações climáticas a nível nacional, regional e local, tal como proposto na Lei do Clima apresentada pelo PAN.Os recursos hídricos e o acesso à água potável constituem um dos maiores desafios que o país terá de enfrentar, com consequências ao nível da precipitação e da seca extrema, consoante, aliás, concluiu o último relatório do IPCC e se poderá visualizar na figura infra. Para além do impacto da escassez de água nas populações, ecossistemas e atividades económicas sabemos que o acesso à água, em cenário de escassez, tem constituído, historicamente, uma das maiores fontes de tensão e conflitos entre Estados. A redução da disponibilidade de água potável em território nacional será muito significativa e implica uma avaliação urgente do que poderá ser o uso da água e de que forma poderemos contrariar este processo. Veja-se aliás, que esta não é apenas uma realidade distante, mas já do presente, como nos exemplificam situações como a escassez de água na zona da rega do Mira ou o grave problema que se antevê por força da ocupação do parque natural da costa vicentina com estufas e atividade agrícola intensiva ou super intensiva ou o progressivo aumento da agricultura intensiva no Alentejo, em particular do olival intensivo, que, de acordo com investigadores da Universidade de Évora, vem pôr em causa a sustentabilidade e equidade no acesso à água, recurso precioso numa região em que é tão escassa.É, assim, fundamental e urgente a revisão do Plano Nacional da Água, que, entre outros:?       Identifique que tipos de culturas agrícolas serão compatíveis com a disponibilidade hídrica projetada para os próximos 50 anos;?       Identifique zonas ameaçadas com escassez de água para uso humano para os próximos 50 anos;?       Identifique riscos de nulidade de tratados internacionais que contenham regimes de exceção com referência à precipitação histórica, como, por exemplo, a Convenção de Albufeira;?       Determine restrições ao uso da água para determinadas atividades económicas sempre que tal não seja compatível com a disponibilidade hídrica;?       Consagre fontes alternativas de obtenção de água potável e de retenção de recursos hídricos no solo;?       Determine a implementação de planos de uso eficiente da água.Paralelamente e porque entendemos que os municípios poderão ter um papel fundamental na concretização do referido plano, propomos que possam existir também planos municipais de adaptação às alterações climáticas para o setor da água – cuja elaboração compete às Câmaras Municipais e a aprovação às Assembleias Municipais.Nesse sentido é fundamental garantir que quer o Governo, quer as autarquias locais, implementam os respetivos planos setoriais, designadamente o plano nacional de ação de adaptação às alterações climáticas para o setor da água,  previstos na Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 24/2010, de 1 de abril, sustentada nos primeiros estudos sobre esta matéria em Portugal (projetos SIAM I e SIAM II), a qual foi posteriormente revista pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2015, de 30 de julho, que aprovou a Estratégia Nacional para Adaptação às Alterações Climáticas 2020 (ENAAC 2020), passando a ser norteada por três objetivos principais: melhorar o nível de conhecimento sobre as alterações climáticas; implementar medidas de adaptação, e promover a integração da adaptação em políticas sectoriaisPara mais, quando o próprio Programa de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 130/201, identifica as nove linhas de ação estabelecidas visam a redução dos principais impactos e vulnerabilidades do território, onde se inclui o aumento da frequência e da intensidade de períodos de seca e de escassez de água; a redução da precipitação anual, o aumento da sua variabilidade e a consequente alteração do regime de escoamento reduzirá os caudais dos rios, e afetará igualmente a recarga dos aquíferos, podendo, inclusivamente, secar as nascentes de rios importantes na Península Ibérica por períodos de tempo mais ou menos longos. Estas alterações poderão ser acompanhadas por problemas ao nível da qualidade da água, intensificação de eventos de seca e maior pressão para a desertificação, promovendo a perda de biodiversidade associada à alteração da estrutura e dinâmica dos ecossistemas. Esta redução na precipitação afetará igualmente a recarga dos aquíferos, potenciando a degradação da qualidade dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos; a perda de caudais e capacidade de escoamento de águas em Rios como o Rio Douro e o Rio Tejo,  com valores incompatíveis com a sustentabilidade ecológica desta linha de água estruturante do território nacional, entre outros fenómenos relacionados com a água e os recursos hídricos.Assim, a Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, por intermédio do presente Projeto de Resolução recomenda ao Governo que inclua no Programa Nacional de Reformas – 2022 uma revisão do Plano Nacional da Água (Decreto-Lei n.º 76/2016 de 9 de novembro), que tenha como prioridade a mitigação dos efeitos das alterações climáticas e assegure nomeadamente:a)     A identificação de zonas ameaçadas pela escassez de água para uso humano para os próximos 50 anos;b)     A identificação dos tipos de cultura agrícola compatíveis com a disponibilidade hídrica projetada para os próximos 50 anos;c)      A realização de um levantamento dos diplomas nacionais e convenções internacionais que prevejam regimes de excepção que tenham a precipitação histórica como referência e a previsão de recomendações tendentes a assegurar a sua compatibilização com os objectivos de adaptação às alterações climáticas;d)     A determinação de restrições ao uso da água para determinadas atividades económicas sempre que tal não seja compatível com a disponibilidade hídrica;e)     A previsão de fontes alternativas de obtenção de água potável e de retenção de recursos hídricos no solo; ef)      A garantia de implementação de planos de uso eficiente da água. Palácio de São Bento, 29 de março de 2022A deputada, Inês de Sousa Real