AnimaisParlamento

Recomenda ao Governo a criação de uma rede de serviços públicos veterinários e a construção de um hospital público veterinário

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Os animais de companhia são, cada vez mais, vistos como parte integrante do agregado familiar....

Exposição de Motivos

Os animais de companhia são, cada vez mais, vistos como parte integrante do agregado familiar. De acordo com um estudo da GfK (GfKTrack.2Pets), publicado em 2015, é estimado que cerca de 2,151 milhões (ou seja, 56% de lares portugueses) possui, pelo menos, um animal de companhia e que este número tem vindo a aumentar devido à alteração dos núcleos familiares e à noção de que os animais contribuem profundamente para o bem-estar físico e psicológico dos seus detentores e do próprio agregado familiar. Mais recentemente, um estudo da FEDIAF[1], estima que há pelo menos 4.616.000 animais de companhia, o que demonstra que a família é cada vez mais considerada como multiespécie. Para muitas pessoas que vivem sós ou em situação de vulnerabilidade social, os animais são inclusivamente, muitas das vezes, a sua única companhia.

Por isso, o bem-estar e a saúde animal são hoje uma preocupação incontornável que encontra respaldo na legislação nacional e europeia.

A crise com origem na pandemia de Covid-19 e na atual guerra na Ucrânia, agravou as dificuldades das famílias e das pessoas mais vulneráveis económica e socialmente.

É um dever do Estado minimizar os impactos negativos da crise social na vida de todas as pessoas, através de medidas que assegurem que ninguém fique privado dos seus direitos e do acesso dos seus animais de companhia aos cuidados de saúde que estes possam carecer.

Neste sentido, o PAN entende que é fundamental garantir o bem-estar dos animais de companhia, promovendo o acesso a serviços médico-veterinários a todas as pessoas, principalmente às mais vulneráveis.

A Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, ratificada através do Decreto n.º 13/93, de 13 de abril, reconhece no seu preâmbulo “a importância dos animais de companhia em virtude da sua contribuição para a qualidade de vida, e por conseguinte, o seu valor para a sociedade”, estabelecendo alguns princípios fundamentais em matéria de bem-estar animal.

No âmbito do quadro normativo comunitário, o artigo 13.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia estabelece que “na  definição  e  aplicação  das  políticas  da  União  nos  domínios  da  agricultura,  da  pesca,  dos  transportes,  do  mercado  interno,  da  investigação  e  desenvolvimento  tecnológico  e  do  espaço,  a  União  e  os  Estados-Membros  terão  plenamente  em  conta  as  exigências  em  matéria  de  bem-estar  dos  animais,  enquanto  seres  sensíveis,  respeitando  simultaneamente  as  disposições  legislativas  e  administrativas  e  os  costumes  dos  Estados-Membros,  nomeadamente  em  matéria de  ritos  religiosos,  tradições  culturais  e  património  regional”.

A disposição legal supracitada encontra eco na legislação nacional, mais concretamente no artigo 201.º-B e C do Código Civil que dispõem que “os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objecto de proteção jurídica em virtude da sua natureza” e que “a protecção jurídica dos animais opera por via das disposições do presente código e de legislação especial”.

Também as medidas gerais de proteção aos animais previstas na Lei de Proteção aos Animais, Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, estabelecem que “os animais doentes, feridos ou em perigo devem, na medida do possível, ser socorridos” (cf. n.º 2 do artigo 1.º).

O artigo 1305.º-A do Código Civil, prevê expressamente que o “proprietário” de um animal deverá assegurar o seu bem-estar, o qual inclui, nomeadamente, a garantia de acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão, bem como a cuidados médico-veterinários sempre que justificado, incluindo as medidas profiláticas, de identificação e de vacinação previstas na lei.

Não se deve  ignorar que a não prestação de cuidados de alimentação e de saúde a um animal pode inclusivamente constituir crime contra animal de companhia, conforme previsto e punido pelos artigos 387.º e 388.º do Código Penal.

Desta forma, e considerando que os maus tratos podem derivar de uma ação ou omissão, a falta de cuidados médico-veterinários, causadores de sofrimento ou até mesmo da morte de um animal consubstancia crime de maus tratos. O artigo 388.º do Código Penal, na sua atual redação, prevê ainda que “quem, tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir animal de companhia, o abandonar, pondo desse modo em perigo a sua alimentação e a prestação de cuidados que lhe são devidos, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.” (n.º 1)e que “ se dos factos previstos no número anterior resultar perigo para a vida do animal, o limite da pena aí referida é agravado em um terço” (n.º 2).

Por estas razões, a existência de respostas públicas que garantam o apoio às pessoas mais vulneráveis que detenham animais de companhia é fundamental para garantir o cumprimento dos deveres legalmente impostos aos detentores de animais.

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, ter um animal de estimação custa hoje, em média, quase 21% mais do que em 2021.

Nos primeiros 11 meses de 2021, o custo de ter um animal de companhia rondava os mil euros, ou seja, cerca de 90 euros mensais. Já no mesmo período de 2022, o gasto foi de 1205 euros, o que equivale a quase 110 euros por mês.[2]

As famílias encontram-se numa situação extremamente difícil e, muitas vezes, recorrem a associações de proteção animal para apoio. Sendo que as próprias associações sofrem com a mesma dificuldade.

Acontece que a maioria das famílias portuguesas não consegue suportar as despesas decorrentes destes cuidados, em particular dos que são derivados de intervenções mais onerosas, como é o caso das cirurgias ou de outros procedimentos não rotineiros.

Não obstante existirem diversas causas para o abandono de animais, a incapacidade financeira do detentor em continuar a manter o seu animal, seja porque perdeu o emprego ou porque o estado ou a doença do animal requerem tratamentos onerosos, é uma situação susceptível de potenciar o abandono do animal, como constitui uma vulnerabilidade social que não deve ser alheia ao Estado.

Desde logo, pela importância crescente que os animais têm vindo a assumir na família, conforme referido, no combate ao isolamento e exclusão e ainda no desenvolvimento da personalidade humana, com especial enfoque nas crianças, jovens e população sénior.

O PAN considera que é imperioso, em cumprimento do previsto na lei, conforme infra se explicita, a criação de uma rede serviços veterinários públicos, principalmente com a criação de um hospital veterinário público, para animais errantes, abandonados ou detidos por pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconómica, que não tenham capacidade para assegurar aos seus animais de companhia os cuidados básicos de saúde ou de socorrê-los em situação de emergência, bem os detidos por associações de proteção animal.

Esta preocupação é demonstrada pela sociedade civil que, fazendo uso do seu direito de petição, se tem manifestado em prol da criação de um hospital veterinário público.[3]

Desta forma, por proposta do PAN, ficou inscrito na Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho, que aprovou o Orçamento do Estado para 2022, que “em 2022, o Governo transfere para a administração local ou para associações zoófilas (…) 2 300 000 (euro) para melhoria da prestação de serviços veterinários de assistência a animais detidos por famílias carenciadas e associações zoófilas, através de protocolos com os hospitais veterinários universitários e da criação de hospital público veterinário” (sublinhado nosso).

Acrescenta ainda, que “em 2022, o Governo autoriza a administração local a incluir nas verbas atribuídas aos centros de recolha oficial de animais de companhia as despesas referentes a programas de bem-estar dos animais de companhia que assegurem, nomeadamente (…) o acesso a cuidados de bem-estar dos animais de companhia, designadamente (…) o acesso gratuito ou a custo acessível a consultas e tratamentos médico-veterinários como, entre outros, a identificação, vacinação, desparasitação e esterilização, prestados a animais de companhia cujos detentores sejam pessoas em situação de insuficiência económica, em situação de sem-abrigo ou pessoas idosas com dificuldades de locomoção”.

Por sua vez, no Orçamento do Estado para 2023, novamente por proposta do PAN, ficou previsto, no artigo 193.º, que “o Governo transfere para a administração local ou para associações zoófilas (…) 1 000 000 (euro) para a prestação de serviços veterinários de assistência a animais detidos pelos centros de recolha oficial de animais, por famílias carenciadas, associações zoófilas ou que integrem colónias registadas ao abrigo dos programas CED (Captura, Esterilização e Devolução), inclusive através de serviços prestados por via de protocolos realizados com hospitais veterinários universitários e centros de atendimento médico-veterinário, consolidando uma rede de serviços públicos veterinários”(sublinhado nosso).

Pela conjugação do disposto nas normas supracitadas, o Governo tem a obrigação de proceder à criação de um hospital público veterinário, bem como, simultaneamente (e não de forma alternativa) promover a celebração de protocolos com hospitais veterinários universitários e centros de atendimento médico-veterinário, criando, desta forma uma rede de serviços públicos veterinários.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1.  Em cumprimento do disposto no artigo 193.º da Lei n.º 24-D/2022, que aprovou o Orçamento do Estado para 2023, proceda à criação de uma rede de serviços veterinários públicos, em articulação com as autarquias locais, as faculdades de medicina veterinária, as associações de proteção animal e ainda mediante a promoção da celebração de protocolos com hospitais veterinários universitários e com centros de atendimento médico-veterinário; e

2. Em cumprimento do disposto no artigo 261.º da Lei n.º 12/2022 de 27 de junho, que aprovou o Orçamento do Estado para 2022, proceda à construção de um hospital público veterinário.

Assembleia da República, Palácio de São Bento, 16 de janeiro de 2023

A Deputada,

Inês de Sousa Real


[1] Annual report | FEDIAF (europeanpetfood.org)

[2] Custo para sustentar animais de estimação está 21% mais caro do que há um ano (dinheirovivo.pt)

[3] Criação de um Hospital Veterinário Público : Petição Pública (peticaopublica.com)