Incentivo a cadeias curtas agroalimentares na área metropolitana de Lisboa
Portugal assumiu, através de acordos internacionais, o compromisso de desenvolver as políticas necessárias para que o aumento da temperatura média global do planeta não ultrapasse 1,5º e atingir a neutralidade carbónica em 2050.
De acordo com a versão preliminar do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030), que se encontra em consulta pública desde 7 de maio até 5 de junho do corrente ano, e que pretende vir a ser, em conjunto como o Roteiro para a Neutralidade Carbónica, o instrumento que norteia a estratégia para a descarbonização para o período para a década 2021-2030, os objetivos respeitantes à neutralidade carbónica têm de ser coletivamente assumidos, necessitando da mobilização diferenciada dos vários agentes.
O Roteiro para a Neutralidade Carbónica apresenta trajetórias possíveis para o que considera serem as quatro principais áreas pelas emissões de gases com efeitos de estufa (GEE) e pelo sequestro de carbono – energia, transportes, resíduos, agricultura/ florestas/ uso dos solos -, mediante os cenários que se forem desenvolvendo até 2050.
Assumindo, assim, que estamos enquanto sociedade comprometidas/os com este caminho para uma economia neutra em carbono, temos de reconfigurar não só áreas óbvias como a eficiência energética ou a diversificação de fontes de energia, mas também reconhecer o importante papel na estratégia da promoção de processos, produtos e serviços de baixo carbono e de escolhas informadas por parte de quem consome.
E a estratégia reconhece, tal como outros documentos e estudos, que esta transição só será possível com a participação cidadã e com um papel mais ativo da população – enquanto consumidora e igualmente enquanto produtora, de energia e de produtos de proximidade.
Para tal, serão necessárias apostas em ações de sensibilização e de formação, para que se impulsionem mudanças de comportamento e, desta forma, melhores e mais eficientes escolhas.
Com a presente proposta pretendemos responder, a nível local, diretamente a três dos desafios da atual estratégia de Portugal para a descarbonização:
– Apoiar a redução de emissões nacionais de GEE em todos os setores de atividade, designadamente energia, indústria, mobilidade, transportes, agricultura florestas, resíduos e águas residuais e promover a integração dos objetivos de mitigação nas políticas sectoriais;
– Impulsionar uma agricultura sustentável, contribuindo para aumentar a capacidade de sumidouro natural;
– Garantir uma transição mais democrática e justa, criando mecanismo que reforcem o papel da população como agente ativo na descarbonização e na transição energética.
E, ainda, criar instrumentos para proteger as pessoas mais vulneráveis e a valorização territorial.
No Roteiro para a Neutralidade Carbónica são considerados “drivers de ação” do Mercado no sector agroalimentar “a adoção de modos de produção mais eficientes e sustentáveis”, a “exploração de cadeias e fornecimentos curtas de proximidade”, bem como a “disponibilização de informação mais completa ao consumidor, designadamente sobre a pegada carbónica dos produtos”
E são apresentadas como “tendências globais”, entre outras: a agricultura de precisão, a agricultura regenerativa, o fecho do ciclo de nutrientes e de outros materiais, a restauração e preservação do capital natural, as hortas urbanas e periurbanas e os canais de distribuição digitais.
Utilizando o conceito de Circuito Curto Agroalimentar constante no Regulamento da União Europeia n.º 1305/2013 do FEADER, “uma cadeia de abastecimento curta é aquela que envolve um número limitado de operadores económicos empenhados na cooperação, no desenvolvimento económico local e relações geográficas e sociais estreitas entre produtores, transformadores e consumidores”, e surgiu como resposta à exigência por parte de quem consome em querer adquirir produtos de confiança, passando posteriormente a ser regulamentados e ganhando a dimensão de projetos de desenvolvimento local por estreitarem as relações de cooperação entre todas as partes intervenientes, assentes numa base territorial.
Ora, as cadeias agroalimentares curtas têm sido apontadas em diversos estudos como positivas não só em termos de diminuição do impacto ambiental, mas também porque representam a interação da agricultura familiar com a dinâmica local do desenvolvimento, expressando proximidade entre produtores e consumidores, não no aspeto territorial, mas também, e não menos importante, por estimular a interatividade, facilitando relações e conhecimentos.
Acrescido do facto de estarmos a assistir diariamente a questionamentos da sociedade e da academia relativos à globalização, ao desconhecimento da origem do produto, aos problemas de saúde causados pela alimentação de “fast-food”, com uma proporção de refeições já confecionadas no quotidiano na sociedade portuguesa impensável há uma década, as cadeias agroalimentares curtas são um dos possíveis mecanismos que incentivam a uma alimentação saudável, com preços mais baixos, com conhecimento da forma de produção e troca de saberes.
No nosso país, o estilo de vida pouco saudável, que inclui o baixo consumo de fruta e hortícolas, o consumo excessivo de sal e açúcar e a falta de atividade física, reflete-se na carga de doença da população e quer a Organização Mundial da Saúde quer a Comissão Europeia recomendam a adoção de políticas relativas à reformulação de produtos alimentares, que envolvam os produtores, distribuidores e prestadores de serviços na área da alimentação.
A Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável prevê algumas medidas, tais como: alterar o meio ambiente onde as pessoas escolhem e compram alimentos através da mudança da disponibilidade de alimentos em certos espaços físicos; propor que nos eventos públicos organizados pelos serviços e organismos da administração direta ou indireta do Estado exista obrigatoriamente a oferta de água, fruta e ou produtos hortícolas, de preferência respeitando critérios de disponibilidade sazonal e de proximidade; incentivar as compras públicas de produtos alimentares a utilizar cadeias curtas, modos de produção integrada ou biológica; estimular o consumo de fruta e hortícolas nas escolas, aumentando o número de beneficiárias/os do regime de distribuição nas escolas de fruta e produtos hortícolas; incentivar o consumo de categorias de alimentos diretamente relacionados com a prevenção de doença crónica, nomeadamente fruta e produtos hortícolas frescos e, ainda, aperfeiçoar a qualidade e acessibilidade da informação disponível a quem consome e adquire incentivando escolhas alimentares saudáveis.
Paralelamente, e como repetidamente tem sido afirmado, a população mundial será mais urbana, o que também robustece a necessidade de garantir a segurança alimentar de proximidade, com sistemas sustentáveis e resilientes. Ora, as cidades, e as áreas metropolitanas, são o território por excelência para desenvolvermos essas cadeias curtas agroalimentares – embora locais, de proximidade, com relações interpessoais com potencial para cumprir as funções de produção, distribuição, procura/consumo e gestão de resíduos.
Com esta Recomendação pretendemos envolver toda a cadeia de valor, dando preferência ao território do município e a sua articulação com a área metropolitana, com início logo na produção, passando pela transformação (quando esta exista), pontos de venda (junto aos locais de produção, mercados, lojas do município, devidamente sinalizados) e restauração (incluindo cantinas), ligando produtoras/es e consumidoras/es, reduzindo o número de intermediários, baixando o custo do produto final, evitando a necessidade de preservantes, bem diminuindo drasticamente a pegada carbónica.
Reconhecendo o importante trabalho que tem sido desenvolvido pela autarquia de Lisboa, e pelos elementos das diversas equipas municipais e das juntas de freguesia em matéria dos parques hortícolas e das hortas urbanas, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa delibere, na sua Sessão Extraordinária com Declarações Politicas, de 4 de junho de 2019, delibere recomendar à Câmara Municipal de Lisboa que:
- Aumente as áreas de hortas na cidade através da criação de novas áreas de hortas urbanas e/ou aumento dos parques hortícolas já existentes;
- Estude a possibilidade de regularização das hortas e produções individuais já existentes, pois estas podem localizar-se onde a população mais precisa delas;
- Permita a atribuição dos talhões das hortas urbanas a grupos organizados (coletividades, associações, grupos de cidadãs/ãos, ou outras entidades como lares, casas de repouso, escolas, etc.), promovendo o encontro geracional e a valorização da integração de todas/os;
- Elabore um Regulamento Municipal de Hortas Urbanas, abrangendo as diferentes tipologias de hortas urbanas municipais existentes, com a definição das regras específicas para a sua atribuição e utilização;
- Incentive a criação de pequenas unidades de produção, hortas, pomares, jardins no interior dos quarteirões da cidade e nas áreas permeáveis existentes, através de formação aos munícipes e de apoio técnico;
- Construa um portal de informação, de fácil preenchimento e consulta, sobre os produtos produzidos nas hortas e pomares locais, integrados neste ecossistema, com o seu valor disponibilizando materiais interativos para apoio ao ensino, para a construção de ementas e para as/os consumidoras/es finais, nomeadamente local de produção, modo de produção, valores nutricionais, local de venda, número de intermediários ou a sua inexistência;
- Estudar a criação de bolsas de terrenos agrícolas municipais para facilitar o acesso à terra, estimulando o aparecimento de novos produtores locais, fomentando as cadeias curtas agroalimentares, sobretudo nos alimentos perecíveis (hortícolas e frutícolas);
- Promover uma maior sustentabilidade alimentar da cidade e o consumo de produtos sazonais através da criação de mecanismos de escoamento e de pequenos mercados junto às áreas das hortas e das futuras bolsas de terrenos.
Lisboa, 4 de junho de 2019
O Grupo Municipal do Pessoas – Animais – Natureza
Miguel Santos Inês de Sousa Real