Recomendação pela implementação de um Regulamento Municipal de Saúde, Proteção e Bem-Estar Animal

Colónia de gatos na rua

Considerando que:

  1. A Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, ratificada através do Decreto n.º 13/93, de 13 de abril, publicado no Diário da República n.º 86/1993, Série I-A de 13-04-1993, reconhece no seu preâmbulo “a importância dos animais de companhia em virtude da sua contribuição para a qualidade de vida, e por conseguinte, o seu valor para a sociedade”, estabelecendo alguns princípios fundamentais em matéria de bem-estar animal.
  1. A criminalização dos maus-tratos a animais de companhia ocorrida através a Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, foi um marco decisivo ao demonstrar que o legislador nacional estava sensível às novas preocupações e valores éticos no domínio do bem-estar animal.
  1. Assim e em face do então enquadramento legal em matéria de bem-estar animal, viria a ser criado a 22 de julho de 2015, no âmbito da Polícia de Segurança Pública e em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa, o Programa de Defesa Animal (PDA), o qual se encontra implementado em todo o dispositivo da Polícia de Segurança Pública (PSP), nomeadamente nos Comandos Regionais dos Açores e da Madeira, nos Comandos Metropolitanos de Lisboa e do Porto e em todos os Comandos Distritais.
  1. Posteriormente, o ordenamento jurídico português estabeleceu, por força da Lei n.º 8/2017, de 3 de março, um novo estatuto jurídico dos animais, reconhecendo a sua natureza de seres vivos dotados de sensibilidade, autonomizando-os, enquanto objeto de relações jurídicas, das coisas, prevendo-se expressamente no artigo 1305.º-A do Código Civil, que incumbe ao “proprietário” assegurar-lhe o seu bem-estar, incluindo nomeadamente, a garantia de acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão, bem como a cuidados médico-veterinários sempre que justificado, incluindo as medidas profiláticas, de identificação e de vacinação previstas na lei.
  • Acontece porém, apesar de decorridos mais de seis anos sobre a data da entrada em vigor do Estatuto Jurídico dos Animais e de ter sido alterado o regime sancionatório aplicável aos crimes contra animais de companhia através da Lei n.º 39/2020, de 18 de agosto, que procedeu à quinquagésima alteração ao Código Penal, se tem vindo a verificar que tais alterações têm sido insuficientes para alcançar os efeitos preventivos a que o Direito Penal se propôs, a par da impossibilidade de por essa via sancionar algumas condutas, designadamente as praticadas a título negligente, contra animais de companhias.
  • Com efeito e de acordo com a legislação nacional em vigor, nenhum animal deva ser detido como animal de companhia se não estiverem assegurados os seus parâmetros de bem-estar, seja ao nível das condições de alojamento, transporte, alimentação, abeberamento, ou de prestação de cuidados de saúde animal, o facto é que são inúmeras as situações de animais que embora residam com os respetivos detentores, são mantidos e encerrados em espaços exíguos não adequados às suas necessidades fisiológicas e etológicas, como em varandas ou casotas ou ainda amarrados permanentemente a correntes, expostos às adversas condições climatéricas de verão ou de inverno, sem que as autoridades fiscalizadoras tenham meios ou formação adequada para fazer cumprir as normas legais aplicáveis.
  • Assim e apesar da ascensão dos animais no plano jurídico penal, existe um elevado número de denúncias apresentadas pelas associações de proteção animal e pela sociedade civil, que por não se encontrarem tipificadas no conceito indeterminado de maus tratos a animal de companhia, apesar de o serem, não têm seguimento, a par da importância de disciplinar alguns aspetos da identificação, detenção, circulação na via pública e alojamento de animais, ou a execução das respetivas medidas de profilaxia médica e sanitária, que reforcem assim a proteção, a saúde e o bem-estar dos animais que partilham com grande parte da faixa da população a sua vivência na cidade.
  • A boa notícia é que recentemente o Tribunal Constitucional decidiu não declarar inconstitucional a norma que prevê a incriminação de maus-tratos a animais de companhia, na sequência de um pedido da Procuradoria-Geral da República.
  • Esta decisão decorre de um processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, com origem num pedido apresentado pelo Ministério Público, de generalização de anteriores julgamentos de inconstitucionalidade, após diversas decisões judiciais que consideraram inconstitucional o crime de maus-tratos a animais de companhia, tendo os juízes do Palácio Ratton entendido que o bem-estar animal está protegido pela Constituição.
  • Também ao longo dos anteriores mandatos, temos recebido inúmeras denúncias que se prendem com situações de maus tratos e de negligência praticadas contra animais que não apenas de companhia, como equídeos na cidade de Lisboa, designadamente de animais a deambular na via pública, apresentando geralmente fraca condição física, caquexia, ausência de alimento e de água, expostos ao sol ou à chuva sem abrigos que lhes permitam refugiar-se ou proteger das intempéries, encontrando-se muitos outros amarrados a cordas e limitados na sua liberdade de movimentos.
  1. Ora e não obstante a regulamentação da apascentação de gado competir às assembleias de freguesia da respetiva área geográfica, os equídeos são objeto de proteção jurídica e o município tem competências no âmbito da gestão do espaço publico, pelo que seria importante prever regras disciplinadoras sobre o seu bem estar previstas na lei, a par da sua circulação e permanência em espaço público e ainda sobre a sua recolha, uma vez que não estando estes animais integrados no conceito de animal de companhia e a violação das normas a eles respeitantes não terem tutela penal, não raras vez são violadas, como é por todos sabido.
  • Deste modo e apesar das diligências de colaboração desenvolvidas entre o Grupo Municipal do PAN e o então executivo municipal desde 2013, no sentido de trazer melhorias para o bem-estar dos animais no Concelho de Lisboa, materializadas na elaboração e aprovação de um regulamento municipal nesta área, tal não chegou a ser concretizado pelo que, viríamos a apresentar a nossa Recomendação 003/07(PAN), a 21 de Novembro de 2017, com a finalidade de criar um Grupo de Trabalho com a missão da elaborar de um Regulamento Municipal de Saúde, Proteção e Bem-Estar Animal, à semelhança da realidade existente noutros concelhos do país, mas que infelizmente viria a ser igualmente rejeitada[1].
  • Tendo agora os Grupos Municipais sido convidados a apresentar contributos sobre uma Proposta de Regulamento Municipal de Bem-Estar Animal, a apresentar pelo Senhor Provedor dos Animais de Lisboa, com a qual não podemos deixar de nos congratular, os quais foram atempadamente remetidos à respetiva Provedoria, consideramos que em face do que acima se referiu, um projeto regulamento desta natureza não deviria apenas prever normas referentes aos chamados animais de companhia, mas também relativamente a outro tipo de animais que coabitam no território do município pelas razões já atrás explicitadas.
  1. Assim, julgamos que seria fundamental prever regras sobre a detenção e circulação de outro tipo de animais para além dos de companhia como equídeos, porquanto incumbe ao seu proprietário nos termos da lei, entre outros deveres que devem ser verificados em sede de fiscalização, salvaguardar o bem-estar do animal, em conformidade com as normas decorrentes do DL n.º 64/2000, de 22 de abril, na redação conferida pelo DL n.º 155/2008, de 7 de agosto.
  1. Consideramos também, que deviam ser incluídas normas referentes aos pombos e pombais, tendo por intuito preservar o património histórico-cultural e monumental da cidade a par da salvaguarda do bem-estar e integridade física dos pombos, e uma vez que o Município de Lisboa assumiu promover uma política de controlo da natalidade dos pombos, através da criação de uma rede de pombais contracetivos, pelo que deviam ser igualmente previstas normas de promoção e controlo da população de pombos urbanos, mediante recurso a métodos mais adequados que não colidam com a integridade física dos animais.
  1. Do mesmo modo e sendo muitos os parques, jardins e lagos espalhados pela cidade de lisboa, onde podemos encontrar fauna autóctone, selvagem ou silvestre, julgamos igualmente importante que sejam definidas regras relativamente aos espaços geridos pelo município, onde residam esse tipo de espécies e em função das suas caraterísticas, com a indicação dos contacto e serviço municipal responsável pela gestão do espaço e pela salvaguarda do bem-estar dos animais aí residentes, sobre a proibição da circulação de animais de companhia soltos ou sem a vigilância do respetivo tutor, excetuados os espaços de circulação livre aí previstos, ou sobre a indicação da alimentação adequada a disponibilizar à fauna residente, ainda que esta se encontre a cargo dos serviços municipais.
  • Deste modo, por tudo o que se disse e em face das medidas que o PAN já recomendou à Câmara Municipal, a par de outras de âmbito mais alargado que não apenas respeitante a animais de companhia ou a equídeos, em face do enquadramento legal existente, concretamente da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, sobre proteção aos animais, na redação mais recente conferida pela Lei n.º 6/2022, de 7 de janeiro, que proíbe todas as violências injustificadas contra animais, e que atribui competências de fiscalização aos médicos veterinários municipais, às câmaras municipais, à Guarda Nacional Republicana, à Polícia de Segurança Pública, às polícias municipais, a par de outras entidades, julgamos que um Projeto de Regulamento Municipal de Bem-Estar Animal, se deverá traduzir na compilação e na clarificação das matérias dispersas por vários diplomas legais, que caibam no conceito indeterminado de bem-estar animal tais como:
  • Animais de Companhia designadamente:
    • Obrigatoriedade de registo e licenciamento no Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC), nos termos do Decreto-Lei n.º 82/2019, de 27 de junho. 
    • Obrigatoriedade de identificação eletrónica para cães, gatos e furões, nos termos da parte A do anexo I do Regulamento (UE) N.º 576/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho de 2013.
    • Detenção de cães e gatos nos termos do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro.
    • Circulação de animais na via e espaços públicos nos termos do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro.
    • Obrigações dos detentores em matéria de bem-estar nos termos do disposto no artigo 7.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, designadamente, o especial dever de os cuidar, de modo a não colocar em causa os parâmetros mínimos do bem-estar animal, devendo sempre estar assegurado alojamento, alimentação, abeberamento e cuidados médicos veterinários.
    • Tipificação dos crimes de maus-tratos a animais de companhia nos termos do artigo 387.º do Código Penal, designadamente matar e infligir dor ou sofrimento a um animal de companhia, que são punidos com penas de prisão de 6 meses a 2 anos ou de 6 meses a 1 ano, consoante os factos praticados.
    • Tipificação do crime de abandono de animais nos termos do artigo 388.º do Código Penal, punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias, e se dos factos praticados resultar perigo para a vida do animal, o limite da pena é agravado em um terço.
    • Proibição de acorrentamento e/ou alojamento de animais em varandas, terraços ou pátios de prédios urbanos com caracter permanente.
    • Proibição de acorrentamento com caracter permanente e/ou alojamento de animais em espaço público.
    • Obrigações da entidade responsável pelos Programas de captura, esterilização e devolução (CED), designadamente:
      • Os animais capturados são esterilizados e marcados com um pequeno corte na orelha esquerda, registados e identificados eletronicamente na Casa dos Animais de Lisboa (CAL);
      • Os animais são desparasitados e vacinados contra a raiva ou outras medidas profiláticas obrigatórias na Casa dos Animais de Lisboa (CAL); 
      • A colónia intervencionada será supervisionada pelo respetivo médico veterinário municipal responsável;
      • Os animais registados e integrados nas colónias registadas na CAL, encontram-se abrangidos pela tutela penal para efeitos do disposto no artigo 387.º do código penal ou de atos de vandalismo sobre os abrigos aí instalado.
  • Equídeos designadamente:
    • Em conformidade com o Decreto-Lei n.º 64/2000, de 22 de abril, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 155/2008, de 7 de agosto, e nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º, incumbe ao proprietário ou detentor dos animais tomar todas as medidas necessárias para assegurar o bem-estar dos animais ao seu cuidado e para garantir que não lhe sejam causadas dores, lesões ou sofrimentos desnecessários, dando lugar o seu incumprimento a uma contra-ordenação prevista e punida pelo n.º 1 do artigo 8.º do mesmo diploma, a que corresponde uma coima abstractamente aplicável de € 249,40 a € 3740,99.
    • Proibição de abandonar os animais na via pública e demais lugares públicos, ou a deambulação e permanência de animais em espaços do domínio privado e público do Município, exceto quando devidamente autorizado.
    • Proibição de restringir a liberdade de movimentos do animal de forma a causar-lhes lesões ou sofrimentos desnecessários, e quando estejam permanente ou habitualmente presos ou amarrados, deverão dispor do espaço adequado às necessidades fisiológicas e etológicas.
    • Os animais deverão ser alimentados com uma dieta equilibrada, adequada à idade e à respetiva espécie, em quantidade suficiente para os manter em bom estado de saúde e para satisfazer as suas necessidades nutricionais, e devem ter acesso a uma quantidade de água suficiente e de qualidade adequada ou poder satisfazer as necessidades de abeberamento de outra forma.
    • Os animais deverão dispor de espaços ou de abrigos de proteção contra as intempéries, designadamente do sol, da chuva ou do frio durante o período noturno.
    • Os detentores de animais devem cumprir com as regras de identificação, registo e circulação previstas na legislação em vigor.
    • Os serviços municipais, em particular, através da autoridade veterinária concelhia e a autoridade policial competente procederão à identificação dos animais encontrados nas vias e espaços públicos em situação de incumprimento e no caso de serem encontrados os detentores ou os proprietários dos animais, a autoridade policial ou a entidade fiscalizadora competente, procederá à identificação daqueles e ao levantamento do respetivo auto de notícia, por contraordenação e dará ordem de recolha dos respetivos animais.
    • Caso existam sérios e fortes indícios de abandono ou quando esteja em causa o bem-estar dos animais, o serviço municipal veterinário ou a autoridade veterinária concelhia acompanhados pelas autoridades policiais competentes, procederá à recolha daqueles, fazendo-os transportar para local apropriado, previamente consignado para o efeito pela Câmara Municipal.
    • Os animais apreendidos, permaneceram nas instalações definidas para o efeito, até serem reclamados pelo legítimo proprietário ou, detentor do mesmo, e apenas ocorre pode ocorrer após relatório do médico veterinário concelhio favorável.
    • O prazo para reclamar os animais apreendidos, junto dos serviços municipais, é de 15 dias úteis, só sendo restituídos mediante a verificação da documentação que comprove a respetiva legitimidade, o pagamento das despesas a que houver lugar designadamente de recolha e estadia, se for o caso, assim como o comprovativo do cumprimento das normas de bem-estar animal, de profilaxia médica e sanitária previstas na lei.
    • Se os animais apreendidos não forem reclamados no prazo previsto anteriormente, consideram-se perdidos a favor do Município, não sendo este, em caso algum, obrigado a proceder à restituição do animal.
  • Pombos e Pombais designadamente:
    • Promoção e controlo da população de pombos urbanos mediante recurso aos métodos mais adequados, podendo estes consistir em alimentação contracetiva, criação de pombais contracetivos, ou outros que o Município entenda promover que não colidam com a integridade física dos animais.
    • Que o controlo referido no ponto anterior é desenvolvido sem recurso à occisão através de métodos não invasivos, designadamente químico-hormonais.
    • Que as ações de captura de pombos, na via ou lugares públicos, só poderão ser realizadas mediante autorização prévia do Gabinete Médico Veterinário e sem que tenha por finalidade posterior a occisão.
    • Que os sistemas anti pombos, físicos e químicos, devem evitar o poiso e a nidificação de pombos nos locais onde são aplicados, sendo colocados por forma a não provocar danos à integridade física de pessoas ou animais, incluindo os próprios pombos.
  • Fauna Autóctone, Selvagem ou Silvestre designadamente:
    • Proibição da detenção por particulares de espécies da fauna autóctone, selvagem ou silvestre, cujo cativeiro ilegal será participado às autoridades competentes.
    • Proibida da perturbação de espécies da fauna autóctone, selvagem ou silvestre residente em espaços geridos pelo município, designadamente jardins ou lagos.
    • Proibição da circulação de animais de companhia soltos ou sem a vigilância do respetivo tutor, em espaços geridos pelo município onde residam espécies da fauna autóctone, selvagem ou silvestre, excetuados os espaços de circulação livre aí previstos
    • Afixação de sinalética em espaços geridos pelo município, com a Indicação do contacto e serviço municipal responsável pela alimentação e salvaguarda do bem-estar dos animais aí residentes, designadamente dos animais doentes, feridos ou provenientes de cativeiro ilegal.

Em face do que se disse e dos apelos já reiterados nos anteriores mandatos, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Extraordinária 20 de fevereiro de 2024, delibere recomendar à Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 15.º conjugado com o n.º 3 do artigo 71.º ambos do Regimento o seguinte:

  1. Que avance o quanto antes com um Projeto de Regulamento Municipal de Saúde, Proteção e Bem-Estar Animal a apresentar, que se traduza na compilação e na clarificação das matérias dispersas por vários diplomas legais e que caibam no conceito de bem-estar animal.
  2. Que dê conhecimento da presente deliberação às Associações de Proteção Animal existentes no município, à Polícia Municipal de Lisboa, ao Comando Metropolitano de Lisboa da PSP (COMETLIS) e ao Comando Territorial da GNR de Lisboa.

Lisboa, 20 de fevereiro de 2024

O Grupo Municipal

do Pessoas – Animais – Natureza

António Morgado

(DM PAN)


[1] https://am-lisboa.pt/302000/1/008357,000420/index.htm