AmbienteAnimaisEducaçãoLisboaPAN

Recomendação: Por um Programa Municipal de Educação Ambiental que integre o bem-estar animal

Recomendação: Por um Programa Municipal de Educação Ambiental que integre o bem-estar animal

Desde 2016 que cabe ao Estado assegurar “a integração de preocupações com o bem-estar animal no âmbito da Educação Ambiental, desde o 1.º Ciclo do Ensino Básico”, conforme ficou estabelecido no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 27/2016[1], de 23 de agosto. Todavia, decorridos 4 anos, a introdução das matérias relacionadas com a proteção animal nas escolas é manifestamente insuficiente, tendo aparentemente o Estado olvidado essa incumbência.

O ensino da proteção ambiental e animal passa por um projeto de educação e sensibilização integrado que orienta o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.

Ora, em setembro de 2017, um ano após a publicação do inicialmente referido Decreto-Lei n.º 27/2016, foi publicada a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC), vindo em 2018 a ser reforçada a componente de Cidadania e Desenvolvimento como uma área que deve estar presente nas diferentes ofertas educativas e formativas, como uma área de trabalho transversal, com uma abordagem de natureza interdisciplinar.

Na referida ENEC os diferentes domínios da Educação para a Cidadania surgem organizados em três grupos, sendo o primeiro obrigatório para todos os níveis e ciclos de escolaridade, o segundo obrigatório pelo menos em dois ciclos do ensino básico, o terceiro com aplicação opcional em qualquer ano de escolaridade[2]. O Bem-estar animal consta no 3º Grupo, o opcional.

No conjunto de Referenciais preparados pela Direção-Geral da Educação[3] no âmbito da Educação para a Cidadania, disponíveis na página da internet da DGE, não se encontra um Referencial para a Educação em Bem-estar Animal.

Encontramos, contudo, o Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade (Educação Pré-Escolar, Ensino Básico e Ensino Secundário)[4], datado de 2018, inserido no Objetivo Estratégico: Educação Ambiental + Transversal da Estratégia Nacional de Educação Ambiental 2020 (ENEA 2020), a qual foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2017, de junho de 2017.

A ENEA 2020 proclama a “construção da literacia ambiental em Portugal que, através de uma cidadania inclusiva e visionária, conduza a uma mudança de paradigma civilizacional, traduzido em modelos de conduta sustentáveis em todas as dimensões da atividade humana”. Contudo, regista-se uma única vez a palavra “animal” e no contexto da Água[5], encontrando-se a “biodiversidade” como elemento a preservar sem qualquer referência, uma vez mais, ao bem-estar animal.

Já o Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade refere por diversas vezes o vocábulo animal, inserindo a adoção de “comportamentos que visam o bem-estar animal” no tema I – Sustentabilidade, Ética e Cidadania, aumentando o grau de aprendizagem pretendido ao longo do percurso escolar, desde o ensino pré-primário ao ensino secundário.

Neste último nível da escolaridade, o objetivo constante no Subtema B – Ética e Cidadania foca-se na compreensão do aluno do conceito de bem-estar animal, ao nível fisiológico, ambiental, sanitário, comportamental e psicológico e ainda no conhecimento da legislação vigente, nomeadamente das diretrizes europeias relativas ao bem-estar animal e ainda que participe em atividades na escola ou fora dela que visem a compreensão do conceito e a responsabilização relativamente ao bem-estar animal.

Ora, embora este seja o documento que mais elabora o nível de conhecimento que os alunos e alunas devem ter sobre bem-estar animal, não aborda de forma exclusiva ou extensa esta matéria. Assim, o Bem-estar animal, pese embora conste na Educação para a Cidadania como uma das matérias a abordar (opcionalmente, é certo) não tem um referencial como outras matérias e é remetido para o Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade.

De acordo com o relatório “Online consultation on the Future of Europe[6], resultante de uma vasta consulta aos cidadãos relativa às prioridades futuras da União Europeia, quando perguntado “Que decisões tomadas na ao nível da UE o fariam mais orgulhoso de pertencer à União?”, o bem-estar animal aparece tão importante como a liberdade de expressão e mais importante que o combate à corrupção.

Ora, desde o Tratado de Lisboa (dezembro de 2007), que os animais são, a nível europeu, reconhecidos como seres sensíveis/ sencientes, o que significa que são seres vivos capazes de sentir prazer e dor.

Na sequência desta alteração, foi adotada, em janeiro de 2012, uma estratégia europeia quadrienal relativa ao bem-estar animal[7], numa tentativa de a Comissão Europeia melhorar a qualidade de vida dos animais, tendo-se estimado à data que dois biliões de pássaros e trezentos milhões de mamíferos seriam usados na agricultura/pecuária e que cerca de doze milhões de animais eram utilizados em experimentações. Já o número de animais transacionados na União Europeia e de animais mantidos em zoológicos e aquários não foi possível de ser apurado.

Essa estratégia, cujo prazo de vigência terminava em 2015, previa uma proposta de alteração da legislação em matéria de bem-estar dos animais (inovadora e centrada nos resultados em termos de bem-estar animal) e o reforço na educação e na formação profissional de todas as partes envolvidas.

Entre nós, desde a aprovação da Lei n.º 8/2017, de 3 de março, que os animais já não são considerados coisas, sendo hoje reconhecido pelo nosso ordenamento jurídico que são “seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza”, conforme disposto no artigo 201.º – B, do Código Civil. 

Ora, o reconhecimento da natureza própria e da dignidade dos animais, enquanto seres vivos sensíveis deve implicar a promoção de políticas públicas vocacionadas para a sua proteção, a começar pela educação, nomeadamente para os valores do respeito pela vida animal, bem-estar e cuidados de que são carecidos, contribuindo assim para combater os maus tratos e o abandono, bem como a importância da preservação das espécies e dos seus habitats e do respeito pelas suas características naturais.

Um estudo realizado pela Wildlife Trusts[8] descreve a necessidade das crianças com idades entre os 4 e 11 anos terem no seu quotidiano pelo menos uma hora em contacto com a natureza e locais bravios, já que esse contato lhes permite aumentar os níveis de confiança e bem-estar, podendo desenvolver uma conexão pessoal com a natureza e com os animais[9], demonstrando uma vez mais que as crianças devem compreender o seu papel no desenvolvimento e defesa da biodiversidade e dos benefícios potenciados pela natureza, bem como pelo bem-estar animal.

A literacia ambiental e animal constitui também um incentivo para que as crianças e jovens saiam dos espaços interiores a que hoje estão, na sua maioria, confinados, potenciando-se atividades que permitam o contacto direto com a natureza e com os animais, transmitindo-lhes os benefícios do contacto da natureza, através da realização de percursos pedestres, observação de aves, ciclismo, canoagem, entre outras atividades saudáveis.

Nestes termos e considerando que,

  • Não existe um referencial para a educação na área do Bem-estar animal, muito embora o seu ensino esteja previsto ao longo do percurso escolar, desde o pré-primário até ao ensino secundário inclusive;
  • A União Europeia posiciona-se como o principal garante dos interesses dos seres vivos animais não humanos e a sua população defende a proteção animal como uma das suas prioridades;
  • O momento de urgência climática apela a uma alteração do paradigma na relação existente entre o ser humano e os outros seres vivos;
  • A autarquia de Lisboa tem um Programa Integrado de Educação Ambiental para a Sustentabilidade[10], que visa o reforço de uma cidadania mais consciente para a tomada de decisões ambientalmente responsáveis e a aquisição de competências socio-emocionais;
  • Lisboa, além de capital do País, é Capital Verde Europeia, e que tem percorrido um caminho que se pretende de politica de bem estar animal, nomeadamente através das grandes melhorias do que era o anterior canil de Lisboa, hoje Casa dos Animais, o fim do abate de animais de companhia em finais de 2013 e ainda a criação da figura da Provedora Municipal dos Animais de Lisboa, além do Lx-Cras, local de abrigo e tratamento de espécies silvestres.

O Grupo Municipal do PAN propõe que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Extraordinária de 17 de março de 2020 ao abrigo do disposto no artigo 15.º, alínea c) do Regimento e do artigo 25.º, n.º2, alíneas a) e k) do Anexo I da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, delibere a apelar à Câmara Municipal de Lisboa para que:

  • Promova um Programa Municipal de Educação Ambiental, que integre o domínio do bem-estar animal com o devido enfoque, em colaboração com os estabelecimentos de ensino, as empresas e as organizações não governamentais e equiparadas e associações existentes no município.

Lisboa, 3 de março de 2020.

O Grupo Municipal
do Pessoas – Animais – Natureza

Miguel Santos – Inês de Sousa Real


[1] https://dre.pt/pesquisa/-/search/75170435/details/maximized

[2] . 1.º Grupo: Direitos Humanos (civis e políticos, económicos, sociais e culturais e de solidariedade); Igualdade de Género; Interculturalidade (diversidade cultural e religiosa); Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde (promoção da saúde, saúde pública, alimentação, exercício físico). 2.º Grupo: Sexualidade (diversidade, direitos, saúde sexual e reprodutiva); Media; Instituições e participação democrática. Literacia financeira e educação para o consumo; Segurança rodoviária; Risco. 3.º Grupo: Empreendedorismo (nas suas vertentes económica e social); Mundo do Trabalho; Segurança, Defesa e Paz; Bem-estar animal; Voluntariado. Outras (de acordo com as necessidades de educação para a cidadania diagnosticadas pela escola e que se enquadre no conceito de EC proposto pelo Grupo).

[3] Referenciais encontrados na página em janeiro de 2020: Referencial de Educação Financeira para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico, o Ensino Secundário e a Educação e Formação de Adultos, Referencial de Educação para a Saúde, Referencial de Educação para a Segurança, a Defesa e a Paz, Referencial de Educação para o Desenvolvimento – Educação Pré-Escolar, Ensino Básico e Ensino Secundário, Referencial de Educação para o Risco (RERisco), Referencial de Educação para os Media para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico e o Ensino Secundário, Referencial de Educação Rodoviária para a Educação Pré-Escolar e Ensino Básico, Referencial Dimensão Europeia da Educação para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico e o Ensino Secundário, Referencial para a Educação do Consumidor, disponíveis em https://www.dge.mec.pt/educacao-para-a-cidadania/documentos-de-referencia, consultado em janeiro de 2020.

[4] https://www.dge.mec.pt/sustentabilidade-para-educacao-ambiental, consultado em janeiro de 2020, elaborado uma parceria entre a Direção-Geral da Educação Referenciais encontrados na página em janeiro de 2020: Referencial de Educação Financeira para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico, o Ensino Secundário e a Educação e Formação de Adultos, Referencial de Educação para a Saúde, Referencial de Educação para a Segurança, a Defesa e a Paz, Referencial de Educação para o Desenvolvimento – Educação Pré-Escolar, Ensino Básico e Ensino Secundário, Referencial de Educação para o Risco (RERisco), Referencial de Educação para os Media para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico e o Ensino Secundário, Referencial de Educação Rodoviária para a Educação Pré-Escolar e Ensino Básico, Referencial Dimensão Europeia da Educação para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico e o Ensino Secundário, Referencial para a Educação do Consumidor.

[5] As principais causas de impactos negativos sobre o estado das massas de águas estão interligadas e incluem, a par das atividades económicas, como a produção de energia, a indústria, a agricultura, a produção animal, a aquicultura e o turismo, as alterações climáticas e outros usos dos solos, com destaque para o desenvolvimento urbano em certas zonas do território.

[6] https://ec.europa.eu/commission/sites/beta-political/files/online-consultation-report-april-2019_en.pdf

[7] https://ec.europa.eu/food/sites/food/files/animals/docs/aw_eu_strategy_19012012_en.pdf

[8] Esta entidade, que representa 46 organizações locais e 2.300 reservas naturais do Reino Unido, instou o governo a criar uma rede de espaços selvagens onde os alunos são livres de trepar árvores e ter contacto com a vida selvagem. As suas recomendações baseiam-se num estudo da University College London

[9] https://www.theguardian.com/environment/2019/nov/07/children-should-spend-an-hour-a-day-in-wild-says-wildlife-trusts 

[10] o qual consta da página da internet em https://www.lisboa.pt/cidade/ambiente/qualidade-ambiental/educacao-ambiental