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Requerimento – Demolição do Lactário/ Creche do Jardim da Estrela ao abrigo de “obras de reabilitação”

Imagem Fórum Cidadania LX

Requerimento – Demolição do Lactário/ Creche do Jardim da Estrela ao abrigo de “obras de reabilitação”

O edifício Lactário/ Creche situado no Jardim da Estrela, agora demolido pela Câmara Municipal de Lisboa, era propriedade municipal (tal como os seus escombros são) e o estado de degradação a que chegou é fruto do abandono e falta de conservação a que foi votado.

Este Executivo (com alterações de composição mas com o PS como principal força política e com o pelouro do Urbanismo) está há mais de 12 anos à frente do Município, sendo, por isso, o único e exclusivo responsável pelo que sucedeu: uma demolição, disfarçada de reabilitação, já explicada como necessária devido ao avançado estado de degradação (da responsabilidade, repetimos, do município).

O que sucedeu é, por um lado, uma ameaça para o património edificado, como para o património imaterial, afetivo e imagético.

Paralelamente, comprova dois outros factos: o desprezo desta autarquia pelo século XIX, verificável na destruição e permissão de destruição de tantas e tantas edificações desse período na nossa cidade, bem como o uso de critérios distintos para as intervenções realizadas pela autarquia e pelo Estado e pelos particulares.

Estes últimos encontram uma enorme burocracia, prazos desmesurados, entraves atrás de entraves, despachos para conservação de fachadas e outros elementos com muito menor valor do que os que estavam aqui presentes, num constante e conhecido arrastar de processos.

Esta intervenção não é conservação, será quanto muito reconstrução, e sem dúvida que coloca em causa os valores essenciais quando se intervém em património: reversibilidade da intervenção, intervenção mínima, não se comprometer a autenticidade histórica e garantir da forma menos intrusiva a segurança estrutural deste património.

O edifício da Creche-Lactário situado no Jardim da Estrela era um edifício construído no século XIX: um “chalé, destinado a jardim de infância, concebido para desenvolver o modelo de educação infantil de Froebel (o Kindergarten). A localização do edifício, a sua arquitectura e organização espacial respeitam este programa, obediente ao princípio do contacto com a natureza, à exigência de terrenos envolventes para recreio, exercícios físicos e trabalho educativo (entre eles a jardinagem), e à incorporação de preceitos de higiene escolar, sobretudo traduzidos na utilização de amplos vãos, em painéis móveis, que garantam iluminação natural e ventilação, de grelhas que permitam o arejamento permanente do edifício e ainda a separação das instalações sanitárias do edifício principal”[1].

Era igualmente um edifício classificado como um bem cultural imóvel de interesse arquitetónico e histórico, constando na Carta Municipal do Património Edificado e Paisagístico e estando listado na Lista de Bens da referida Carta Municipal – 17.12 Creche – Lactário / Jardim da Estrela, integrando ainda o conjunto composto pelo Jardim da Estrela, pelo edifício agora demolido e pelo Coreto.

Estranhamente, a Câmara Municipal de Lisboa ignorou ao longo dos anos o que determina o PDM (PDM esse de sua autoria), e relembramos, sem querermos ser exaustivos:

“A estrutura patrimonial municipal integra os bens culturais imóveis de interesse arquitetónico, histórico, paisagístico, arqueológico e geológico que, pela sua particular relevância, devem ser especialmente tratados e preservados no âmbito dos atos de gestão e planeamento, com vista à respetiva valorização e integração urbana, sendo composta por duas categorias de bens: a) Os bens culturais imóveis de interesse predominantemente arquitetónico, histórico e paisagístico, que incluem: i) Imóveis e conjuntos arquitetónicos; ii) Objetos singulares e lojas de referência histórica e/ou artística; (…)

As intervenções sobre os bens da estrutura patrimonial municipal devem privilegiar a sua conservação e valorização, a longo prazo, de forma a assegurar a sua identidade e a evitar a sua destruição, descaracterização ou deterioração.”

A autarquia ignorou também deliberadamente os princípios definidos nas Cartas e Convenções internacionais para intervenção no património arquitectónico, como a Carta de Cracóvia, a qual refere expressamente que, sendo o património arquitetónico, urbano ou paisagístico resultado de “uma dialéctica entre os diferentes momentos históricos e os respectivos contextos sócio-culturais”:

  • “Qualquer intervenção implica decisões, escolhas e responsabilidades relacionadas com o património, entendido no seu conjunto, incluindo os elementos que embora hoje possam não ter um significado específico, poderão, contudo, tê-Io no futuro”;
  • “A conservação pode ser realizada mediante diferentes tipos de intervenções, tais como o controlo do meio ambiental, a manutenção, a reparação, o restauro, a renovação e a reabilitação”;
  • “A manutenção e a reparação constituem uma parte fundamental do processo de conservação do património. Estas acções exigem diversos procedimentos, nomeadamente investigações prévias, testes, inspecções, controlos, acompanhamento dos trabalhos e do seu comportamento pós-realização. Os riscos de degradação do património devem ser previstos em relatórios apropriados para permitir a adopção de medidas preventivas”;
  • Devem ser evitadas reconstruções de partes significativas de um edifício, baseadas no que os responsáveis julgam ser o seu “verdadeiro estilo”. A reconstrução de partes muito limitadas, com um significado arquitectónico pode ser excepcionalmente aceite, na condição de se fundamentar, em documentação precisa e irrefutável. Se for necessário para o uso adequado do edifício, podem-se incorporar elementos espaciais e funcionais, mas estes devem exprimir a linguagem da arquitectura actual. A reconstrução total de um edifício, que tenha sido destruído por um conflito armado ou por uma catástrofe natural, só é aceitável se existirem motivos sociais ou culturais excepcionais, que estejam relacionados com a própria identidade da comunidade.”

Por se tratar de uma área da cidade com elevado valor histórico, não é com surpresa que se verifica que o edifício em causa (ou o que dele resta) também se encontra inserido na Zona Especial de Proteção (ZEP) da Basílica da Estrela[2], pelo que qualquer intervenção que nele decorra está sujeito ao previsto no Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro. Ora, por estar situado numa ZEP, deve obedecer a restrições adequadas em função da proteção e valorização do bem imóvel classificado, nomeadamente no que concerne ao tipo de obras de alteração, entre elas quanto à morfologia, cromatismo e revestimento exterior dos edifícios, devendo os edifícios ser preservados e, em circunstâncias excecionais, podendo ser demolidos, além de que devem ser identificadas as condições e a periodicidade de obras de conservação de bens imóveis ou grupo de bens imóveis situados nas ZEPs, garantindo que fica assegurada a função de zona especial de proteção, ou seja, que fica assegurado o enquadramento paisagístico do bem imóvel e as perspetivas da sua contemplação.

No PAN defendemos que o património cultural, e nele o arquitetónico, é determinante para a identidade coletiva e também um importante elemento de valorização do território, devendo ser preservado com veracidade e não através de recriações, não nos cabendo decidir que elementos podem ser dispensados ou mantidos, deturpando o legado para as gerações futuras.
Face ao exposto, vem o Grupo Municipal do PAN requerer a V.ª Ex.ª que se digne, nos termos da alínea g) do artigo 15º do Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa, solicitar à Câmara Municipal de Lisboa que:

  1. Disponibilize à Assembleia Municipal de Lisboa e ao público o relatório prévio elaborado e que presidiu à tomada de decisão quanto à presente intervenção no Lactário, referindo, entre outros, a fundamentação das opções tomadas, nomeadamente a demolição do existente e a reconstrução, a justificação de ser contrariado estipulado no PDM e nas cartas internacionais sobre conservação e reabilitação do património com que Portugal se comprometeu;
  2. Esclareça por escrito quanto à compatibilidade dos sistemas e materiais propostos em relação aos existentes;
  3. Esclareça, igualmente por escrito, quanto à avaliação dos benefícios e riscos das obras ou intervenções propostas;
  4. Remeta a bibliografia e fontes documentais relevantes no âmbito das obras ou intervenções propostas;
  5. No caso de existência de parecer emitido pela Direção Geral de Património Cultural remeta a esta Assembleia cópia do mesmo.

Lisboa, 22 de fevereiro de 2021.


O Grupo Municipal do
Pessoas – Animais – Natureza

Miguel Santos – Inês de Sousa Real

[1] http://www.monumentos.gov.pt/site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=7831
[2] https://patrimoniodgpc.maps.arcgis.com/apps/webappviewer/index.html?id=7f7d5674280f41849c0a0869ced22d91