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Respostas para os reclusos e reclusas libertados e aumento de procura dos tratamentos de substituição de baixo limiar de exigência no contexto do COVID-19

Sem-Abrigo

Requerimento: Respostas para os reclusos e reclusas libertados e aumento de procura dos tratamentos de substituição de baixo limiar de exigência no contexto do COVID-19

Em Portugal havia 12729 reclusos em 49 estabelecimentos prisionais tendo, no âmbito das medidas tomadas a nível nacional para evitar a propagação do coronavírus, através da Lei n.o 9/2020, de 10 de abril, a Assembleia da República decretado o “Regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19”, estabelecendo no âmbito da emergência de saúde pública ocasionada pela referida doença as seguintes medidas:


a) Um perdão parcial de penas de prisão;
b) Um regime especial de indulto das penas;
c) Um regime extraordinário de licença de saída administrativa de reclusos condenados;
d) A antecipação extraordinária da colocação em liberdade condicional.

Cada uma destas medidas tem as suas especificidades e aplicação, conforme explicado na referida Lei.

Paralelamente, foi decretado o 3º Estado de Emergência em Portugal1 , o qual se iniciou às 00h00 de sábado, 19 de abril, e irá prolongar até o dia 2 de maio.

Ora, o estado de emergência em vigor estabelece regras semelhantes aos anteriores períodos, com pequenas alterações no sentido de abertura para revitalização da economia, as quais, de uma forma sintética, e sendo selecionadas para a matéria em análise, passam pelo confinamento obrigatório, pelo dever especial de proteção para os maiores de 70 anos, os imunodeprimidos e portadores de doença crónica que devam ser considerados de risco; dever geral de recolhimento domiciliário para todos os cidadão que não estão sujeitos a confinamento obrigatório ou a dever especial de proteção.

Entre outras, são consideradas exceções à interdição de circulação e permanência na via pública:

– Aquisição ou venda de bens alimentares, de higiene ou farmacêuticos, bens transacionados em estabelecimentos industriais ou comerciais e a prestação de serviços autorizados a funcionar;

– Acesso a unidades de cuidados de saúde;

– Acesso ao local de trabalho, com declaração que ateste que estão no desempenho das respetivas atividades profissionais;

– Assistência e cuidado a idosos, menores, dependentes e pessoas especialmente vulneráveis;

– Retorno a casa.

Sendo ainda de sublinhar que, durante o estado de emergência, podem ser utilizados os equipamentos sociais que estejam aptos a entrar em funcionamento e dotados dos equipamentos necessários, cabendo ao Instituto da Segurança Social fixar o número de vagas dos estabelecimentos, dando prioridade ao acolhimento de pessoas com alta hospitalar e outras necessidades detetadas na comunidade.

Não havendo ainda números oficiais apresentados, na comunicação social tem sido referido que só pela primeira medida do “Regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça” foram abrangidos cerca de 2246 reclusos, para além dos que venham a ser incluídos nos indultos do Presidente da Républica e dos que venham a obter licença de saída administrativa extraordinária.

Embora, de acordo com o artigo 8º da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, a libertação dos reclusos seja antecedida dos procedimentos indicados pela Direção-Geral da Saúde, estes não se encontram nela especificados.

Mais, de acordo com a legislação em vigor2 são diversos os procedimentos a adotar antes e no momento da libertação dos reclusos, como, por exemplo, o exame médico em momento anterior à sua libertação, podendo mesmo acontecer que, caso o médico considere que a saída imediata representa perigo para vida ou perigo grave para a saúde do recluso, tal facto implique (obtido o consentimento do recluso) a sua permanência no estabelecimento pelo tempo indispensável ao seu ingresso em estabelecimento de saúde adequado, no exterior, devendo para tal ser solicitada a participação dos serviços de saúde e de apoio social competentes.

Ora, de acordo com diversas associações de apoio social e com notícias difundidas na comunicação social3 , parece não ter havido um protocolo para os reclusos e reclusas libertados que garanta, no mínimo, três condições fundamentais, nomeadamente:

– Que todos os reclusos e as reclusas que já saíram, ou venham a sair das prisões, tenham um local para habitar, podendo assim cumprir o exigido dever geral de recolhimento domiciliário para todos os cidadãos ou o obrigatório confinamento, se estiverem infetados ou tiverem tido contacto com infetados, nem o dever especial de proteção para os casos aplicáveis (mais de 70 anos e doentes crónicos);

– Garantia de que nestas libertações ficou acautelada a continuação dos cuidados médicos, nomeadamente para aqueles que tinham planos de tratamento com necessidade de medicamentação, cuidados psicoterapêuticos individualizados e/ou seguiam programas de produtos farmacológicos de substituição (caso da metadona), relembrando que, por exemplo, no caso de transferência de estabelecimento prisional, a medicação considerada imprescindível pelos serviços clínicos acompanha o recluso, em dose suficiente para um mínimo de oito dias de tratamento, com informação dirigida aos serviços clínicos do estabelecimento de destino sobre a sua correta administração;

– Necessária referenciação para juntas de freguesia, apoios camarários ou associações de apoio a reclusos e reclusas que, não tendo rede de apoio familiar, necessitem de refeições e vestuário para garantir a sua sobrevivência.

Pelos motivos e questões expostos, o Grupo Municipal do PAN não pode deixar de demonstrar a sua preocupação com esta realidade e questionar a autarquia de Lisboa sobre de que forma está a ser articulada e acompanhada, com todas as entidades envolvidas, esta situação.

Num requerimento anterior, o Grupo Municipal já tinha alertado para a situação especialmente vulnerável das pessoas em situação de sem abrigo e também das pessoas com consumos aditivos ou ainda que se prostituem, frisando que é essencial garantir que as associações mantêm as atividades de apoio e prevenção de doenças, entre as quais: distribuição e troca de material assético para consumo; programas de troca de seringas e de preservativos; contínua realização de ações de educação e sensibilização para práticas de minimização de riscos, passando a incluir a propagação da Covid-19; apoio psicossocial e psicológico, avaliação médica, cuidados médicos e de enfermagem; ajuda na toma de fármacos com prescrição médica; encaminhamento para as estruturas de saúde e de tratamento; rastreio de doenças infeciosas; encaminhamento para as estruturas de apoio social e ainda o transporte e acompanhamento até às estruturas de saúde para tratamentos e consultas.

No âmbito nacional, o PAN apresentou uma proposta, que foi rejeitada, a qual visava precisamente garantir o acompanhamento social e laboral destas pessoas, para que não se vissem na iminência de serem libertadas sem a necessária articulação com medidas de reintegração social e laboral. Apesar de se tratar de uma medida de âmbito nacional, pelo acima exposto, teria impacto nos municípios, em particular nos apoios sociais necessários, ainda estes sejam uma responsabilidade partilhada com outras entidades.

Face ao exposto, vem o Grupo Municipal do PAN requerer a V.ª Ex.ª, nos termos da alínea g) do artigo 15º do Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa, e com carácter urgente, que solicite à Câmara Municipal de Lisboa esclarecimento relativos:

– Quais os procedimentos de articulação entre a autarquia de Lisboa e os serviços que procederam à libertação de reclusos e reclusas, de forma a garantir habitação, alimentação, vestuário, meios de subsistência e continuidade de tratamentos de saúde?

– Sendo em Lisboa a associação Ares de Pinhal que garante o programa de substituição em baixo limiar de exigência, que se destina a promover a redução dos consumos por via da sua substituição por metadona, e que é dispensada sem exigência imediata da abstinência e administrada de forma presencial por um técnico de saúde, na dosagem e periocidade fixada por prescrição médica, que reforço e apoio está a ser dado a estas equipas, considerando que têm registado um aumento na procura, pese o programa dependa de outras entidades exteriores à CML, como o Ministério da Saúde?

– Qual a previsão para a abertura das previstas e prometidas Salas de Consumo Assistido?

Lisboa, 20 de abril de 2020.


O Grupo Municipal do
Pessoas – Animais – Natureza

Miguel Santos – Inês de Sousa Real