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Uma no cravo, outra na ferradura

As comemorações do 25 de Abril deste ano ficaram marcadas pela presença do Presidente do Brasil, a manifestação parlamentar desencadeada pelos Deputados do Chega perante a sua comparência e a reprimenda do Presidente da Assembleia da República em corolário.

Concorde-se ou não com o convite, identifique-se ou não com a sua ideologia política, reprove-se ou não o seu passado de governação, Lula da Silva foi convidado e esteve presente enquanto Presidente da República Federativa do Brasil, eleito democraticamente e por sufrágio universal. Lula, naquele momento, representava mais do que a si mesmo. Representava uma nação e um povo, que, por sinal, tem uma ligação umbilical com Portugal.

O comportamento insolente dos Deputados do Chega em pleno Dia da Liberdade não consubstancia nem representa o verdadeiro significado da liberdade de expressão, reconquistada há 49 anos, mas espelha a libertinagem de ação, num acto indecoroso e inconveniente.

A tal libertinagem que tanto criticam, a falta de educação, de saber estar, de saber comportar, de cumprir regras, mas são, não raras vezes, os primeiros a incumprir e a dar o exemplo contrário do que apregoam.
Ainda na semana passada, em pleno parlamento açoriano, o Deputado do Chega, quando se discutia a alteração à lei sobre a utilização de artigos de pirotecnia, decidiu dar uma lição sobre como “mandar fogo para o ar” explicando, passo a passo, inclusivamente o da infração da lei, para lançar uma roqueira, com o único propósito de assinalar a reza do terço na sua freguesia.

Não satisfeito com a confissão do crime (vá, contraordenação) ainda justifica o móbil da transgressão com uma frase vazia de conteúdo, mas cheia de significado: “Eu não cumpro a lei porque a lei é assim. É o que é .”

Um deputado que se assume acérrimo defensor do escrupuloso cumprimento da lei e das normas de convivência plena em sociedade, pelo menos para alguns grupos de pessoas, assume no mesmo local onde fez juramento de honra em que iria cumprir e fazer cumprir a lei, que não a cumpre e que, pelo seu discurso se deduz, irá reincidir no seu incumprimento. Se calhar a reza do terço é em honra de Frei Tomás…

Mas voltando às celebrações de Abril, o Presidente da AR, num cenário muito idêntico ao de sala de aula, em que o professor é impelido a dar um ralhete aos alunos insubordinados, interrompeu o discurso do Presidente do Brasil para admoestar a bancada parlamentar do Chega, procurando restituir a civilidade à sessão solene que decorria.

Nem todos os meios justificam o fim. Se é condenável a atitude dos Deputados do Chega, a intervenção de Augusto Santos Silva não deixa de ser censurável pelos moldes em que escolheu manifestar-se.

O Presidente da AR tem que ser imparcial pelo enquadramento regimental. Augusto Santos Silva tem, enquanto PAR, o direito e o dever de manter uma boa ordem de trabalhos, mas o cargo não lhe confere legitimidade ou carta branca para tecer juízos de valor políticos.

Não satisfeito, decidiu ainda, já fora do hemiciclo, mas ainda subordinado às suas funções, tecer novamente juízos de valor sobre as prestações parlamentares, em tom jocoso e num registo que mais se assemelha a de um comentador político do que à de segunda maior figura do Estado.

As regras básicas de conduta do parlamento foram violadas por ambos os lados, numa ação e reação lamentável de se ter em plena Assembleia da República, sobretudo perante todo o simbolismo do dia que se comemorava.