AçoresEconomia e FinançasLocalidadeParlamento Açoriano

Crueza dos factos

Pedro Neves - Opinião AO

Vivemos um período de incertezas, no rescaldo da pandemia e eclosão de uma guerra no espaço europeu, cenário onde podem suceder-se situações políticas de excepção consequentes a crises socioeconómicas e financeiras, de regime agravadas pelos populismos e nacionalismos, geoestratégicas na disputa áreas de influência, bem como provocadas por fenómenos extremos devido às alterações climáticas. Em particular, deve preocupar-nos a situação da Europa, dos seus membros, pelo risco de dissidências, da quebra na coesão e do próprio projecto europeu.

O panorama sócio-económico nacional a curto prazo não é mais animador. Segundo dados do INE a variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor foi de 7,2% em Abril de 2022, taxa superior em 1,9 pontos percentuais à observada no mês anterior e a mais elevada desde Março de 1993. Entre Janeiro e Maio de 2022 o preço do cabaz básico de compras encareceu 18,3% e na última semana acentuou-se o preço dos cereais em 16% face à semana anterior.

Ora o normal é que este nível de inflação se reflicta nos Açores enquanto ultraperiferia altamente dependente das importações. O impacto sobre famílias é preocupante sobretudo pelo aumento generalizado nos custos da alimentação.

Um erro do Governo Regional foi não ter feito, ainda, uma previsão realista para a inflação na Região, sendo incredíveis os dados que em Março apontavam para um valor de 1,2%, quando a taxa de inflação no Continente acelerou para 7,2% em Abril, segundo o INE. E se havia nos Açores quase 30% de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social em 2021, é previsível que este número venha infelizmente a aumentar.

A associação Empresarial Portuguesa alerta que Portugal, sem reformas e alterações nas políticas económicas, passará do 6º mais baixo PIB per capita da EU em 2023 para o 4º pior em 2030. Seguramente que a trajectória da RA Açores não será diferente.

Se já é deveras preocupante o crescimento da dívida, olhando para o boletim de execução orçamental constatarmos que entre Janeiro e Março de 2021 a RA Açores teve uma receita efectiva de cerca de 684 milhões, mas em 2022, no período homólogo, esta não chega a 630 milhões. A possível quebra da receita pelo desagravamento fiscal sem a certeza de um crescimento económico robusto e sustentável não foi certamente acautelada pelo GRA.

Por outro lado, há um claro aumento na despesa, não apenas pela inflação ou custos energéticos, mas também por um certo facilitismo numa série de medidas tomadas apressada e simultaneamente, nem todas prioritárias. Nada para o qual o PAN/Açores não tivesse alertado durante a discussão do Plano e Orçamento, designadamente a má avaliação do cenário macroeconómico e um optimismo inusitado quanto ao clima inflacionista que já grassava antes do conflito bélico.

Se a subida preços pode ser acompanhada por um aumento da tributação fiscal, a quebra da procura interna e das exportações podem anular essa a receita da RA Açores. E sabendo que o agravamento da despesa incide sobre a sua parcela estrutural, possivelmente não haverá outra opção à austeridade senão o recurso a mais endividamento, agravamento do deficit e dos encargos com a dívida, que desde Dezembro passado permanece com uma notação de BBB-.

Pergunta lógica e inevitável: para quando um orçamento rectificativo?