PAN

cultura verdadeira(mente)

Vamos falar de cultura, parece que para uns a cultura é uma coisa e para outros outra. Do latim cultura, culturae, que significa “ação de tratar”, “cultivar”, "cuidar" ou “cultivar a mente e os conhecimentos. Deixemos a dita cultura não civilizacional e polémica, e sigamos a verdadeira definição.

Cuidar de nós, do Outro e das relações que se estabelecem entre nós e o Mundo.

Cada indivíduo nasce livre e por direito devia manter-se livre, no entanto persistem os grilhões da caverna de Platão. Estes grilhões são-nos impostos pelo que se passa dentro da caverna durante o processo formativo, apenas vemos sombras e a interpretação dada pelos outros. Podemos classificar as sombras e as emoções que elas nos causam e até podemos em conjunto formar uma tradição classificativa relativa às sombras que observamos, mas nada sabemos da realidade.

É importante poder sair da caverna para termos um “insight” sobre a natureza das sombras. Enquanto caminhamos na sombra a dificuldade de ver mais além é extrema.

A maior dificuldade em fazer o processo anteriormente descrito passa pelo andarmos distraídos, apressados, desatentos, sem apreciar cada momento, cada sentido, vivemos ‘sufocados’, auto-centrados, mais egoístas não só para o Outro como para nós próprios, e nem isso damos conta.

Deixámos passar a oportunidade do cultivo, a rega do conhecimento.

Para fugir ao sufoco dessa realidade, alimentada por cada um, é necessário e essencial criar uma alternativa, que nos guarde a essência e nos defenda dessa realidade adversa, que seja um refúgio e mais do que isso: o local onde podemos ser nós próprios, onde sintamos liberdade e o nosso existir.

Permitimos que a economia, o dinheiro, o poder se sobrepusessem aos valores que fomos perdendo após o nosso nascimento.

Porém, existem formas díspares de lidar com o caos e a desordem, com os dilemas socio-políticos, ambientais e de sustentabilidade, com os impasses do nosso tempo e da nossa sociedade. Com uma visão mais clara podemos começar a ver mais claro.

Através da arte podemos trespassá-los, é nela que reside também a mudança. Interromper o pensamento automático e inculto, abrindo a possibilidade de novos raciocínios. As Artes são elementos indispensáveis no desenvolvimento da expressão pessoal, social e cultural. São o veículo que nos leva ao nosso outro mundo, o alternativo onde perpetua a sensibilidade, a imaginação, a razão e a emoção.

Tangencialmente entre a realidade e a ficção.

Para não ficarmos dependentes do pensamento automático, importa distinguir condutas, identidades ou estilos de vida associados a processos criativos, desde a escrita às instalações criativas, da arquitetura, passando pela pintura, pela escultura, até à música e dança, entre tantas outras formas de expressão que cada indivíduo pode dar e contribuir no crescimento e desenvolvimento de uma sociedade.

Há pouco tempo, na Fundação Calouste Gulbenkian, escritores, músicos, artistas visuais, arquitectos e outras figuras ligadas à cultura, partilharam com os espetadores – que é o que somos enquanto seres individuais e sociais – as obras e os artistas que mais os inspiraram, assim como conversas onde se refletiu sobre o “gosto dos outros” (o nosso plural, enquanto protagonista e actor singular que somos).

E o vosso? Já se questionaram verdadeiramente acerca do vosso gosto?

Não permitamos que o abjeto de uma realidade corrompa essa dimensão individual. Que a cultura regresse à sua origem de “plantar” e transforme cada um de nós em seres capazes de ‘semear’ e ‘lavrar’ esse terreno.

“Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,

Sacode as aves que te levam o olhar (…)” Sophia de Mello Breyner Andresen

Ousemos ser quem somos, sejamos a nossa própria obra de arte.

Um todo.

29 de novembro de 2018

Marta Valente, membro da Comissão Política Nacional