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Discurso (In)solene em Dia da Liberdade

Pedro Neves - Opinião AO

As comemorações do 48º aniversário do 25 de Abril decorridas em pleno na Assembleia da Républica, após 2 anos de celebrações condicionadas fruto do estado pandémico, trouxeram-nos um discurso desfasado e impertinente ao simbolismo do dia.  

Que me recorde, foi a primeira vez, em sede de comemorações do Dia da Liberdade, que um Presidente da República tenha dedicado um discurso por inteiro às Forças Armadas.

Ninguém nega a importância que as Forças Armadas representam nem todo o trabalho e colaboração que esta estrutura do estado edifica em várias áreas, mas pautar o discurso exclusivamente sobre a necessidade de reforçar o investimento das FAP vem desvirtuar o simbolismo da data que se comemora, que foi também impulsionado pela vontade de pôr termo a uma guerra.

O investimento bélico que o Chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas veio preconizar como essencial não deixa de fazer sentido à luz da actual realidade que a Europa enfrenta, mas a escolha do momento da sua anunciação não manifesta pertinência ou adequação à insígnia maior da comemoração da democracia e da liberdade.

Sobretudo quando este discurso é pronunciado passados dois anos de subsequentes estados de emergência, que condicionaram e beliscaram os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos portugueses, e implicaram um sobre esforço para muitos profissionais e sectores empresariais, sem haver lugar a qualquer palavra de reconhecimento ou apreço perante esse período vivido.

Nestes últimos dois anos, onde a pandemia impôs uma necessária sobrecarga orçamental e consequente aumento da dívida pública, com os investimentos no campo da saúde, mas também na necessidade em deslocar e alocar verba em outros sectores vitais, de forma a impedir o eclodir financeiro de inúmeros agregados familiares e empresas, vimos a nossa dívida publica a aumentar substancialmente e em função do decréscimo do PIB.

Agora, e depois de se relegar várias áreas e sectores nestes últimos dois anos, o Presidente da República vem apelar ao reforço da Defesa e das Forças Armadas, quando o investimento do Estado nesta área, face ao PIB, já é hoje, mais alto do que em países como a Itália e a Alemanha e onde se assiste ao acentuar do desequilíbrio na estrutura militar entre praças, sargentos e oficiais. Em 2019, o número de graduados era maior do que praças, havendo 220 generais, dos quais 114 na reserva, que representam um encargo que ascende aos 13,9 milhões de euros anuais.

Estima-se que o investimento das Forças Armadas venha a representar perto de 2% do PIB nacional, até 2024. Este aumento da despesa na Defesa será, naturalmente, compensado com a redução da despesa noutros sectores, e terá lugar num momento em que a dívida publica continua a aumentar e em que batemos valores recordes da taxa de inflação e que se sobrepõem aos aumentos salariais.

E porque a guerra combate-se hoje em muitos mais terrenos e com vários outros meios, que não apenas os bélicos, existem demais sectores primordiais de se investir. A invasão da Rússia à Ucrânia vem reforçar a urgente necessidade de investimento e de dedicação orçamental a áreas como a transição energética e soberania alimentar. Mas esta não parece ser uma prioridade, e será, mais uma vez, preterida e relegada a segundo plano.