Direitos Sociais e HumanosPANParlamento

Pela condenação do Mundial 2022 no Qatar

Exposição de Motivos

Em dezembro de 2010, a FIFA atribuiu ao Qatar a organização do Campeonato do Mundo de 2022, que irá decorrer de 21 de novembro a 18 de dezembro.

Desde então têm surgido inúmeras questões levantadas em torno da decisão. Desde fortes suspeitas de corrupção no processo de atribuição da organização do Mundial ao Qatar, que atingiram altos responsáveis da FIFA, da UEFA e políticos, questões de violações gritantes de direitos humanos, com a exploração de trabalhadores migrantes para a construção dos estádios, violações de direitos das mulheres e da comunidade LGBTI+, bem como o corte de relações diplomáticas e questões de impacto ambiental.

Denúncias feitas por altos funcionários da FIFA lançaram suspeitas sobre a legalidade da atribuição do Campeonato do Mundo ao Qatar, devido a alegados subornos que visavam a compra de votos. Algo corroborado pela própria data que vai obrigar a uma reestruturação dos calendários das competições de clubes na Europa.

Segundo algumas estimativas recentes, os custos totais associados ao Mundial já ascendem aos 195 mil milhões de euros. Verbas que podem representar 60 vezes mais do que foi gasto na África do Sul, em 2010.

A construção de todas as infraestruturas associadas ao Mundial está também envolta em polémica relacionada com as condições de trabalho de cerca 1,9 milhões de migrantes, provenientes da Índia, Nepal, Paquistão, Filipinas e Bangladesh.

Em novembro de 2013, a Amnistia Internacional classificou de “exploração grave”, a forma como eram tratados os trabalhadores, que eram inclusive obrigados a assinar declarações falsas de que tinham recebido os seus salários para que pudessem recuperar os seus passaportes, entretanto confiscados pela entidade empregadora.

Uma reportagem do jornal The Guardian, denunciou que havia registo de mortes súbitas, causadas por ataques cardíacos, quase diárias entre os trabalhadores nepaleses, que relataram espancamentos e casos em que lhes era negada água.

Os relatos e polémica foram de tal gravidade que o governo do Qatar se viu obrigado a mudar as suas leis laborais de forma a permitir melhores condições de trabalho. A mudança na legislação foi considerada, por ativistas e defensores de direitos humanos, como um importante passo na luta pelos direitos dos trabalhadores, embora haja o fundado receio de que após o Mundial sejam repostas as leis anteriores.

Mais de 6500 trabalhadores perderam a vida na construção dos estádios e das infraestruturas desde que o Campeonato do Mundo foi atribuído ao Qatar, de acordo com dados de organizações internacionais como a ‘Human Rights Watch‘. Os migrantes, cerca de dois milhões de pessoas, representam 95% de toda a mão de obra do país.[1]

Sobre o número de mortes, o governo do Qatar diz que é proporcional face ao tamanho e à demografia da população trabalhadora, sendo grande parte das mortes atribuída a causas naturais, como insuficiência cardíaca ou respiratória. De acordo com uma investigação do jornal britânico ‘The Guardian’, cruzando várias fontes governamentais, refere que outras causas de morte foram provocadas por acidentes de trânsito, acidentes de trabalho e suicídio, estimando que cerca de 12 migrantes morreram por semana desde que a organização da competição foi atribuída ao país.

O ‘The Guardian’ refere ainda que o total de mortes é ainda superior, já que não inclui as vítimas mortais de países como as Filipinas e o Quénia, nem as mortes ocorridas nos últimos meses de 2020.

“As graves violações aos direitos humanos no Qatar parecem ter unido o Mundo contra este campeonato”[2].

A Associação Frente Cívica[3] disse em comunicado ter pedido às câmaras municipais de Lisboa e do Porto que “boicotem” o Mundial 2022 de futebol, em protesto contra “a corrupção e as violações de direitos humanos” no Qatar.

Para além de tudo isto, o Qatar é um país onde a homossexualidade é punida com pena de prisão entre um e três anos, o sexo fora do casamento também é punido com flagelação, ou pena de morte e mulheres que denunciem que foram violadas podem ser acusadas por sexo consensual.

De acordo com a organização de defesa dos direitos LGBT Human Dignity Trust, o Qatar também opera uma interpretação da lei Sharia “na qual é tecnicamente possível que homens que se envolvam em intimidade com pessoas do mesmo sexo sejam condenados à morte”.

No que diz respeito aos direitos das mulheres, a Amnistia Internacional explica que impera a “tutela masculina”, atribuída geralmente ao marido, pai, irmão, avô ou tio, precisando de autorização do tutor para tomar decisões relativamente à gestão da sua vida. As mulheres divorciadas estão impedidas de ficar com a guarda dos filhos.

Apesar das reformas introduzidas em matéria laboral como a proteção salarial, o governo opôs-se à criação de um fundo de indemnização para trabalhadores mortos, ou feridos. A Amnistia Internacional e a Human Rights Watch apelam para a FIFA e Qatar criem um fundo de compensação de valor equivalente aos prémios do Campeonato do Mundo.

Finalmente, no campo ambiental, têm sido cometidos verdadeiros crimes no que diz respeito à construção do edificado e das infraestruturas, da utilização de recursos naturais, e de emissões carbónicas. Relativamente a esta questão, o governo do Qatar comprometeu-se a compensar algumas das emissões de carbono do mundial através da criação de novos espaços verdes irrigados com água reciclada e a construção de projetos de energia alternativa, algo que, como sabemos, não compensará os impactos negativos que este Mundial terá no ambiente.

Ainda assim, e apesar de todas as violações de direitos humanos, o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Governo deslocaram-se ao Qatar para assistir a jogos da selecção portuguesa no mundial, algo que, no entender do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA é incompreensível.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República:

1- Condene as violações de direitos humanos no Qatar, nomeadamente a exploração laboral dos trabalhadores migrantes, os direitos das mulheres e da comunidade LGBTI, incluindo as responsabilidades da Federation Internationale de Football Association (FIFA);

2 – Condene os crimes contra ambiente cometidos para a realização do Mundial 2022.

Assembleia da República, Palácio de São Bento, 18 de novembro de 2022

A Deputada,

Inês de Sousa Real


[1] Qatar2022, o Mundial que ninguém quer – Mundial – SAPO Desporto

[2] Idem

[3] Frente Cívica pede a Lisboa e Porto que ‘boicotem’ Mundial2022 – Mundial – SAPO Desporto