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Recomenda ao Governo que no âmbito da revisão do PRR que vai empreender garanta a transparência sobre o impacto ambiental das alterações empreendidas e estude a inclusão de um aumento de verbas que permita criar uma componente de adaptação às alterações climáticas, assegurar uma maior ambição nos objetivos de eficiência energética e hídrica das habitações, garantir a irradiação das situações de alojamento não clássico até 2026 e reforçar os meios para a investigação e combate à corrupção

Exposição de Motivos

No âmbito da discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2023, a Senhora Ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, afirmou que, em Janeiro de 2023, o Governo iria iniciar a negociação com a Comissão Europeia para a revisão do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), por forma a “garantir o pleno aproveitamento de fundos europeus” e a fazer face aos constrangimentos no acesso a matérias-primas e à inflação elevada.

Esta revisão é possível ao abrigo do artigo 21.º do Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de fevereiro de 2021, que a admite, mediante pedido fundamentado à Comissão Europeia, quando “o plano de recuperação e resiliência, incluindo os marcos e as metas pertinentes, deixar de ser parcial ou totalmente exequível pelo Estado-Membro em causa devido a circunstâncias objetivas”. De resto, conforme o PAN afirmou no início deste ano, a renegociação da afetação de fundos europeus é sempre possível na medida em que esses fundos estejam ainda por executar, tal como já sucedeu noutros quadros financeiros nas últimas décadas – no último para garantir mais recursos para a resposta à crise económica e no penúltimo para reafectar fundos europeus para projetos ligados à ciência e inovação.

O anúncio do Governo de que estaria a preparar um processo de revisão do PRR para garantir o pleno aproveitamento dos fundos europeus, afigura-se como tendo uma enorme importância já que, apesar da sua execução se ter iniciado em 2021, chegamos a Novembro de 2022 e verificamos que dos 16 643 950 000 euros de financiamento da União Europeia para o PRR, só tinham sido pagos a beneficiários diretos e finais 1 038 927 644 de euros – o que se traduz nuns meros 6,24% de execução. O quadro de execução existente torna-se ainda mais preocupante quando olhamos para a dimensão do PRR referente à transição climática – aquela onde menos dinheiro foi gasto até agora -, já que num contexto de grave crise energética como o que estamos a viver verificamos que só 21,49% da verba prevista para eficiência energética dos edifícios foi executada e que nenhuma das verbas previstas para a descarbonização da indústria e para as energias renováveis foi ainda gasta.

Face a este cenário, este processo de revisão que o Governo irá empreender junto da Comissão Europeia constitui uma oportunidade única para reajustar prioridades do PRR e corrigir algumas das suas insuficiências – como é o caso da adaptação do território aos efeitos das alterações climáticas-, por forma a assegurar que este é, conforme o PAN tem defendido, um instrumento capaz de garantir uma dinâmica de recuperação económica com resposta às necessidades estruturais  do país e com capacidade para garantir a transição para um modelo de desenvolvimento económico sustentável, ecológico, com neutralidade carbónica e justiça social.

Desta forma, o PAN considera que há pelo menos quatro dimensões que não podem ficar de fora deste processo de revisão.

A primeira, prende-se com a dimensão de adaptação às alterações climáticas. Se olharmos para o PRR verifica-se que, no domínio das alterações climáticas, o foco está exclusivamente na transição climática, esquecendo a adaptação às alterações climáticas, o que não nos parece estar plenamente alinhado com o disposto, por exemplo, no âmbito da Lei de Bases do Clima, aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro. Esta situação deverá merecer uma revisão que assegure um reforço de verbas, porque, por um lado, Portugal faz parte de uma zona geográfica de maior vulnerabilidade aos efeitos adversos das alterações climáticas – sendo que de entre esses efeitos destaca-se a desertificação, a seca, os fogos florestais, a erosão da linha de costa devido à subida do nível médio do mar e ao aumento de tempestades, a diminuição da produtividade agrícola, a dificuldade na manutenção de sistemas agrícolas mais sensíveis a limitações hídricas ou de produção tradicional, a propagação de doenças, a poluição atmosférica, entre outros. De resto o impacto destes efeitos adversos já se faz sentir, já que conforme refere um relatório da Direção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia, publicado em julho deste ano, entre 1980 e 2020 devido a eventos meteorológicos extremos houve uma perda económica total cifrada em cerca de 5% do PIB.

Por outro lado, o reforço das verbas do PRR para as alterações climáticas é necessário tendo em conta a capacidade que o investimento relacionado com a adaptação às alterações climáticas tem para gerar dinamismo na nossa economia. Isto porque, seguindo as informações instituto de estatísticas do Reino Unido, estes investimentos, para além de trazerem uma minimização dos impactos das alterações climáticas sobre as pessoas, têm um efeito positivo sobre a economia, já que por terem uma predominância de investimentos em infraestruturas, apresentam um multiplicador económico de 2, o que significa que por cada euro investido em adaptação às alterações climáticas, o PIB nacional será incrementado em 2 euros.

A segunda, prende-se com o investimento na eficiência das habitações. Neste domínio verificam-se dois grandes problemas. Por um lado, verifica-se que os 300 000 000 de euros previstos para eficiência energética em edifícios é manifestamente insuficientes, já que, de acordo com alguns estudos recentes, para que o nosso país tivesse um parque habitacional eficiente, climaticamente sustentável e confortável precisaria de investir 600 000 000 de euros por ano durante 15 anos. Tal significa que a verba prevista até 2026, é de apenas 8,33% face ao que deveria ser para atingir o mencionado objetivo.

Por outro lado, verifica-se a pouca relevância dada à componente da eficiência hídrica das habitações. Se é verdade que, de acordo com o PRR, uma parte dos 300 000 000 de euros deverá ser canalizado para “intervenções que visem a eficiência hídrica, incluindo a substituição de equipamentos por equipamentos mais eficientes esta componente”, não menos verdade é o facto de o Programa Vale Eficiência – que tem assegurado a execução desta verba – está exclusivamente focado na eficiência energética, excluindo a eficiência hídrica.

Desta forma os dados que já são conhecidos, demonstram-nos que, para além de uma execução mais eficiente, é necessário assegurar um reforço das verbas do PRR alocada à eficiência energética das habitações e uma autonomização da componente da eficiência hídrica das habitações.

A terceira, prende-se com o investimento na habitação e em concreto na irradiação de situações de residência em estruturas precárias e de génese ilegal. Se é verdade que no âmbito do PRR esta é uma preocupação da dimensão de resiliência, não menos verdade é que a resposta a estas situações foi enquadrada no âmbito do Programa de Apoio ao Acesso à Habitação. Apesar deste apoio contar com uma verba total de 1 211 000 000 de euros, a verdade é que este é um programa com uma abordagem transversal, que não se cinge a este objetivo e inclui uma miríade de outras situações de carência que vão desde a insalubridade do local de residência até à inadequação da habitação às necessidades especiais dos residentes com deficiência ou mobilidade reduzida.

Embora esta transversalidade seja importante, consideramos que a revisão que está a ser empreendida tem de assegurar um reforço de verbas que garanta, em articulação com as autarquias locais, a irradiação das situações de residência em estruturas precárias e de génese ilegal ou em alojamento não clássico até 2026. Relembre-se que, de acordo com os dados da PORDATA, em 2021 existiam no nosso país 4 042 alojamentos não clássicos, como estruturas precárias e de génese ilegal (vulgo barracas), havendo 140 em Loures, 127 em Almada, 126 em Portimão, 104 em Viseu, 101 em Aveiro, 99 em Lisboa e 87 em Vila Nova de Gaia.

A quarta e última dimensão prende-se com o combate à corrupção, um flagelo que custa ao país 34 mil euros a cada minuto e que está a impedir o desenvolvimento do país e a resposta às suas necessidades estruturais. Para o PAN a revisão do PRR poderá ser uma forma de reforço dos meios para a investigação e combate à corrupção, pelo que se deverá assegurar o reforço de verbas para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, que na atual versão do PRR tem alocado apenas 1 milhão de euros (200 mil euros por ano) dos 270 milhões de euros destinados à área da justiça. Apesar de este ser o departamento responsável por investigações como as do caso BES, o caso Monte Branco, a Operação Marquês ou a Operação Furacão, que apesar de ser responsável pela recuperação para o erário público de milhares de milhões de euros, nem sequer tem salas de trabalho suficiente, tem apenas uma sala de interrogatório devidamente apetrechada e falta de software para o laboratório informático.

Em paralelo, para além de dever ponderar alterações no âmbito dos domínios assinalados, o Governo deverá assegurar que a revisão que pretende empreender não se apresenta como contraditória com as metas de redução das emissões de gases com efeito de estufa a que o nosso país está internacionalmente vinculado, nem com o objetivo de transição rápida e socialmente equilibrada para uma economia sustentável. Por isso mesmo, com a presente iniciativa, o PAN pretende assegurar que o Governo apresente à Assembleia da República um relatório que relativamente a esta revisão do PRR, identifique autonomamente as iniciativas de ação climática dos vários investimentos que venham a ser previstos e alterados, bem como que apresente uma estimativa do impacto nas emissões de gases com efeito de estufa para cada um desses investimentos.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que, no âmbito da revisão do Plano de Recuperação e Resiliência, que vai ser empreendida ao abrigo do disposto previsto no artigo 21.º do Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de fevereiro de 2021: 

  1. Avalie a inclusão de uma componente relativa à adaptação às alterações climáticas na dimensão de transição climática do Plano de Recuperação e Resiliência, bem como adaptação do território;
    1. Proceda à avaliação da inclusão de um reforço significativo da verba dos investimentos na eficiência energética em edifícios residenciais e da previsão de uma dotação autónoma para os investimentos em intervenções que visem a eficiência hídrica das habitações, por forma a assegurar um parque habitacional eficiente, climaticamente sustentável e confortável;
    1. 3.     Reforce a verba do investimento do Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, previsto na dimensão de resiliência do Plano de Recuperação e Resiliência, por forma a assegurar que, em articulação com as autarquias locais, se atinge o objetivo de irradiação das situações de residência em estruturas precárias e de génese ilegal ou em alojamento não clássico até 2026;
    1. Estude um reforço das verbas atribuídas ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal, em termos que possibilitem a melhoria das respetivas instalações, o reforço dos recursos humanos e a existência de software adequado para o respetivo laboratório informático;
    1. No final do processo de revisão, apresente à Assembleia da República um relatório que relativamente a esta revisão, identifique autonomamente as iniciativas de ação climática dos vários investimentos que venham a ser previstos ou alterados, e apresente uma estimativa do impacto nas emissões de gases com efeito de estufa para cada um desses investimentos.

Assembleia da República, Palácio de São Bento, 15 de novembro de 2022

A Deputada,

Inês de Sousa Real