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Reforço de profissionais da DGAV para inspeção dos projetos de investigação com uso de animais

O Decreto-Lei nº 113/2013, de 7 de agosto transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2010/63/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de setembro de 2010, relativa à proteção dos animais utilizados para fins científicos.

Em 2018, a Comissão Europeia instaurou um processo a 6 Estados-Membros, um dos quais Portugal, por incumprimento de alguns artigos da Diretiva. Foram identificadas deficiências na transposição da Diretiva 2010/63/EU, de 22 de setembro, em alguns artigos do Decreto Lei n.º 113/2013, de 7 de agosto, designadamente:

  • A não transposição do artigo 34.º (Inspeções pelos Estados-Membros);
  • A transposição incorreta do artigo 6º, n.º 2 (Métodos de occisão);
  • Artigo 10.º, n.º 3 (Animais criados para utilização em procedimentos);
  • O Artigo 14.º, n.º 4 (Anestesia);
  • O 2.º parágrafo do n.º 1 e n.º 2 do artigo 20.º (Autorização de criadores, fornecedores
    e utilizadores);
  • O artigo 41.º, n.ºs 3 e 4 (Decisões de autorização);
  • O artigo 55.º, n.ºs 1, 2 e 3 (Cláusulas de salvaguarda).

A instauração deste processo de infracção ao estado português, com o n.º 2018/2040, dava nota de que a transposição da Diretiva para a legislação nacional, não incluía as disposições em matéria de inspeções nem garantia que os procedimentos que implicam um elevado nível de dor só pudessem ser provisórios. Portugal respondeu, com algumas alterações legislativas, ao Decreto-Lei n.º 113/2013 em janeiro de 2019 (Decreto-Lei n.º 1/2019, 10 de janeiro).

Ainda assim, têm sido vários os investigadores que têm demonstrado elevado nível de preocupação com a forma como a investigação com recursos a animais para fins científicos tem sido praticada em Portugal. Desde logo, pela falta de fiscalização das instalações (vulgo, biotério) e do cumprimento da legislação de proteção e bem-estar animal durante a realização de procedimentos experimentais.

O PAN tem conhecimento que há projetos de investigação com recursos a animais para fins científicos tiveram início, sem a avaliação e parecer favorável da DGAV. A isto acrescem diversos relatos de projetos cuja componente de experimentação animal já se encontrava completamente concluída e os seus resultados publicados em contexto de teses, dissertações, relatórios académicos ou artigos científicos e que, ainda assim, não tinham qualquer validação por parte da DGAV.

A avaliação e parecer por parte da DGAV é, no entanto, obrigatória antes que possa ser dado início a qualquer projeto de investigação nesta área. Assim, Portugal incorre num grave incumprimento da legislação, estando vários projetos de investigação em curso sem a respetiva aprovação.

Para além disso, não há garantia de cumprimento das condições de proteção e bem-estar animal nos projetos previamente aprovados, por falta de fiscalização da DGAV. Ainda que estejam salvaguardadas questões como a formação dos investigadores no que se refere à legislação em vigor e procedimentos em animais utilizados para fins científicos, esta formação não garante per si o cumprimento da lei. Assim, um processo de monitorização e fiscalização externo deste tipo de práticas por parte da DGAV deveria tornar-se uma constante, de modo a garantir que são identificadas todas as situações de ausência ou fraca proteção do bem estar animal.

Uma das justificações apontada para justificar as deficiências apontadas pela UE, foi a falta de recursos, considerando que seria necessária a dotação de uma maior capacidade inspetiva e de fiscalização1.

Segundo informação disponibilizada pela DGAV, nos últimos 5 anos foram realizadas, apenas, 55 ações de controlo aos estabelecimentos, sendo que desde 2016 até ao final de 2020 foram autorizados 452 projetos com recurso à utilização de animais para fins científicos.

A realidade em Portugal é reveladora da necessidade deste reforço, quer de meios humanos, quer de formação dos quadros técnicos, atendendo que os dados estatísticos2, disponíveis, referentes ao número de animais que foram utilizados para fins científicos reportados pelos institutos de investigação confirmam um aumento exponencial destes ao longo dos últimos anos. A título de exemplo: 2015 – 20.623; 2016 – 31.712; 2017 – 52.983; 2018 – 81.107; 2019 – 79.447.

Também, analisando o ano de 2019 em relação à classificação da severidade dos procedimentos experimentais realizados, verifica-se que 11.242 animais foram alvo de procedimentos severos e 25.255 de procedimentos moderados, apesar de no artº 15 da nossa legislação (e da legislação comunitária), referir que “os Estados-Membros asseguram que um procedimento não seja realizado se implicar dor, sofrimento ou angústia severos susceptíveis de se prolongarem e que não possam ser aliviados.” Perante os milhares de animais sujeitos a procedimentos severos acima identificados, questiona-se o cumprimento da legislação.

Paralelamente, recorde-se o Regime Sancionatório do DL 113/2013, de 7 de agosto Artigo 56.º Contraordenações que “Constituem contraordenações, punidas com coima de 500,00 EUR a 3740,00 EUR, no caso de pessoa singular, e de 1000,00 EUR a 44 890,00 EUR, no caso de pessoa coletiva” e que a distribuição do produto das coimas, através do artigo 59.º é da seguinte forma:

a) 10 % para a autoridade que levantar o auto de notícia;
b) 30 % para a DGAV;
c) 60 % para os cofres do Estado.

De nada serve uma legislação, se esta não for cumprida ou não forem dadas todas as condições para a sua implementação.

Considerando os dados relativos ao número de fiscalizações em comparação com o número de projetos e número de animais utilizados, considera-se a necessidade urgente da fiscalização e cumprimento da legislação, que exigem transparência de processos e medidas muito claras a serem assumidas pelo Estado, pelas Universidades e outros institutos científicos, na redução seja do número de animais utilizados, seja na utilidade e severidade dos procedimentos experimentais efetuados. Ao que acresce a necessidade de formação especializada dos recursos humanos, para um melhor desempenho do exercício das suas funções de fiscalização numa matéria tão específica como os animais utilizados para fins científicos.

Portugal deve assumir-se como um país cumpridor das mais rigorosas regras de proteção e bem-estar animal, com uma investigação com recurso a modelos animais que não se encontre desfasada da legislação nacional e das diretivas comunitárias europeias.

  1. https://www.noticiasaominuto.com/pais/1736294/experimentacao-animal-por-ca-em-que-pe-estamose-o-que-falta-trilhar ↩︎
  2. http://srvbamid.dgv.minagricultura.pt/portal/page/portal/DGV/genericos?generico=1149097&cboui=1149097 ↩︎