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Tourada nos Açores: A arte de torturar à corda

Um ano após a apresentação da iniciativa do PAN, a pedir o fim das touradas nos Açores seguem as
audiências em comissão.

A mais relevante, da Professora Sandra do Carmo Teixeira, ocorreu a semana passada e foi-o não apenas para a temática que moveu a génese da iniciativa, mas porque se espera que sirva, agora com nova informação, aos que detêm poder decisório, de ponderação no impacto das suas deliberações na vida de cada ser que, sem qualquer poder de escolha, está sujeito ao mero capricho
da diversão.

Num exercício de enorme generosidade, ao partilhar conceitos que nem todos dispomos a adquirir ou aceitar, baseados em estudos científicos da neurociência, neurofarmacologia, neurofisiologia, a Professora de Direito e especialista em Ética Animal, enquadrou o especismo para clarificar a razão
para tratamos como coisas os demais animais com os quais dividimos o nosso espaço.

Sem precisarmos de usar empatia ou subjectividade, mas apenas racionalidade, será fácil percebermos que, depois da Declaração de Cambridge ter determinado que os animais não humanos possuem sistema nervoso central que lhes concede capacidade para sentir dor e prazer, ou seja consciência, tudo mudou ou deveria ter mudado de forma veloz. Ou seja, a senciência deixou de ser uma faculdade, reconhecidamente, exclusiva dos humanos.

Toda e qualquer acção que provoque dor e stress num animal num momento como as touradas, em
que é usado para mera diversão de outro animal, o Homem, não constitui um momento passageiro.
A fisiologia possante de um animal como o toiro até pode enganar-nos, mas só quem quiser andar de venda em relação a esta matéria pode negar que o toiro tem consciência do perigo e dor.

Desta forma é necessário mudar a forma como olhamos para as outras espécies, mesmo que não
gostemos de animais. Até porque a moldura normativa a partir de 2017 concede um novo estatuto
aos demais animais e já não os considera como coisas ou meros objectos ao declarar “que o direito
de propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte”. Por “motivo legitimo” entenda-se que tem de existir fundamento jurídico e até moral. A tourada constituirá um motivo legítimo? Não. E a ciência assim o prova.

A porta está aberta para que, querendo, os juízes portugueses – os supremos aplicadores da lei – com
base nos conhecimentos actuais, a possam invocar e proibirem qualquer tipo de tourada ou o uso de
animais para divertimento.

A tourada à corda é assumidamente a prática tauromáquica com mais expressão nos Açores e a que
consome, por decisão política, mais receita. Ao ouvirmos os defensores da tauromaquia afirmar que a tourada é uma expressão tradicional enraizada na identidade local e que, como tal, deve ser preservada e transmitida de forma geracional, presumimos que nada tão cedo mudará para aquela que deveria ser a abordagem cultural centrada no respeito inter-espécies.

A História não é um tribunal, mas encontra sempre uma forma intrigante de se repetir. Recordemos as discussões nas Universidades de Salamanca, Évora ou Coimbra na época da expansão ultramarina, relativamente à legitimidade e legalidade de posse das terras da América e escravidão dos povos. A
teologia moral debatia, então, temas jurídicos e discutia-se se a liberdade era um direito natural. Se no século XVI houve nomes notáveis que questionaram e quebraram ideias enraizadas como escravidão dos índios do Brasil, porque não fazer o mesmo no seculo XXI em relação ao uso e sofrimento dos animais para diversão humana?