Exposição de Motivos
A Lei de Bases do Clima, aprovada por via da Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro, entrou em vigor a 1 de fevereiro de 2022, contudo, as diversas disposições nela prevista e que teriam estar implementadas no prazo de um ano a contar daquela data, continuam ao que sabemos por executar.
A Lei de Bases do Clima veio consagrar um conjunto de avanços – como a previsão da possibilidade de antecipação das metas de neutralidade carbónica para 2045 – e de inovações jurídicas – como o reconhecimento do clima como património comum da humanidade ou a criação de novos direitos ambientais -, sendo dotada de uma visão holística que entende que os desafios colocados pela emergência climática têm implicações diversas e a diversos níveis das nossas vidas. A adoção de uma tal lei constituiu, por conseguinte, um importante passo no combate à emergência climática que estamos a viver e um compromisso geral no sentido da existência de políticas públicas alinhadas com esse combate e com o respeito pela evidência científica.
Contudo, para que estes importantes avanços consagrados na Lei de Bases do Clima se consubstanciem em mudanças efetivas é necessário que saiam do papel e se tornem efetivos, algo que tarda em suceder.
Durante a atual legislatura, o PAN tem-se desdobrado, sucessivamente, para que isso suceda em diversos aspetos concretos referentes à Lei de Bases do Clima que estão por cumprir, por via não só da denúncia das diversas omissões em intervenções parlamentares, mas também mediante a apresentação de propostas concretas no sentido de as suprir. Foi o caso do Projeto de Lei n.º 44/XV/1.ª, que propunha que se procedesse à adaptação da Lei de Enquadramento Orçamental às exigências relativas ao processo orçamental e à fiscalidade verde, constantes da seção I, do capítulo V, da Lei de Bases do Clima, no caso do Projeto de Regimento n.º 3/XV/1.ª, que assegurando o cumprimento do disposto no artigo 27.º da Lei de Bases do Clima prevê a necessidade de existir uma avaliação prévia de impacto climático para todas as iniciativas legislativas que dão entrada na Assembleia da República, e do caso Projeto de Resolução n.º 212/XV/1.ª, que exorta à adoção das diligências necessárias à criação do Conselho para a Ação Climática, em cumprimento do disposto no número 4, do artigo 12.º da referida lei.
Para além das situações anteriormente referidas, volvido que está um ano de vigência da Lei de Bases do Clima, verifica-se que estão por concretizar um conjunto de diligências que deveriam estar concluídas a 1 de fevereiro de 2023 e cujo cumprimento está atribuído ao Governo.
Por cumprir estão, assim, no momento da apresentação da presente iniciativa, um conjunto de oito pontos da Lei de Bases do Clima, que estão na estrita responsabilidade do Governo e que ao ficarem por cumprir praticamente deixam o essencial desta Lei na gaveta.
De entre estes pontos, para além de um conjunto de relatórios e estudos que visam permitir a adaptação da legislação em vigor e de um conjunto de políticas públicas aos objetivos e metas fixados na Lei de Bases do Clima, destacam-se como especialmente relevantes três pontos.
O primeiro ponto, que gostaríamos de destacar e que está por cumprir, é a criação e a disponibilização do portal da ação climática, previsto no artigo 10.º da Lei de Bases do Clima. De acordo com o estipulado nesta lei, este portal na internet deverá disponibilizar, de forma gratuita e acessível, a partir de dia 1 de fevereiro de 2023, um conjunto de informação designadamente sobre as emissões de gases de efeito de estufa e os setores que mais contribuem para essas emissões, o progresso das metas de redução de emissões de gases de efeito de estufa, as fontes de financiamento disponíveis para ações de mitigação e adaptação às alterações climáticas, para os setores público e privado, e respetivo estado de execução, ou as metas e compromissos internacionais a que o Estado Português está vinculado. Ao prever a criação deste portal a Assembleia da República procurou fomentar uma maior participação cidadã na ação climática por via de uma maior transparência em matéria ambiental e climática.
O segundo dos pontos mais importantes que estão por cumprir, é a ausência de elaboração por parte do Governo dos orçamentos de carbono para o período 2023-2025 e para o quinquénio 2025-2030, nos termos previstos no n.º 8, do artigo 20.º, da Lei de Bases do Clima. Estes orçamentos são um instrumento crucial para que se possa alcançar a antecipação das metas de neutralidade carbónica para 2045 prevista na Lei de Bases do Clima, uma vez que, por esta via, serão estabelecidos limites de emissões de gases de efeito de estufa.
O terceiro e último ponto que gostaríamos de destacar diz respeito à restrição da produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma ou outras culturas alimentares insustentáveis que, nos termos previstos na alínea b), do artigo 44.º, deveria estar em vigor desde dia 1 de Janeiro de 2023 – algo que, conforme já assinalámos anteriormente. Mesmo antes da Lei de Bases do Clima, por proposta do PAN, no Orçamento de Estado de 2021, aprovado pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, previu-se no artigo 318.º que “em 2021, o Governo diligência no sentido de restringir a produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma ou outras culturas alimentares insustentáveis a partir de 1 de janeiro de 2022, promovendo a utilização de biocombustíveis sustentáveis, como a reciclagem de óleos alimentares usados” e que a previsão de tal restrição constava também da Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis, conjugada com o disposto no Regulamento Delegado (UE) 2019/807, da Comissão, de 13 de março de 2019. Esta omissão é especialmente grave porque, segundo a organização não-governamental Zero, nos três primeiros semestres do ano 2021, a produção nacional e a importação de biocombustíveis resultaram em mais de 42 milhões de litros de biodiesel produzidos a partir de óleo de palma e resíduos de palma, cerca de 13,28% do biodiesel, e que, no ano de 2022, para além de se ter mantido esta trajetória de aumento de utilização deste tipo de combustíveis, foram previstos um conjunto de incentivos fiscais através da isenção do Imposto Sobre Produtos Petrolíferos, da Contribuição do Serviço Rodoviário e da Taxa de Carbono, que deram um bónus fiscal de vários milhões de euros a este tipo de combustíveis. O não-cumprimento pelo Governo da Lei de Bases do Clima no que se refere à restrição de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma no nosso país, para além de ser um desrespeito pela vontade da Assembleia da República, representa um inadmissível incentivo à indústria de palma, que é responsável por um processo devastador de desflorestação (40% da desflorestação a nível global), pelo agravamento dos perigos para espécies em risco (como o orangotango) e por uma cultura insustentável do ponto de vista ambiental (já que estas plantações apenas armazenam um terço do carbono comparativamente com as florestas autóctones e que se estima que o desmatamento da floresta com fogo resulte em emissões adicionais entre 207 a 650 toneladas de carbono por hectare).
Conforme alertou a Zero, “a existência da lei tem de se consubstanciar em ações e medidas concretas, sob pena de não passar de um conjunto de intenções”. Por isso mesmo, atendendo à necessidade de a Assembleia da República assegurar o pleno cumprimento das suas deliberações, com a presente iniciativa o PAN pretende garantir que o Governo cumpre o disposto na Lei de Bases do Clima, aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro, e leva a cabo as diligências que, nesse âmbito, são colocadas sob sua competência.
Nestes termos, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República adote a seguinte Resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que, em cumprimento do disposto na Lei de Bases do Clima, aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro, proceda:
- À criação e disponibilização do portal da ação climática, que divulgue informação designadamente sobre as emissões de gases de efeito de estufa e os setores que mais contribuem para essas emissões, o progresso das metas de redução de emissões de gases de efeito de estufa, as fontes de financiamento disponíveis para ações de mitigação e adaptação às alterações climáticas, para os setores público e privado, e respetivo estado de execução, ou as metas e compromissos internacionais a que o Estado Português está vinculado, nos termos previstos no artigo 10.º;
- À elaboração e entrega à Assembleia da República dos orçamentos de carbono para o período 2023-2025 e para o quinquénio 2025-2030, nos termos previstos no n.º 8, do artigo 20.º;
- À adoção das diligências necessárias à restrição da produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma ou outras culturas alimentares insustentáveis, nos termos previstos na alínea b), do artigo 44.º;
- À apresentação à Assembleia da República de um relatório em que identifique os diplomas em potencial divergência com as metas e instrumentos climáticos da Lei de Bases do Clima, nos termos previstos no artigo 75.º;
- À regulamentação da matéria da partilha de informação sobre a integração do impacte e risco climáticos na construção dos ativos financeiros, nos termos previstos no artigo 76.º;
- À elaboração e divulgação de um relatório sobre o património público, os investimentos, as participações ou subsídios económicos ou financeiros que não cumprem os princípios da taxonomia sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia, nos termos previstos no artigo 77.º;
- À apresentação à Assembleia da República de um relatório contendo as revisões necessárias para harmonizar o Código das Sociedades Comerciais e demais legislação com o disposto na Lei de Bases do Clima, nos termos previstos no artigo 78.º;
- À apresentação à Assembleia da República de uma revisão das normas que regulamentam a concessão, prospeção e exploração de hidrocarbonetos em Portugal adequada às metas e os objetivos climáticos previstos na Lei de Bases do Clima, nos termos previstos no artigo 79.º
Assembleia da República, Palácio de São Bento, 20 de janeiro de 2023
A Deputada,
Inês de Sousa Real