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Recomenda ao Governo que, no âmbito das organizações internacionais de faça parte e em especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU, se posicione favoravelmente a um apelo firme para que a República Islâmica do Irão pare de usar a pena de morte como ferramenta para dissuadir os protestos em curso e assegure a imediata libertação de todos os manifestantes que foram arbitrariamente detidos na sequência da morte de Masha Amini

Exposição de Motivos

A morte de Masha Amini, jovem curda de 22 anos, ocorrida a 16 de Setembro de 2022, sob tutela da polícia dos costumes, três dias após ter sido detida, em Teerão, pela polícia dos costumes por não cobrir completamente o cabelo com o hijab, gerou uma onda de corajosos protestos no Irão e em diversos países, incluindo Portugal, que reivindicam justiça para Masha Amini e contestam a violência contra mulheres e a imposição de restrições de vestuário, de aspeto físico e de presença no espaço público impostas às mulheres e que limitam implacavelmente as suas liberdades fundamentais. No Irão os protestos marcados pela queima de hijabs, iniciaram-se no Curdistão e estenderam-se a outras partes do país, tendo sido brutalmente reprimidos pelas autoridades iranianas, causando a morte a pelo menos 304 pessoas, entre as quais 24 mulheres e 41 crianças e tendo as minorias baluchi e curda sido especialmente afetadas.

Desde o dia 16 de setembro, foram detidos milhares de manifestantes pacíficos, incluindo muitas mulheres, crianças e jovens, advogados, jornalistas, defensores dos direitos humanos e ativistas, sendo que muitos deles permanecem até hoje em situação de incomunicabilidade.

Para além das mencionadas mortes e detenções, no final do mês de outubro, oito pessoas foram indiciadas pelo Tribunal da Revolução Islâmica, na província de Teerão, por crimes passíveis de pena de morte, nomeadamente por “fazer guerra contra Deus” e por “corrupção na terra”, tendo sido anunciado o levantamento de cerca de outras 1000 acusações conexas com os protestos espoletados pela morte Masha Amini só na província de Teerão. No passado dia 13 de novembro, diversas agências noticiosas transmitiram a informação sobre a condenação a pena de morte de um destes manifestantes e a penas de prisão de 5 a 10 anos de outras 5 pessoas, sendo tais decisões passíveis de recurso e sendo previsível que nas próximas semanas venham a ser tomadas decisões similares quanto aos outros casos.

Os tribunais revolucionários islâmicos são, desde 1979, um instrumento que o regime iraniano tem utilizado para condenar, dissuadir e constranger a ação de ativistas e defensores dos direitos humanos, de jornalistas, advogados e opositores políticos, sendo que, pelo menos desde os protestos de 2019, a condenação à pena de morte ou a acusação por crimes passíveis da sua utilização têm sido a forma destes tribunais cumprirem os objetivos que justificam a sua existência. Relembre-se que estes Tribunais são caraterizados por julgamentos sumários, flagrantemente injustos e sem garantias de defesa, por acusações manifestamente infundadas e por confissões forçadas obtidas mediante tortura, coação e ofensa à integridade física, e que, no passado dia 6 de novembro, 227 deputados requereram ao poder judiciário que agisse de forma decisiva contra as pessoas detidas durante os protestos e lhes aplicasse a pena de morte, naquilo que constituiu uma clara violação do princípio da separação de poderes.

No passado dia 26 de outubro de 2022, a Assembleia da República já teve a oportunidade de condenar a morte de Masha Amini e a repressão das manifestações pacíficas que lhe sucederam, por via da aprovação por unanimidade do Voto n.º 181/XV,   onde expressou “o seu profundo pesar pela morte de Mahsa Amini, dirigindo a sua solidariedade à respetiva família, aos que sofrem o mesmo tratamento discriminatório de género e a todos os manifestantes vítimas de limitação da sua liberdade de expressão” e “manifestou o seu repúdio face ao recurso à violência por parte das forças de segurança iranianas contra os manifestantes pacíficos e defensores dos direitos humanos, que terão já provocado mais de uma centena de vítimas mortais”.

Os mais recentes desenvolvimentos dos acontecimentos e as informações tornadas públicas relativamente a condenações de manifestantes pacíficos e defensores dos direitos humanos a penas de prisão e até à pena de morte, levaram a que a Alemanha e a Irlanda requeressem, com o apoio de Portugal, a convocação de uma sessão especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU dedicada à deterioração de direitos humanos no Irão.

A realização desta sessão especial e a possibilidade de a situação se continuar a agravar exige um posicionamento mais contundente da parte da Assembleia da República e do Governo relativamente a esta situação em termos que assegurem  que um apelo firme a que o Irão pare de usar a pena de morte como ferramenta para dissuadir os protestos em curso e assegure a imediata libertação de todos os manifestantes que foram arbitrariamente detidos desde o mês de setembro e que se limitaram a exercer o seu direito à liberdade de expressão, de associação, reunião e manifestação em defesa dos direitos humanos.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que, no âmbito das organizações internacionais de que faça parte e em especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU, se posicione favoravelmente a:

  1. um apelo firme para que a República Islâmica do Irão pare de usar a pena de morte como ferramenta para dissuadir os protestos em curso e assegure a imediata libertação de todos os manifestantes que foram arbitrariamente detidos desde o mês de setembro 2022 e que se limitaram a exercer o seu direito à liberdade de expressão, de associação, reunião e manifestação em defesa dos direitos humanos;
  2. ao estabelecimento de um mecanismo internacional de investigação, para garantir a responsabilização da República Islâmica do Irão pelas graves violações dos direitos humanos ocorridas nos últimos anos e em especial na sequência da morte de Masha Amini em 16 de setembro de 2022.

Assembleia da República, Palácio de São Bento, 18 de novembro de 2022

A Deputada,

Inês de Sousa Real