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Recomenda ao Governo que restrinja a produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma ou outras culturas alimentares insustentáveis

Exposição de motivos

A Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2018,  designadamente no artigo 26.º, conjugada com o disposto no Regulamento Delegado (UE) 2019/807, da Comissão, de 13 de março de 2019, prevê a exclusão gradual de biocombustíveis produzidos a partir de culturas alimentares para consumo humano ou animal, e que os mesmos sejam substituídos por biocombustíveis avançados, a fim de minimizar os impactos gerais da alteração indireta do uso do solo, bem como as emissões contínuas de gases com efeito de estufa devido à conversão de áreas naturais em plantações. Desta forma, na ótica desta Diretiva, o óleo de palma é considerado matéria-prima insustentável e, por isso, a sua utilização na produção de biocombustíveis deverá ser abandonada de forma progressiva entre 2023 e 2030.

Apesar da importância estratégica desta diretiva e deste regime jurídico dos biocombustíveis, a verdade é que o Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, que transpôs esta Diretiva para a ordem jurídica nacional, nada dispôs relativamente a esta matéria, o que representa uma oportunidade perdida para o país.

A não consagração pelo Governo desta dimensão de sustentabilidade na produção de biocombustíveis na transposição da Diretiva, uma vez que no Orçamento de Estado de 2021, aprovado pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, se previu no  artigo 318.º, por proposta do PAN, que “em 2021, o Governo diligência no sentido de restringir a produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma ou outras culturas alimentares insustentáveis a partir de 1 de janeiro de 2022, promovendo a utilização de biocombustíveis sustentáveis, como a reciclagem de óleos alimentares usados”.  Reafirmando o disposto no Orçamento, a alínea b), do artigo 44.º, da Lei de Bases do Clima, aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro, prevê a restrição da produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma ou outras culturas alimentares insustentáveis, a partir de dia 1 de janeiro de 2023.

Chegados a 2023, verificamos que estas disposições, que garantem objetivos mais ambiciosos do que os fixados pela legislação europeia, continua a não ser cumprida por parte do Governo. Esta situação é especialmente grave porque, segundo a ZERO, nos 3 primeiros semestres de 2021, a produção nacional e a importação de biocombustíveis resultaram em mais de 42 milhões de litros de biodiesel produzidos a partir de óleo de palma e resíduos de palma, cerca de 13,28% do biodiesel, e que, no ano de 2022, para além de se ter mantido esta trajetória de aumento de utilização deste tipo de combustíveis, foram previstos um conjunto de incentivos fiscais através da isenção do Imposto Sobre Produtos Petrolíferos, da Contribuição do Serviço Rodoviário e da Taxa de Carbono, que deram um bónus fiscal de vários milhões de euros a este tipo de combustíveis.

O não-cumprimento pelo cumprimento pelo Governo da legislação nacional e europeia tendente a restringir a utilização do óleo de palma no nosso país, para além de ser um desrespeito pela vontade da Assembleia da República, representa um inadmissível incentivo à indústria de palma, que é responsável por um processo devastador de desflorestação (40% da desflorestação a nível global), para o agravamento dos perigos para espécies em risco (como o orangotango) e por uma cultura insustentável do ponto de vista ambiental (já que estas plantações apenas armazenam um terço do carbono comparativamente com as florestas e que se estima que o desmatamento da floresta com fogo resulte em emissões adicionais entre 207 a 650 toneladas de carbono por hectare). Além disso, o Governo deveria também estudar a possibilidade de ser mais ambicioso e ir além do que dispõe a Diretiva (UE) 2018/2001, em termos que garantissem o abandono da utilização da soja para a produção de biocombustíveis, tal como sucedeu em França e na Dinamarca.

Desta forma, com a presente iniciativa, o PAN pretende assegurar que o Governo toma as  diligências necessárias à restrição da produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma, nos termos previstos no artigo 318.º do Orçamento de Estado de 2021, aprovado pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, e na alínea b), do artigo 44.º da Lei de Bases do Clima, aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro, e que estude a necessidade e possibilidade de proceder à restrição da produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham outras culturas alimentares insustentáveis, como a soja – tal como sucedeu em França e na Dinamarca.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada Única do PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República adopte a seguinte Resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

  1. Adote as diligências necessárias à restrição da produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma, nos termos previstos no artigo 318.º do Orçamento de Estado de 2021, aprovado pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, e na alínea b), do artigo 44.º da Lei de Bases do Clima, aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro; e
  2. Estude a necessidade e possibilidade de proceder à restrição da produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham outras culturas alimentares insustentáveis, como a soja.

Assembleia da República, Palácio de São Bento, 30 de janeiro de 2023

A Deputada,

Inês de Sousa Real