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Recomendação: Pela salvaguarda da árvores da cidade

Recomendação: Pela salvaguarda da árvores da cidade

Considerando que:

Os municípios e as freguesias dispõem de atribuições e competências próprias, definidas no Regime Jurídico das Autarquias Locais, constante da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, em domínios que se podem sobrepor, designadamente em matéria de ambiente ou de ordenamento urbano;

A Lei n.º 56/2012, de 8 de novembro, que procedeu à reorganização administrativa visou concretizar na cidade de Lisboa os princípios da descentralização administrativa e da subsidiariedade, através de um modelo específico de distribuição de tarefas e responsabilidades entre os órgãos municipais e das freguesias, que visa confiar as competências autárquicas ao nível da administração melhor colocada para a sua prossecução, com racionalidade, eficácia e proximidade aos cidadãos;

Assim, e nos termos da alínea a) do artigo 12.º do referido diploma legal, é da competência das juntas de freguesia “gerir e assegurar a manutenção de espaços verdes”, cabendo-lhes proceder às tarefas de gestão e manutenção do arvoredo, incluindo a poda, o abate e a remoção de cepos nos espaços sob sua gestão, mantendo-se na esfera da gestão municipal as árvores integradas nos espaços considerados de natureza estruturante para a cidade, como tal identificados pela Câmara Municipal mediante proposta fundamentada e submetida à aprovação da Assembleia Municipal, nos termos do seu artigo 13.º;

Através da Deliberação 6/AML/2014, de 21 de janeiro de 2014, publicada no Boletim Municipal, edição especial n.º 1, de 22 de janeiro de 2014, ficaram definidos os espaços verdes de natureza estruturante, cuja gestão e manutenção deve continuar a ser assegurada pela Câmara Municipal e que se encontram devidamente elencados no sub-anexo C, passando os restantes para a esfera das freguesias;

Não obstante a gestão dos espaços verdes não estruturantes ter passado para a esfera da competência própria das freguesias, não se pode ignorar que diferentes critérios em matérias como a poda ou o abate de árvores são sempre alvo de polémica, quer sejam de iniciativa do município, quer das freguesias;

Ora, os espaços verdes em meio urbano desempenham múltiplas e diversas funções, contribuindo para a preservação da biodiversidade, para amenizar extremos climáticos, promovendo a redução de riscos para a saúde pública decorrentes das ondas de calor, bem como a captação de CO2, e proporcionando locais de abrigo, de nidificação e alimentação (pólen, frutos, sementes e invertebrados) para inúmeras espécies animais, incluindo aves e insetos polinizadores, para além de que a folhagem restitui matéria orgânica e nutrientes ao solo.

Referindo algumas disposições normativas aplicáveis a esta matéria:

– Nos termos do artigo 2.º do Regulamento Municipal do Arvoredo, publicado no Diário da República n.º 231/2017, Série II de 2017-11-30[1], este tem por objetivo estabelecer normas disciplinadoras do planeamento, implantação, gestão e manutenção do património arbóreo do Concelho de Lisboa, abrangendo as árvores ou arbustos existentes em espaços municipais e bem assim as árvores ou conjuntos arbóreos com regime especial de proteção, situados em terrenos públicos ou privados;

– Por seu turno, e nos termos do seu artigo 4.º, todas as árvores existentes no concelho são por princípio consideradas elementos de importância ecológica e ambiental a preservar, devendo para tal serem tomadas as necessárias medidas que acautelem a sua proteção, pelo que e de acordo com o n.º 6 da mesma deposição normativa, e ressalvados os casos de abate urgente, sempre que exista necessidade de uma intervenção que implique o abate, ou outra operação que de algum modo fragilize as árvores, deverá esta ser previamente sujeita a Parecer da Câmara Municipal ou da Junta de Freguesia, consoante o caso, de forma a determinar os estudos a realizar, medidas cautelares e modo de execução dos trabalhos;

– A Lei n.º 19/2014 de 14 de abril, que define as bases da política de ambiente, e em cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa,  assegura que todos têm direito ao ambiente e à qualidade de vida, nos termos constitucional e internacionalmente estabelecidos, bem como o poder de exigir de entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e das obrigações, em matéria ambiental, a que se encontram vinculadas nos termos da lei e do direito, sendo o arvoredo por si uma parte fundamental do ecossistema da cidade de Lisboa, que contribui para a qualidade de vida humana e para a preservação da biodiversidade ao acolher diferentes espécies e, como tal, objeto de proteção legal.

Apesar disso, assiste-se na cidade, ano após ano, a uma prática de poda excessiva, a par do abate de árvores adultas, algumas centenárias, únicas e saudáveis, de elevado valor ecológico e ambiental, com a agravante de tal ocorrer mesmo durante o período de nidificação de aves, quando tal decisão deveria apenas ser tomada após uma ponderação cuidada e profunda in loco que pudesse, a par dos estudos ou relatórios técnicos existentes, aferir do efetivo e real risco relativamente aos problemas estruturais detetados, e que justificasse uma medida tão drástica ao invés de uma eventual poda cuidada, preservando acima de tudo o incomensurável valor patrimonial que cada uma representa per se.

Constata-se simultaneamente uma certa perversidade na prática de abate de árvores para criar espaços verdes, o que se afigura altamente imprudente face à crise climática que vivemos, quando se sabe que uma árvore jovem não proporciona os mesmos efeitos de árvores adultas, e que muitas árvores jovens que têm sido plantadas no âmbito de projetos de requalificação não sobrevivem por falta de cuidados, existindo ainda casos de transplantes de árvores que não vingaram.

Com efeito, e não obstante se estabelecer no artigo 21.º do Regulamento Municipal do Arvoredo, que todos os trabalhos de intervenção do arvoredo, designadamente de abate de árvores, deverão ser executados tendo em atenção as boas práticas, de acordo com as Normas Técnicas constantes do seu Anexo I, o facto é que nestas apenas se estabelece a exigência da autorização e bem assim a definição das normas técnicas de abate, omitindo por completo, por exemplo, critérios como os da longevidade das espécies ou de riscos para biodiversidade.

Em alguns países europeus foi desenvolvido um quadro normativo que regula a atividade de arboricultura urbana, designadamente no Reino Unido, onde foi aprovado um conjunto de boas práticas para a gestão de arvoredo urbano (British Standards BS 3998:2010 – Tree Works. Recommendations);

Nos termos do artigo 4.º do Regulamento Municipal do Arvoredo, publicado no Diário da República n.º 231/2017, Série II de 2017-11-30, todas as árvores existentes no concelho são por princípio consideradas elementos de importância ecológica e ambiental a preservar, devendo para tal serem tomadas as necessárias medidas que acautelem a sua proteção e nos termos da demais legislação vigente respeitar ainda o período de nidificação das aves.

Por último, tudo aquilo que vem sendo praticado por este executivo municipal, para além de manifestamente contrário aos bens tutelados, acima de tudo, pela lei fundamental, pelo espírito do Regulamento e recentemente pela distinção de Capital Verde 2020, é cada vez mais alvo de contestação por parte da sociedade civil, que não se compadece com a forma como está a ser tratado o património arbóreo do Concelho de Lisboa e, como tal, constitui uma política que não podemos deixar de contestar, pondo do mesmo modo em causa o compromisso que nos deveria a todos mobilizar, de preservação do meio ambiente e do combate às alterações climáticas.

   Nunca é demais relembrar que Lisboa foi eleita a Capital Verde 2020, distinção que não deve ser meramente proclamatória, mas antes ser encarada como uma oportunidade para que a Cidade promova as melhores políticas ambientais e, acima de tudo, a proteção do seu património natural.

Ademais, veja-se ainda que decorre da nossa Lei Fundamental:

– Que incumbe ao Estado, por si ou em articulação com as autarquias locais, defender a natureza e o ambiente;
– Que todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender;
– Que os planos de desenvolvimento económico e social têm por objetivo promover também a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa do ambiente e a qualidade de vida.

Ora, uma vez que compete ao município tomar as necessárias medidas que acautelem a proteção das árvores existentes no concelho, vem o Grupo Municipal do PAN propor que a Assembleia Municipal de Lisboa, na sua Sessão Ordinária de 26 de maio de 2020, delibere recomendar à Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 15.º conjugado com o n.º 3 do artigo 71.º ambos do Regimento que:

  1. Ponha fim à política de abate de árvores adultas, saudáveis e de elevado valor ecológico e ambiental e que envide diligências, junto dos autores dos projetos de arquitetura paisagista em curso ou a desenvolver, para que inclua tais exemplares no traçado;
  2. Previamente à tomada de decisão de abate por parte da Câmara Municipal e complementarmente com os estudos ou relatórios técnicos existentes, passe a ser aferido caso a caso o real e afetivo risco de problemas estruturais ou fitossanitários identificados, que justifiquem uma tal medida tão radical ao invés da adoção de uma poda que os consiga mitigar;
  3. Não sejam executados quaisquer trabalhos de poda, abate ou de remoção de cepos durante o período de nidificação de aves;
  4. Seja introduzida uma alteração ao Regulamento Municipal do Arvoredo, por via de proposta a remeter à AML para aprovação, nos seguintes termos:
    1. Que contenha nas normas técnicas constantes do seu Anexo I um conjunto de regras de boas práticas em matéria de abates, os quais apenas deverão ser executados após autorização emanada da autoridade competente, que avalie para além da existência de problemas estruturais ou fitossanitários a longevidade das espécies arbóreas em questão, os riscos decorrentes do seu abate para a biodiversidade ou o enquadramento paisagístico, para além de outros fatores cuja importância deva ser aferida caso a caso;
    2.  Que previamente à obtenção da autorização emanada pela autoridade competente, seja promovida a consulta designadamente a associações socioprofissionais do sector, ONGAs e bem assim a grupos de moradores que possam vir a ser afetados.

Lisboa, 26 de maio de 2020.

O Grupo Municipal

do Pessoas – Animais – Natureza

Miguel Santos – Inês de Sousa Real


[1] https://dre.pt/home/-/dre/114290144/details/maximized